O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Edson Fachin pediu a intervenção da Comissão Nacional de Soluções Fundiárias do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) no território indígena Avá-Guarani de Guasu Guavirá, localizado em Guaíra, no oeste do Paraná. Na última semana, quatro indígenas da região foram atingidos por disparos de arma de fogo enquanto realizavam os rezos da comunidade, que não tem o território demarcado. Na mesma ação, Fachin também pede que sejam anulados todos os julgamentos que interromperam o processo de demarcação dessa comunidade.
No documento, o ministro justifica a intervenção para que seja iniciada “as tratativas necessárias para a construção de solução de consenso, e, em especial, intervir para a imediata cessação dos atos de violência que acontecem nas áreas de ocupação indígena na região de Guaíra”.
Há anos a região convive com a violência de milícias rurais, mas elas se intensificaram desde o fim do ano passado, quando a comunidade iniciou um processo de retomada, uma vez que não possui os limites do território delimitados.
Na ação, Fachin determina a revogação de quaisquer decisões que impeçam a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) de dar andamento ao processo administrativo que garantirá o território aos indígenas. São réus na Ação a Itaipu Binacional, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária e a Funai.
Demora na demarcação gera violência
Segundo o cacique Ilson Soares, da Tekohá Yhovy, comunidade que foi atacada a disparos de arma de fogo, a decisão do ministro aumenta a esperança na demarcação.
“Acredito que poderá avançar”, afirma. “Sabemos que é um procedimento que demora muito, mas precisamos avançar na questão territorial. Porque quanto mais demora, mais violência gera contra nós. As mídias falam que atacamos, que invadimos, mas quem veio colocar a mão na gente foram eles [milícias rurais]. Eles saíram de suas casas e vieram até aqui [Guasu Guavirá] para cometer esses atos tão bárbaros e, depois, espalharam pelas mídias que nós é que somos terroristas.”
Após os ataques, o governo federal disse que mandaria a Força Nacional para a região. Mas, segundo o cacique, até o momento não teve nenhuma mudança na prática.
“Só tem uma viatura da Polícia Federal na frente do acampamento e às 2h, 3h, eles sempre vão embora e só voltam por volta das 8h”, relata. “As ameaças são constantes. Somos monitorados por pessoas desconhecidas que vêm de carro ou de moto. Homens armados rondam o acampamento e grupos de WhatsApp discutem o que fazer, tipo: ‘tacar’ fogo nos barracos e botar todo mundo pra correr”, frisa.
Contexto
A comunidade de Guasu Guavirá sofre há anos com a violência. Ela é remanescentes dos Avá-Guaranis que ocupavam originalmente a região onde hoje está localizado o lago da Itaipu Binacional.
Devido a remoções forçadas, sequestros e separação de famílias, os indígenas se dividiram e passaram a realizar um processo de retomada de território no Oeste do Paraná. Essa região, chama, hoje, Guasu Guavirá, e compreende 17 aldeias, entre elas as Y’hovy e Yvyju Avary.
No dia 21 de dezembro de 2023, os Avá-Guarani de Y’hovy e Yvyju Avary começaram um processos de retomada de território, uma vez que os processos de demarcação que tinham no passado foram suspensos no governo de Jair Bolsonaro (PL) e voltaram à estaca zero.
Logo após o início dessas retomadas, as comunidades passaram a sofrer graves ameaças e agressões por parte de grupos de não indígenas.
Nos dias 23 e 24 de dezembro do ano passado, as aldeias Y’hovy e Yvyju Avary foram atacadas com emprego de milícia rural privada. De acordo com o cacique Ilson, pelo menos 100 pessoas queimaram os barracos da comunidade e soltaram rojões. Eles também dispararam com arma de fogo, mas, felizmente, não acertaram ninguém. Além dessas violências, foram aterrados barracos, soltados rojões e cães foram assassinados.
O último ataque, e que motivou a decisão de Fachin, aconteceu no dia 10 de janeiro. Na ocasião, quatro indígenas Avá-Guaranis da Tekohá Yhovy foram atingidos por disparos de arma de fogo. Desses, três foram encaminhados ao hospital de Toledo – um deles era o líder espiritual (xamoi).
Passada quase uma semana, o cacique Ilson Soares diz que as vítimas estão bem. “Apenas um passou por cirurgia. Outro, não sei se vai ou não fazer cirurgia, pois falaram que teria que esperar desinchar o ferimento”, explica.
Para ele, que convive com essa escalada de violência cada vez mais brutal, há um receio e um peso sobre os ombros por ter de garantir a proteção da sua comunidade.
“É bastante difícil. Sofremos as violências desde muito tempo e, agora, estamos sofrendo esses ataques e as ameaças não cessaram até agora. Nós estamos com muita dificuldade protegendo uns aos outros porque, quando chamamos a polícia, ela demora mais de uma hora pra vir, e nesse tempo muitas coisas pode acontecer, como aconteceu, e não conseguimos remediar”, lamenta.
Posicionamento da Itaipu
Em nota, o diretor jurídico da Itaipu, Luiz Fernando Delazari, disse que a decisão do STF é importante para pacificar a região. Ele também afirmou que se colocou à disposição para colaborar e que tem mantido diálogos com o Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR), Ministério Público Federal (MPF) e Advocacia Geral da União (AGU). “Entendemos que temos um compromisso com os povos indígenas da região”, afirmou Delazari.
Edição: Lia Bianchini