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Agro esquece de dizer como acumulou terras com favorecimentos, violência, grilagem...

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Poucos dias depois da derrota no STF, a bancada conseguiu aprovar o Marco Temporal na Comissão de Constituição e Justiça do Senado
Poucos dias depois da derrota no STF, a bancada conseguiu aprovar o Marco Temporal na Comissão de Constituição e Justiça do Senado - Joédson Alves/ Agência Brasil
Na discussão do Marco Temporal, ruralistas brigam com o STF e mostram que mandam no Congresso

A quem pertence o Brasil? Há algumas semanas nossa narrativa histórica recebeu uma importante atualização. Ministros do Supremo Tribunal Federal, STF, puseram fim à tese do Marco Temporal para a demarcação de terras indígenas. De acordo com o entendimento, a data da promulgação da Constituição Federal de 1988 não mais poderá servir como base para definir a legitimidade da ocupação de terras pelos assentamentos indígenas. É claro que os atores que tomaram o Brasil para si, há séculos, não gostaram nem um pouco do resultado do julgamento; atacaram o STF e prometeram retaliação. Mas, afinal, o que o Marco Temporal impacta nas nossas vidas?

“Se for necessário obstruir trabalhos da Câmara dos Deputados, se for necessário obstruir trabalhos no Senado, se for necessário, nas últimas consequências, nós vamos, para garantir o direito à propriedade e os direitos dos produtores rurais do Brasil”, disse Pedro Lupion, líder da bancada ruralista no Congresso e herdeiro de uma dinastia de donos de terras e políticos paranaenses. O deputado deixa claro que os efeitos serão sempre deletérios sobre quem se opuser à vontade dos ruralistas, incluindo a nossa democracia, se preciso for.

A ameaça passou à ação com muita rapidez, poucos dias depois da derrota no STF, a bancada conseguiu aprovar o Marco Temporal na Comissão de Constituição e Justiça do Senado. “Mais uma vez, provamos que é o Legislativo que legisla, e não o Supremo”, declarou Lupion, em suas redes sociais. O bolsonarista não é estranho às críticas ao supremo tribunal da justiça nacional, por vezes chamando a atuação dos ministros de usurpação de seus poderes constitucionais. Um pequeno exagero jurídico para justificar uma gigante arrogância de sua bancada.

O agro brasileiro – eufemismo para o conjunto de latifundiários nacional – é especialista em criar factoides, quando simplesmente não falta com a verdade. Costuma dizer que é quem alimenta o Brasil, quando 70% dos alimentos do dia a dia são produzidos em pequenas propriedades rurais. Diz que emprega, mas detém taxas irrisórias de trabalhadores por hectare nas grandes produções de milho e soja, seus carros-chefe. Se diz indispensável para o PIB brasileiro, mas no último trimestre fez aproximadamente a metade do resultado da indústria e não chegou a 15% do setor de serviços. No entanto, não lhes faltam dinheiro e poder.

O que os ruralistas convenientemente esquecem de mencionar é como se deu essa acumulação de dinheiro, poder e terras em suas mãos. Desde as concessões reais na época do Império, a propriedade no Brasil sempre esteve na mão de uma elite que poderia pagar por ela com dinheiro, poder ou violência. A acumulação de hectares tem um histórico conhecido de favorecimentos, crimes, grilagem, violência e toda sorte de passado opressor sobre a população que aqui se formava e, claro, sobre os povos originários.

Por outro lado, além de grandes parcelas da população, o próprio governo reconhece a importância da presença indígena sobre o território: “O Brasil abriga um grande número de comunidades indígenas… Essas comunidades têm uma forte compreensão de seus ecossistemas circundantes, tendo desenvolvido relações complexas com plantas, animais e terra ao longo de milhares de anos. Como tal, eles possuem um conhecimento valioso sobre como gerenciar e proteger esses ambientes de forma sustentável, que tem sido transmitido por gerações”, diz o professor Wesley Kettle, da Universidade Federal do Paraná, em recente artigo publicado no site do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações.

“Os territórios indígenas têm sido uma fronteira de resistência diante da ganância capitalista expressa em atividades como a mineração, extração de madeira, monocultura, pecuária, entre outras práticas de exploração predatórias”, completa o professor paraense, no mesmo texto. Portanto, valorizar o reconhecimento histórico dos guardiões da terra nos favorece de diversas formas: nos mantém um país biodiverso, etnicamente plural, democrático e que atenta para outras formas e atores de produção de alimentos no país. A completa antítese da destruidora máquina do agro, que assola o território e os corpos desde muito tempo.

O que está em jogo é a disputa da autonomia brasileira: de um lado os que sempre mandaram, exploraram e destruíram a terra para engordar seus bolsos gananciosos. Do outro, uma alternativa de identidade étnica e dialética com o solo. Na mão dos de sempre, o Brasil destrói biomas, cerceia direitos e encarece alimentos, como vimos nos últimos quatro anos. Uma nova leitura produtiva, capitaneada pelos movimentos sociais e os indígenas, seria capaz de reinventar nossa relação de espoliação do território. Portanto, a árvore intrusa de onde caiu Pedro Lupion e seus congêneres, plantada no ano de 1.500, está na hora de ser derrubada.
 

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*Felipe Petri trocou a profissão de engenheiro pela de cozinheiro em 2017 e desde então é Chef na Petrisserie - Cultura e Gastronomia. Além disso, escreve sobre as transversalidades políticas, sociais e econômicas do ato de comer para veículos locais e nacionais. Seus amigos dizem que já é quase curitibano, apesar de carioca, mas nunca deixou de gostar de sol, cerveja e música alta!

**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Frédi Vasconcelos