Paraná

ORGANIZAÇÃO SINDICAL

Um balanço sobre o 14º ConCUT

A história da CUT, nessas quatro décadas, se imbrica à história da Nova República e dos direitos sociais

Campinas (SP) |
São muitos os desafios ao sindicalismo brasileiro, dentre eles a diminuição das taxas de sindicalização e a manutenção de um modelo de organização sindical que dificulta a organização dos trabalhadores desde a base. - Manoel Ramires

Entre 19 e 22 de outubro foi realizado, em São Paulo (SP), o 14º Congresso Nacional da Central Única dos Trabalhadores (ConCUT).

Sob o lema “Luta, direitos e democracia que transformam vidas”, a central celebrou os seus 40 anos de existência, elegeu uma nova diretoria e, em meio às análises da atual conjuntura social, econômica e política, deliberou um plano de lutas em defesa dos direitos da classe trabalhadora brasileira.

A CUT é a maior central sindical brasileira e latino-americana e a quinta maior do mundo, somando 3,9 mil sindicatos associados, com uma base de 7,9 milhões de trabalhadores. A central nasceu em 1983, no 1º Congresso Nacional da Classe Trabalhadora (Conclat), em São Bernardo do Campo (SP).

Foram muitas as lutas constituídas ao longo dessas quatro décadas relacionadas à defesa e ampliação dos direitos, bem como à consolidação da própria democracia no país. Inicialmente crítica à estrutura sindical forjada na década de 1930 pelo governo de Getúlio Vargas, esta central se constituiu por meio de novas formas de organizar os trabalhadores e as trabalhadoras do país, tendo as práticas e os discursos daquilo que se conveio chamar por “novo sindicalismo”. 

Em meio ao contexto neoliberal da década de 1990, com os governos de Fernando Collor de Mello (PRN) e Fernando Henrique Cardoso (PSDB), a CUT cumpriu um importante papel na mobilização e na articulação pela resistência da classe trabalhadora. Com o fim do período neodesenvolvimentista, o mesmo se repetiu após o golpe de 2016, quando foi inaugurada uma nova conjuntura marcada pela defensiva dos movimentos sociais, de maneira geral, obrigando a CUT e as outras centrais sindicais, junto aos movimentos populares e organizações políticas progressistas e de esquerda, a se somarem, dentre outras bandeiras, nas lutas contra o desmonte dos serviços públicos e o fim de diversos direitos sociais e trabalhistas. 

Com a possibilidade de retorno de Lula da Silva (PT) ao Executivo nacional, desde o início do ano passado, meses antes do primeiro turno das eleições presidenciais de 2022, a CUT se colocou nas ruas e nas redes em defesa deste candidato e de sua plataforma política, cumprindo um importante papel na derrota de Jair Bolsonaro (PL). Após a campanha eleitoral para Lula, a central se manteve na luta em defesa de sua posse diante das ameaças golpistas do campo neofascista, e segue, na atual conjuntura, como importante aliada do governo — da mesma forma que as outras maiores centrais sindicais, ao que tudo indica. 

14º ConCUT

Para o 14º ConCUT foram eleitos mais de 2 mil delegados em etapas estaduais — os CECUTs. A plenária nacional reelegeu o presidente Sérgio Nobre, metalúrgico do ABC Paulista, por um novo mandato de quatro anos, e, junto dele, outras 49 pessoas, que compõem a atual diretoria nacional — cujo número de cargos é dividido de forma paritária entre homens e mulheres. Além de delegados, militantes e pesquisadores observadores, o congresso também contou com a participação de cerca de 200 convidados internacionais, vindos de diferentes países.

Foram diversas as intervenções e os espaços de debate acerca da atual conjuntura. De maneira geral, há um otimismo dos sindicalistas cutistas com o novo governo Lula, com a retomada das políticas públicas de inclusão e com os atuais índices socioeconômicos. O principal ponto de destaque acerca da conjuntura, no entanto, era de âmbito internacional: a guerra de Israel contra o povo palestino. A central acertadamente se coloca em defesa do povo palestino e de sua luta por autodeterminação, pede o fim dos conflitos com um cessar fogo imediato e caracteriza como criminosa a forma com que o Estado de Israel tem reagido.

Ainda no âmbito de um problema global, mas com forte conexão com os desafios locais,  enfrentados pela classe trabalhadora brasileira, outro ponto que se destacou no ConCUT foi o debate acerca da transição energética justa. Sabe-se que os países do centro do capitalismo têm enfrentado o debate da transição energética de maneira mais incisiva do que aqueles localizados na periferia, e que, além disso, os países da periferia têm maiores dificuldades de assumir determinados compromissos com a transição energética, dadas as debilidades históricas e estruturais do seu mercado de trabalho. A CUT se coloca diante desta questão, que define os rumos do capitalismo no século atual, pensando no seu impacto sobre a vida, os direitos e a manutenção e geração de empregos para os trabalhadores e trabalhadoras.

