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Produtores de leite agonizam com preço baixo, mas indústria fatura alto

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Produtores vêm perdendo rentabilidade e sofrem para continuar produzindo - Divulgação_Flickr
Preço pago a produtores está em queda, mas preço do leite e derivados continua alto em supermercados

A idílica cena do trabalhador rural e seus maneirismos interioranos corre perigo. A pecuária leiteira vive uma crise, dizem, sem precedentes. Os últimos anos não foram fáceis. Tampouco é fácil encontrar uma razão única para o que estão passando os trabalhadores do campo. Ao mesmo tempo, a conjuntura de afetados é ampla. O brasileiro que vive nas cidades diminui a quantidade de queijo no misto-quente e a vitamina matinal anda salgada por conta do preço do leite e demais laticínios. No meio, no entanto, a iniciativa privada vai bem, obrigado. Quem paga as intempéries é o cidadão comum...
A pecuária leiteira está presente em todos os estados. O país é o terceiro produtor mundial e chega a ordenhar 34 bilhões de litros de leite por ano. O segundo lugar entre as unidades federativas é do Paraná, com 4,4 bilhões de litros. O destaque nacional, no entanto, não se traduz em prosperidade. Os produtores do estado agonizam por conta do preço baixo que recebem pelo que é vendido à indústria. Além disso, desonerações a impostos de importação criaram grande desequilíbrio. Em agosto de 2021 a compra de leite em pó de outros países do Mercosul foi de 75 milhões de quilos, enquanto em agosto deste ano já foram 131 milhões de quilos comprados.
Em contrapartida, nas gôndolas dos supermercados, o consumidor não percebe nenhuma economia em suas compras. Apesar de uma recente queda, queijos, laticínios e derivados ainda estão caríssimos, contribuindo para um círculo vicioso, que acaba pressionando o lado mais fraco, a pulverizada cadeia de pequenos produtores rurais que representa a maioria dos fornecedores de leite. A indústria que transforma o insumo, robusta e concentradora, evita suas perdas pagando menos a uma ponta, ao mesmo tempo em que cobra mais da outra nas cidades, minimizando e muito o problema para si.
Com exímia destreza, a indústria se adapta. Há alguns meses os consumidores vêm percebendo a presença de produtos diferentes como opções de compra nos supermercados. Parecem feitos de leite, têm aparência de leite, propaganda de leite, aroma de leite, mas são compostos derivados do soro de leite, antigo descarte, com a adição de muitos produtos químicos e outras substâncias como o amido de milho. De valor nutricional irrisório, esses produtos, mais baratos, acabam inflando ainda mais o déficit nutricional da população, e como ultraprocessados que são, contribuindo para a epidemia de doenças silenciosas que nos assola.
De volta à fazenda, o produtor rural amarga 40% de subida nos seus custos de produção só no ano passado, além de quase 11% de inflação, o que inviabiliza a solvência de muitos fazendeiros. Alguns, inclusive, deixaram de produzir por não ter condições de trabalhar com o que a indústria está disposta a pagar - menos R$ 2,50 por litro - atualmente. Infelizmente, a atividade, tão pulverizada por estradinhas de chão aqui e acolá, é realidade em quase todos os municípios brasileiros e sua perda acaba mudando hábitos, alterando a paisagem rural brasileira, na medida em que encolhe com o passar dos anos e incessantes crises.
As reclamações dos produtores têm sido ouvidas por alguns parlamentares que tentam proteger os produtores do estado. Em recente audiência pública na Assembleia Legislativa do Paraná, os posicionamentos foram veementes: pede-se a restrição das importações de leite em pó, maior fiscalização das fronteiras, rastreabilidade dos produtos e sua maior taxação, inclusive para derivados lácteos, a proibição da reidratação do leite em pó em território brasileiro e, por fim, a renegociação das dívidas contraídas nos últimos anos.
No entanto, algo chama muito a atenção, o agro, setor geralmente alinhado aos velhos conservadores e pautas liberalóides, ainda que não goste, acaba reconhecendo que a competição de mercado indiscriminada só é interessante para aquele que têm a barganha na mão. Quando um setor está desfavorecido, a intervenção estatal não é só bem-vinda como estimulada. Além disso, é necessária sob qualquer ponto de vista humanitário, já que a crise do leite afeta de forma desigual aqueles no espectro mais vulnerável da cadeia.
A indústria, que compra o leite, também não alivia para ninguém, dita os valores a serem pagos aos produtores de forma arbitrária, deixando pouca ou nenhuma margem para negociação. Uma bela lição de oferta e demanda. Enquanto aguardam a salvação de Brasília e dos estados, resta saber se a conscientização sobre a realidade fática dos desequilíbrios de mercado vai influenciar ou não o voto dos afetados pela crise numa próxima eleição, já que a experiência de mercado radical dos últimos anos fez o setor pedir arrego.
Ouviu-se de um deputado que a “mão invisível do estado” tinha que agir para salvar os produtores. É tão grave a crise que os antigos céticos já estão apelando até para o que não acreditavam! Vejamos quanto tempo isso vai durar.

Edição: Frédi Vasconcelos