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Balanço do 8 de janeiro de 2023 e os limites da luta atual apenas em defesa das instituições

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Os golpistas bolsonaristas sempre falaram abertamente na sua intenção de fechamento do regime democrático - Marcelo Camargo/Agência Brasil
O neofascismo não será derrotado apenas com a força das instituições democráticas

com colaboração de Pedro Carrano

Estamos em meio a uma luta prolongada contra o fascismo. A vitória eleitoral de Lula foi, sem dúvida, um dos mais importantes acontecimentos recentes para os setores democráticos e populares do nosso país. Mas, por si só ela não acabou com o bolsonarismo neofascista, e o dia 8 de janeiro de 2023 deixou nítido que há setores neofascistas dispostos até mesmo a uma tentativa de golpe insurrecional.

O fato de o movimento golpista ter sido desautorizado nas suas principais pretensões ainda no mesmo dia não é a garantia de que foi totalmente derrotado. Não se trata também de apenas compreender o movimento golpista como meras pessoas deslocadas da realidade e manipuladas, apesar de compreensível tal tratamento pelo nível de absurdos que essas pessoas são capazes de compartilhar diariamente nas redes sociais. Para além disso, há algo importante que os setores populares necessitam ficar em estado permanente de alerta: o neofascismo tem combinado a atuação eleitoral, nas redes sociais e a mobilização de sua força social nas ruas.

Compreendo que o 8 de janeiro é produto da organização política em todas essas frentes supracitadas. Lembremos que os golpistas do ano passado estiveram dispostos ao estado de mobilização permanente por mais de 30 dias em frente aos quartéis, trancamento de rodovias, receberam financiamento empresarial (em especial de setores do agronegócio e de outras frações de classe empresariais) e foram às vias de fato no prédio dos três poderes. Além disso, receberam visível apoio das forças policiais e militares, e pior, estão entranhados nestas instituições.

Isso demonstra que o neofascismo não se trata apenas de fenômeno eleitoral, mas se enraizou na sociedade civil e isso é especialmente perigoso. Ele tem capacidade de disputar o poder, propagandear ideias para setores da classe trabalhadora e buscar o enfrentamento, apropriando-se inclusive de métodos da esquerda, com quem está em permanente disputa.

O neofascismo não será derrotado apenas com a força das instituições democráticas. Essa ideia de que os poderes republicanos brasileiros representados pelo executivo, judiciário e legislativo se uniram em prol da defesa da democracia e demonstraram apenas sua “fortaleza” é um verdadeiro engodo. Em praticamente todos os bons documentários produzidos pela mídia hegemônica sobre o 8 de janeiro de 2023 há essa indicação ideológica. Assim, fica parecendo que as instituições derrotaram os golpistas.

Tal indicação é apenas parcialmente correta. Afinal de contas, nossa história recente e anterior a tentativa de golpe do ano passado demonstrou que essas mesmas instituições estavam compromissadas, por exemplo, com o golpe do impeachment (2016) e com a perseguição política de Lula e sua injusta prisão. O que falar da participação do Ministério Público e do judiciário, instituições onde se agregam setores da alta classe média, na operação Lava Jato que visou evidentemente a perseguição de opositores políticos, em especial do Partido dos Trabalhadores, e criou condições favoráveis ao golpe do impeachment e da prisão de Lula?

A mesma mídia hegemônica que produziu documentários condenando os atos dos golpistas de 2023, parece ter se “esquecido” que seus canais de comunicação deram apoio e cobertura para todos os atos e manifestações que resultaram no golpe do impeachment de 2016. Ou seja, as condições políticas e sociais que resultaram no 8 de janeiro foram sendo construídas muito antes e com a conivência de tais instituições democráticas. Em síntese, as mesmas instituições têm sua responsabilidade com a ascensão do movimento neofascista no Brasil. Não é possível que esqueçamos de tudo isso ao dizer que a democracia brasileira foi salva pela força das suas instituições!

Dito isso, é possível compreender que há importância de as instituições republicanas terem se unido contra o óbvio. Os golpistas bolsonaristas sempre falaram abertamente na sua intenção de fechamento do regime democrático e da sua disposição em praticar um golpe de estado. Impedi-los em 8 de janeiro foi importante, mas não demonstrou apenas a “resiliência democrática” ou mesmo “a fortaleza institucional do Brasil”. Compreendo que o fato de 8 de janeiro de 2023 ter ocorrido, com a leniência que se deu aos acampamentos golpistas, aos discursos falsos sobre “fraude eleitoral”, com o cada dia mais evidente apoio das forças policiais e militares ao episódio, demonstrou antes de tudo a estreiteza das margens democráticas no Brasil e sua fragilidade. Caso a democracia brasileira fosse verdadeiramente forte, o neofascismo não floresceria, seria esmagado desde o princípio.

Por isso, convido-os, a outra reflexão. A necessidade de entender o conteúdo de classe da democracia brasileira.

Foram essas mesmas margens democráticas limitadas que permitiram a um neofascista como Bolsonaro atacar todas as instituições, fomentar atos golpistas e divulgar notícias falsas e fraudulentas. Como uma democracia supostamente forte pode deixar impune – porque apenas torná-lo inelegível é insuficiente – a principal liderança do movimento neofascista no Brasil?

Ou ainda, como não compreender o caráter de classe da democracia brasileira em que empresas e pessoas ligadas ao agronegócio e outras frações de classe empresariais continuem ilesas apesar de terem financiado os atos golpistas de 8 de janeiro de 2023? A democracia forte é aquela que pune apenas alguns dos golpistas deixando de lado aqueles mais poderosos e pertencentes às classes dominantes?

Ainda há tempo para o governo Lula se agarrar na única saída: de que democracia forte é aquela sustentada pelo povo, com medidas econômicas, sociais, culturais capazes de formar uma maioria contra os setores neofascistas e neoliberais. Sem nenhum enfrentamento, calcado apenas na crença nas instituições, essa postura torna o terceiro governo Lula bastante frágil. E é sabido que o neofascismo é o inimigo mais duro contra o que as forças de esquerda disputam hoje.

Edição: Pedro Carrano