Importante ressaltar que dias antes do 14º ConCUT, a central realizou o 3º Fórum Sindical Internacional por uma Transição Justa, Social e Ecológica, cuja organização também contou com representantes da Fundação Rosa Luxemburgo e das centrais sindicais KCTU, da Coreia do Sul, e CGT, da França, além da Trade Unions For Energy Democracy (TUED), uma rede global de sindicatos e organizações de trabalhadores, surgida em 2012, que busca promover este debate em países do norte e do sul global.

Por fim, outro ponto que se destacou no Congresso foi a criação de quatro novas secretarias, incorporadas na diretoria nacional. Agora, além da secretaria Geral, de Administração e Finanças, de Relações Internacionais, de Assuntos Jurídicos, de Comunicação, de Cultura, de Formação, de Juventude, de Relações de Trabalho, da Mulher Trabalhadora, de Saúde, de Mobilização e Relação com os Movimentos Sociais, de Políticas Sociais e Direitos Humanos, de Combate ao Racismo e de Organização e Política Sindical, a CUT passa a contar com a secretaria de Pessoas LGBTQIA+, de Pessoas Aposentadas, Pensionistas e Idosas, de Economia Solidária e de Transporte e Logística.

Embora ainda não tenham delimitadas as suas especificidades e obrigações, a criação dessas novas pastas, desde que não estejam esvaziadas de capacidade política e orçamento próprio, poderão, junto às outras secretarias, contribuir com o fortalecimento e a revitalização do sindicalismo cutista. Isto porque pensar nas reivindicações e direitos da comunidade LGBTQIA+, assim como de pessoas aposentadas, pensionistas e idosas, se articular e promover as ações do movimento de economia solidária, notavelmente marcada pelo trabalho informal, e incidir no debate do trabalho por plataformas digitais, ainda sem regulamentação, é uma tarefa de grande importância, sobretudo num contexto em que o país registra o menor índice de sindicalização de sua história.

Novas práticas sindicais

Houve um consenso no 14º ConCUT da necessidade de uma atuação mais próxima dos trabalhadores formalizados e, sobretudo, dos informalizados, e a construção de novas práticas sindicais. Isso se materializa, sobretudo, na constituição de comitês de luta e de cozinhas solidárias em comunidades, em parceria com agentes e organizações locais, bem como movimentos populares.

Tais ações, por mais interessantes e importantes que sejam — baseadas, inclusive, em experiências que já estão sendo realizadas em algumas localidades do país —, parecem se relacionar mais com a manutenção da estrutura sindical brasileira, com o sindicalismo estendendo os seus braços além dos limites impostos pelo controle do Estado, do que a reivindicação de derrubada deste modelo, que fragmenta a classe trabalhadora. 

A história da CUT, nessas quatro décadas, se imbrica à história da Nova República e dos direitos sociais e trabalhistas garantidos na constituição de 1988. Os rumos da nossa democracia, com suas idas e vindas, avanços e permanências, conquistas e debilidades, tiveram participação direta ou indireta desta organização política, que quando não estava próxima aos governos, estava nas ruas enfrentando-os. São muitos os desafios colocados para a classe trabalhadora na atualidade — cujas consequências se imbricam, e cuja dimensão impõem sérias reflexões sobre as táticas empregadas —, tais como: a transição energética e a crise ambiental, necessitando, dentre outros pontos, da criação de novos empregos e de formação qualificada em detrimento do fim de outros postos de trabalho; o aumento do desemprego e da informalidade, num contexto de crise econômica internacional; a retirada de direitos sociais e trabalhistas no pós-golpe de 2016 — cuja revisão ainda permanece em suspenso na atual agenda governamental —, que impacta decisivamente na qualidade de vida e trabalho do povo brasileiro; o aumento do trabalho plataformizado; o avanço do neofascismo e do conservadorismo na sociedade, que colocam as organizações progressistas e de esquerda na mira da desmoralização e do aniquilamento; a precarização do serviço público e as privatizações; a diminuição das taxas de sindicalização e a manutenção de um modelo de organização sindical que dificulta a organização dos trabalhadores desde a base.

As respostas para essas e outras questões, não somente da CUT, mas do conjunto dos movimentos sindical e popular, serão decisivas — desde já, no momento de reflexão, que antecede o enfrentamento aos governos e aos patrões —, para o futuro da classe trabalhadora brasileira.  

 

* Eduardo Rezende Pereira é militante da Consulta Popular e doutorando em Ciência Política pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). 

**As opiniões expressas nesse texto não representam necessariamente a posição do jornal Brasil de Fato.

Edição: Pedro Carrano