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Na favela, até quando se ganha, se perde

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40 anos de espera: Comunidades receberam apenas um ônibus escolar para atender mais de 1.000 crianças - Luan Alves da Silva
O que temos são comunidades lutando por transporte escolar gratuito há 40 anos

Em Curitiba, existem crianças que precisam percorrer mais de 2 km para conseguir estudar. Elas caminham muito, passam por ruas perigosas com alto tráfego de carros e, quando enfim chegam na escola, já estão cansadas.

Essa foi a realidade que encontramos, em setembro de 2023, quando visitamos a Comunidade Barrocas, no bairro Santa Cândida, para atender uma demanda da população. Há 40 anos, os moradores pediam por algo que já deveria estar garantido pela Lei Federal nº 9394/1996 e pelo Estatuto da Criança e do Adolescente: transporte escolar gratuito.

Recebemos um abaixo-assinado dos moradores, conversamos com as lideranças, acompanhamos a mobilização, provocamos o poder público e superamos barreiras, conseguindo apoiar a resolução do problema mesmo que ele tivesse fora das minhas atribuições como vereadora (trabalhamos em âmbito municipal e a escola para a qual a comunidade pedia o ônibus era estadual, sendo o órgão competente a Secretaria Estadual de Educação do Estado do Paraná - SEED/PR).

Mas, ainda que tal demanda não seja de minha competência, estarei lá apoiando as comunidades toda vez que elas precisarem.

Foi o que fizemos. E foram quatro meses até que os moradores de Barrocas pudessem ter seu direito contemplado. O ônibus chegou, porém as coisas na favela são diferentes. A conquista veio com gostinho de "ganha, mas não leva".

O ônibus veio, mas seus 44 lugares não são suficientes para atender um universo de mais de 1.000 alunos matriculados na Escola Cívico-Militar Papa João Paulo I. Além da Comunidade Barrocas, o transporte escolar atende outras três do entorno, nos bairros Santa Cândida e Boa Vista. Todas elas precisam ser atendidas, mas é só fazer as contas para perceber a falta de disponibilidade em resolver. Para contemplar todo mundo, seriam necessárias pelo menos 20 viagens (40 considerando ida e volta).

O que temos são comunidades lutando por transporte escolar gratuito há 40 anos, com três gerações de famílias vendo seus filhos irem para a escola a pé. E quando o transporte vem, chega de forma insuficiente, deixando muitas crianças de fora.

Situações assim me fazem questionar por que a população mais vulnerável é tratada como se merecesse o mínimo. Que escárnio e preconceito são esses, tão enraizados no nosso dia a dia, que transformam um direito garantido por lei em um serviço meia boca? Os moradores dessas comunidades não podem ser considerados cidadãos de segunda classe e é um verdadeiro absurdo que existam, nas cidades inovadoras em pleno 2024, pessoas que precisam aguardar 40 anos para ainda não terem seu acesso a serviços básicos verdadeiramente contemplados.

Por que alguns têm seus direitos facilmente concedidos e outros precisam batalhar duro para ter o básico?

Que sociedade é essa que divide as pessoas assim?  A mudança acontece quando existe consciência e vontade.

A cidade que eu quero acolhe sem distinção e é por ela que estamos trabalhando.

 

*Fotojornalista, ativista social, vereadora de Curitiba (Mandata Preta - PT), Giorgia Prates foi integrante da redação do Brasil de Fato Paraná e hoje é nossa colunista - com grande orgulho pro BDF PR.

**As opiniões expressas nesse texto não representam necessariamente a posição do jornal Brasil de Fato Paraná

Edição: Pedro Carrano