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CRÔNICA. O massacre do povo palestino nos massacra profundamente

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As guerras acabam com as manhãs. As guerras acabam com os cafés. As guerras acabam com a correria veloz das crianças. Parafraseando Adorno, será possível escrever poesia depois de Gaza? - Yousef Hassouna / AFP
A mídia empresarial sempre busca dar suas lições e condenar o que considera o “eixo do mal”.

Que importa um eventual retorno do sol para Curitiba, depois de dias chuvosos? Ou da chuva depois da onda de calor? Que importam as pequenas agendas e alegrias cotidianas, de um final de ano no Brasil com relativa estabilidade. Que importam pequenas ou grandes felicidades da vida íntima, alguma conquista pessoal, algum prazer artístico? Alguma conversa desinteressada. A verdade é que o território palestino de Gaza está sendo bombardeado, atacado e sua população sendo assassinada. Nada mais é urgente do que isso.

Hospitais são cercados por tanques, são vasculhados por soldados, são atingidos, em meio ao caos e ao estrangulamento econômico contra um povo que deseja existir, nessa operação, já bastante conhecida, de tentativa de cerco e aniquilamento.

A consciência com isso pesa. Não permite um final de feriado tranquilo a caminhar pelo bairro. A questão Palestina andava esquecida nos últimos anos? Podíamos ter feito mais por ela? Como recordo que fazíamos, nos anos 2000, nos fóruns sociais mundiais, quando trazíamos cada detalhe da resistência palestina na ponta da língua. Fico pensando nisso, e sei que, a princípio, inutilmente. Mas agora penso não só no que acontece hoje, mas tento imaginar os mais de 15 anos de bloqueio à população que vive na faixa de Gaza, o que a transformou num lugar de condições subhumanas de vida, separada do restante do já limitado território Palestino, invadido permanentemente. Qualquer documentário anterior ao dia 7 de outubro atesta isso.

A situação no território Palestino de Gaza nos massacra, como um enredo do romance mais tortuoso, marcado por uma ameaça que nem Kafka poderia sugerir.

Nos angustiamos com as táticas midiáticas de transformar a vítima em algoz, desconsiderando a tragédia da expulsão palestina desde a Nakba ("Catástrofe"), em 1948, quando mais de 700 mil moradores foram arrancados de suas terras, num dos maiores despejos que se tem conhecimento, chegando ao não cumprimento e expansão de colonos judeus a partir dos Acordos de Oslo em 1993.

Precisamos urgentemente reconhecer que as informações e fatos verídicos são essenciais. Mas também é necessária uma cultura crítica, diversa, a partir de autores e historiadores especializados, para termos contexto e não olhar a realidade sempre a partir de um senso comum e de um fato aparente. Ou seja, o conflito não se inicia no dia 7 de outubro. Apenas o concreto aparente não revela tudo o que aconteceu. E que as coisa possuem uma história.

Como disse o presidente Lula, é condenável a ação do Hamas no dia 7 de outubro ao ter atingido civis. No entanto, sem dúvida ela está sendo usada como pretexto para o Estado de Israel aplicar sua política estratégica de limpeza étnica na região, retirando o povo Palestina do local, enterrando de vez a possibilidade de um Estado Palestino, deixando o corredor de Gaza livre para um novo corredor econômico de interesse de Estados Unidos, Israel e Europa.

Tenho pensado muito no tema, até por ter participado recentemente de espaços com estudantes de comunicação, todos preocupados também com o assunto: É preciso aliar os fatos corretamente com uma análise histórica aprofundada sobre os eles. Imagens rápidas e superficiais e apelativas são insuficientes. Bem como uma análise ideológica sem fatos também não nos interessa.

É preciso oferecer uma análise profunda pra um quadro histórico o mais completo possível. Por exemplo, não se entende a crise que ocorre na Venezuela a partir de uma notícia sobre uma prateleira de supermercado vazia. Senão, simplesmente se esquece que há um bloqueio econômico imposto neste momento contra o país caribenho.

Bloqueio ainda pior foi imposto à Gaza desde 2007. Na ausência de canais, toda a expressão de luta, correta ou não, violenta ou não, pode emergir. O conceito de democracia não é o mesmo quando estamos falando de um território sufocado. Ainda assim, a mídia empresarial sempre busca dar suas lições e condenar o que considera o “eixo do mal”.

Ainda nos anos 2000, condenamos a invasão do Afeganistão e do Iraque. Mas logo escutávamos que estávamos do lado do terrorismo. Hoje, os mesmo argumentos ridículos são repetidos à exaustão! O que acontece em Gaza, como continuação da “caça ao terror” já assistimos durante a invasão do Afeganistão, Iraque, Líbia, Síria, Iêmen, Sudão, entre outros países, somando ainda os golpes de estado contra governos não alinhados em nossa América Latina.

Com tudo isso, não é possível um cotidiano tranquilo, como aquele que Drummond queria no poema "Lembrança do Mundo Antigo", de 1940: “Haviam manhãs naquele tempo” antes da guerra. Hoje, não há manhãs e nem auroras enquanto o povo palestino não tiver o direito ao acesso à terra que não seja um presídio a céu aberto. As guerras acabam com as manhãs. As guerras acabam com os cafés. As guerras acabam com a correria veloz das crianças. Parafraseando Adorno, será possível escrever poesia depois de Gaza?

Mas a poesia é sim essencial e necessária. E tem expressão na solidariedade dos trabalhadores de diferentes países, que se recusam a embarcar armas e mercadorias para Israel. Nossas ações têm que voltar a ser globais. Reconhecer que há uma guerra contra um povo há setenta anos e que deve ser impedida. Reconhecer que cada luta por moradia dialoga com a causa Palestina. O massacre de Gaza nos massacrará a todos nós, comprime o que nos resta de humanidade. É hora de agir.

 

Edição: Frédi Vasconcelos