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Por um mundo mais igualitário, precisamos reorganizar o trabalho de cuidado

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Atualmente não há regulamentação do trabalho do cuidado, tampouco uma política que abarque os desafios que vêm pela frente no Brasil com o envelhecimento populacional - Agência Brasil
Não remunerado e desvalorizado, o trabalho de cuidado é indispensável para a sociedade

O trabalho de cuidado é considerado uma obrigação exclusiva das mulheres. Frequentemente escorado na ideia de que o ato de cuidar seria natural a elas, esse trabalho não remunerado, desvalorizado e invisibilizado pelos parâmetros do mercado e da economia, continua a manter as mulheres, sobretudo as negras, à margem da sociedade.

A discussão em torno do trabalho de cuidado, termo que caracteriza as atividades relacionadas à satisfação das necessidades físicas, psicológicas e emocionais de adultos, crianças e idosos, ganhou força no Brasil após o tema ter sido abordado pela redação do Enem de 2023. Essa realidade, comum a milhões de brasileiras, além de reforçar estereótipos, agrava e perpetua as desigualdades sociais, econômicas, raciais e de gênero no país.

Dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad) Contínua 2022, do IBGE, mostram que, no último ano, as mulheres dedicaram quase 10 horas por semana a mais do que os homens aos trabalhos doméstico e de cuidado. E isso começa cedo: 92,1% da população feminina com 14 anos ou mais realiza afazeres domésticos no Brasil.

A divisão sexual do trabalho condiciona mulheres a serem responsáveis pelo cuidado e tarefas domésticas, enquanto os homens têm tempo livre para se dedicarem aos estudos, a trabalhos produtivos e remunerados, ao lazer.

A nível global, por exemplo, 42% de todas as mulheres em idade ativa estão fora do mercado de trabalho, contra apenas 6% dos homens, devido a responsabilidades pela prestação de cuidados. Os dados presentes no relatório “Tempo de cuidar: o trabalho de cuidado não remunerado e mal pago e a crise global da desigualdade”, desenvolvido pela Oxfam em 2020, mostram também que meninas que realizam um grande volume de trabalho de cuidado não remunerado apresentam taxas de frequência escolar mais baixas que aquelas que não o fazem.

O resultado disso é um déficit que impacta não só a formação educacional, como a inserção e permanência delas no mercado de trabalho formal, criando uma distância ainda maior entre homens e mulheres.

Esse cenário reforça as normas de gênero que naturalizam a figura da mulher, especialmente a negra, como cuidadora, desconsiderando o valor social e econômico do seu trabalho. Segundo a Oxfam, as cerca de 12,5 bilhões de horas diárias dedicadas ao trabalho de cuidado não remunerado feito pelas mulheres correspondem a uma contribuição de pelo menos 10,8 trilhões de dólares ao ano à economia global. O esforço das mulheres brasileiras com essa atividade, de acordo com o relatório "Economia do Cuidado", da ONG Think Olga, equivale a 11% do PIB e mais do que o dobro da produção do setor agropecuário.

No Brasil, é impossível falar sobre a questão da invisibilidade do trabalho de cuidado sem levar em conta recortes de classe social e raça. Aqui, a responsabilidade desigual dessa atividade que recai sobre as mulheres amplia a desigualdade de renda, precariza as condições de vida e ainda acarreta em problemas de saúde como estresse, esgotamento e cansaço. Sobrecarregadas com o cuidado, as mulheres têm menos tempo ou condições para se dedicarem ao trabalho remunerado ou à participação na vida política, por exemplo.

Isso afeta ainda mais as mulheres negras, uma vez que elas representam a maior parte tanto dos trabalhadores na informalidade quanto dos responsáveis pelo trabalho de cuidado remunerado no Brasil. Uma pesquisa do Dieese de 2022 mostrou que 67,3% das 5,3 milhões de trabalhadoras domésticas são negras. Do total, 39,6% das profissionais vivem em situação de pobreza ou pobreza extrema, apenas 24,7% têm carteira assinada e 35,3% contribuem com a previdência social.

O caminho para a mudança

Atualmente não há regulamentação do trabalho do cuidado, tampouco uma política que abarque os desafios que vêm pela frente no Brasil com o envelhecimento populacional e o consequente aumento na demanda por cuidados. Em 2050, conforme estimativas do relatório da Oxfam, o país terá cerca de 77 milhões de pessoas dependentes de cuidados, entre idosos e crianças.

Existem, no papel, alguns planos e projetos de lei que tratam do trabalho de cuidado. Para 2024, o governo federal prevê o lançamento de uma Política Nacional do Cuidado, uma vez que a organização dessa atividade no país ainda é muito marcada por desigualdades.

Na Câmara dos Deputados também tramitam propostas como a 2757/2021, que reconhece o trabalho materno como trabalho e garante a aposentadoria nesses casos; a 638/2019, que propõe a inclusão de trabalhos de cuidado no sistema de cálculo do PIB; e a 2647/2021, que busca fixar regras para a contagem do tempo de serviço da tarefa de criação de filhos para efeitos de aposentadoria. Nenhuma delas chegou a ser votada.

Aqui no Paraná, uma decisão da 12ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça (TJPR) de outubro deste ano reconheceu a necessidade do trabalho de cuidado ser considerado no cálculo da pensão alimentícia. O caso é um marco importante na luta pelo reconhecimento dessa atividade e pode influenciar outros pelo país.

A passos lentos vamos caminhando para a construção de um mundo mais igualitário onde não haja exploração do trabalho das mulheres. Mas precisamos ir além. Se o trabalho de cuidado é um problema coletivo, devemos pensar em soluções que venham na forma de debates, direitos e políticas públicas que atravessam temas como a igualdade salarial, a garantia de aposentadoria e pensão, e a assistência à infância com vagas em creches para as crianças.

O lugar da mulher como cuidadora foi construído socialmente ao longo do tempo, o que significa que ele pode ser reestruturado. O primeiro passo para essa mudança é justamente reconhecer que o trabalho de cuidado não é invisível e redistribuir essa responsabilidade para todos.

Qual a sua opinião sobre o trabalho de cuidado em Curitiba e no Brasil? Você conhece ou é alguém responsável por essa função? Me conte em [email protected] ou (41) 99922-8881.

Edição: Pedro Carrano