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Novo Ensino Médio: Revogar ainda é preciso

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Desde a implantação, o Novo Ensino Médio tem sido alvo de críticas de estudantes e outras pessoas ligadas à área da educação - Fernando Frazão/Agência Brasil
Luta pela revogação articula a desbolsonarização do Estado brasileiro com o antineoliberalismo

Assim como ocorre com a maioria das políticas sociais elaboradas e implementadas durante o período Temer-Bolsonaro (2016-2022), a luta pela revogação da contrarreforma educacional tende a ser longa, complexa e permeada por avanços e retrocessos.

Talvez o maior erro que os setores populares e democráticos possam cometer seja justamente subestimar a permanência de políticas oriundas do golpismo e do bolsonarismo, mesmo após a eleição de um governo encabeçado por Lula e avanços parciais verificados até o momento.

Um ponto de acordo entre a maioria dos setores que compõem a frente ampla governista gira em torno do enfrentamento ao neofascismo, com a consequente desbolsonarização do Estado brasileiro. Isso repercute, é certo, na proposição de novas políticas governamentais. Contudo, esse acordo - ainda que seja hegemônico no seio da frente ampla - não é assumido com prioridade por todos os atores e, mais do que isso, é instável.

É possível afirmar que, após completado quase um ano de governo, o país ainda não conta com um conjunto de política social objetivamente antifascista. A causa básica dessa situação reside no fato de que, para importantes setores integrantes do governo Lula, a prioridade é o programa neoliberal. Para esses grupos, a luta contra o neofascismo se subordina à aplicação de políticas neoliberais, o que os leva a assumir, no campo das políticas sociais, posições vacilantes em relação à revogação integral dos entulhos bolsonaristas.

Com isso, não negociam a manutenção de políticas e programas importantes aprovados entre 2016 e 2022, mesmo que se disponham a fazer concessões em alguns sentidos, sempre buscando manter os importantes lugares que ocupam na governabilidade.

Essa situação também se verifica no campo educacional. No fim de outubro, o governo enviou ao congresso um Projeto de Lei (PL 5320-2023) que produz mudanças no chamado Novo Ensino Médio (NEM). O projeto, como bem mostra a nota técnica1 produzida por diversas entidades educacionais, ameniza alguns aspectos que atualmente representam retrocessos na democratização da educação às classes trabalhadores. O principal deles é a ampliação da carga horária de formação básica, de 1800 para 2400 horas, valorizando os conhecimentos científicos em detrimento de partes flexibilizadas do currículo, os chamados itinerários formativos, responsáveis pela centralização da nefasta ideologia do empreendedorismo no Ensino Médio.

Ocorre, no entanto, que, diferentemente do que afirma o MEC, o PL não representa a maioria das posições apresentadas durante a consulta pública que ele mesmo convocou para ouvir a sociedade sobre o NEM. Questões como o fim do modelo fragmentado de formação, que tem produzido um currículo diferente em cada unidade federativa, a desvinculação entre o Ensino Médio e a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), estruturada em torno da anticientífica Pedagogia das Competências, e a vedação de parcerias com a iniciatia privada para oferta e gestão da educação pública, todas essas questões foram simplesmente desconsideradas na proposta do governo.

Isso sem mencionar aspectos especificamente pedagógicos e curriculares, como a concepção pragmática de formação profissional e a organização dos conteúdos a partir de grandes áreas do conhecimento e não das disciplinas de referência. Nesse cenário, a exigência da revogação completa dos dispositivos da contrarreforma do ensino médio passou longe de ser atendida.

A cereja do bolo foi a definição do deputado Mendonça FIlho (União Brasil) como relator do PL no Congresso Nacional. Mendonça era ministro da Educação na gestão de Michel Temer quando da proposição das primeiras medidas que culminaram com a aprovação do NEM. É declarado representante das fundações empresariais que defendem o modelo atual de Ensino Médio e que influenciaram a elaboração do atual PL. Nitidamente derrotadas na consulta pública, tais fundações passaram a atuar no Executivo e no Legislativo para emplacar suas propostas, que mantêm sua influência econômica e ideológica por meio da política educacional e fazem permanecer intactos os aspectos neoliberais da contrarreforma.

A luta pela revogação do NEM carrega consigo aquilo que há de mais necessário no enfrentamento democrático atual: articula a desbolsonarização do Estado brasileiro com o antineoliberalismo. Por isso mesmo, deve seguir como a bandeira central no horizonte dos árduos e duradouros embates do próximo período. Não será suficiente influenciar a luta parlamentar por avanços no PL 5320-2023 e nem os embates institucionais em torno da regulamentação do NEM no novo Plano Nacional de Educação (PNE). Esses movimentos cumprem importante papel, mas o horizonte da revogação, centrado na mobilização social, é prioritário.

 

**Professor da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Coordenador o Grupo de Pesquisa Estado, Políticas Públicas e Educação Profissional. Doutor em Políticas Públicas e Formação Humana pela UERJ. Militante da Consulta Popular.

***As opiniões expressas nesse texto são de responsabilidade do/a autor/a e não representam necessariamente a posição do jornal Brasil de Fato.

1 https://media.campanha.org.br/acervo/documentos/Nota_t%C3%A9cnica_PL5230_23.pdf

Edição: Pedro Carrano