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Le Pen, Trump, Bolsonaro, Milei e a crise da esquerda

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A mídia naturaliza a barbárie porque precisa dela. Porque interessa o neoliberalismo e busca as condições para implementá-lo - Maria Eugenia Cerutti / Presidência da Argentina / AFP
A sinalização de privatização da petroleira estatal YPF fez subir os seus papeis no mercado

Em um romance contraverso chamado Submissão, publicado ainda em 2015, o escritor francês Michel Houellebecq criou um cenário fictício mas que ajuda a decifrar a ascensão da direita no país. No auge da insatisfação, dos protestos de migrantes, é a suposta esquerda/social-democrata no governo, de forma institucional, que arca com o peso da pressão e da insatisfação popular, enquanto a direita, na figura de Le Pen, acumula com o discurso antissistêmico e de ruptura.

Cada país tem uma correlação de classes e de forças entre as classes. O que demanda uma análise concreta de cada situação, conjugando os traços particulares de cada país e os traços gerais e comuns de uma conjuntura mundial, em dado período histórico.

Por isso, há traços comuns perceptíveis na ascensão de governos de extrema-direita, com programas neoliberais. Mostrando, uma vez mais desde o Chile de Pinochet, que o neoliberalismo pode submeter e também dispensar a democracia.

Numa correlação de forças desfavorável para os trabalhadores no plano mundial, acentuada com a crise de 2008 e, mais tarde, com a crise econômica, social e sanitária da pandemia, a esquerda na Europa, no Brasil e na América Latina teve dificuldades de avançar com mudanças estruturais, limitando-se à institucionalidade, à austeridade financeira, à manutenção de programas sociais apertados no orçamento e sem o devido protagonismo popular. Talvez o período do governo Alberto Fernández, após o neoliberal Macri, seja o exemplo mais clássico neste sentido.

No ringue, de certa forma, a extrema-direita, com discurso antissistêmico, tem conseguido colocar a esquerda na defesa de instituições que são também submetidas ao neoliberalismo e que muitas vezes estão desgastadas aos olhos da população.

As reações no dia seguinte à vitória de Milei na Argentina marcaram o noticiário brasileiro de ontem (20). Mas choca bastante, em canais empresariais, caso da Band News, CNN, a naturalização da figura autoritário de Milei e novamente a aposta, como já vimos no período Bolsonaro, de que ele se limitará às amarras que as instituições poderiam lhe colocar.

Um cinismo explicável somente pelo fato de que o mercado financeiro não se preocupa com os arroubos de Milei e sua vice sobre a ditadura ou sua pauta de costumes. O fundamental para essas frações financeiras é que Milei garanta privatizações robustas, retirada de direitos trabalhistas e, fato importante, derrube os subsídios que beneficiam os trabalhadores, caso do gás e combustível.

É preciso compreender também os novos mecanismos da política no esteio do atual cenário de crise. O espanto com o distanciamento de pesquisas eleitorais com a realidade – seja no primeiro turno no Brasil, quando se acreditava que Lula venceria Bolsonaro com grande vantagem, seja agora no resultado estrondoso de Milei, é um sinal do atual momento que merece estudo e aprofundamento.

Por sua vez, as redes sociais passam a ser um terreno de intervenção do neofascismo, seja a partir de ação individual, confluindo em ações golpistas, como a que vimos às vésperas do golpe da extrema direita boliviana contra o governo de Morales e Linera, quando foram criados mais de 60 mil perfis falsos na rede X (antigo Twitter). O fundamental é entender o papel organizativo cumprido pela comunicação nos dias de hoje, e o que está em disputa na luta de classes.

Estamos pisando em território inimigo, diferente do embate entre as forças progressistas diretamente contra a social democracia neoliberal e desgastada. Atualmente, combater o neofascismo demanda necessariamente ações de organização popular e de crítica à institucionalidade.

A mídia naturaliza a barbárie porque precisa dela. Porque interessa o neoliberalismo e busca as condições para implementá-lo, o que na Argentina se expressa na aliança no segundo turno com o neoliberal Mauricio Macri. A expressão de o “presidente libertário” é bonita, mas não encobre que logo em sua primeira entrevista Milei apontou resolver protestos com repressão. Não é à toa também que o presidente já sinaliza visitas aos EUA e Israel.

Bem como hoje já houve um ganho na especulação das bolsas. A sinalização de privatização da petroleira estatal YPF fez subir os seus papeis no mercado e já há consultorias financeiras avaliando que esse “choque inicial” da capitalismo de Milei pode ser importante para o mercado. (1)

É fato que apenas o elemento antissistêmico é insuficiente para sustentar um projeto de longo prazo. A contraposição das forças populares deve se dar combatendo o neofascismo de forma ampla, porém tendo também um programa nitidamente antineoliberal para acumular forças e legitimidade junto aos trabalhadores.

 

(1) https://www.infomoney.com.br/mercados/petroleira-estatal-argentina-ypf-salta-mais-de-10-em-ny-e-mais-reacoes-de-acoes-a-vitoria-de-milei/

Edição: Lia Bianchini