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O Brasil não tem uma política nacional de Educação Profissional e Tecnológica

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aprovar as medidas que ampliam direitos democráticos, porém sem se colocar à mercê dos interesses neoliberais - Agência Brasil
É nítida a influência das agências empresariais e a orgânica relação que constroem com o MEC

Ao contrário do que defenderam amplos setores do empresariado brasileiro após a aprovação da Lei 14645, em 2 de agosto deste ano, o Brasil continua não possuindo uma política nacional de Educação Profissional e Tecnológica (EPT).

A referida lei – proposta, aliás, em 2019, com outra finalidade pelo deputado João Campos (PSB/PE) – apenas aponta para a necessidade de tal política, mas não a regulamenta. As próprias ações previstas para a elaboração de uma norma dessa natureza estão muito longe de contemplar as reivindicações históricas dos movimentos populares que lutam por educação. Dos oito itens apresentados, seis deles dialogam diretamente com demandas empresariais ou remetem a princípios da atual contrarreforma do ensino médio.

Sequer mencionam questões que reforçariam o caráter de direito básico da EPT, como, por exemplo, a gestão democrática, o vínculo com a pesquisa científica ou a ênfase na oferta e gestão públicas da formação profissional. Isso tudo sem comentar o silêncio sobre uma concepção político-pedagógica para a EPT, esvaziando de significado as pretensas diretrizes para uma política nacional. Continuamos, portanto, não contando com uma perspectiva unificada para as políticas de EPT, pressuposto defendido por diversas entidades desde a década de 1980.

Qual é, então, a verdadeira intenção da Lei 14645/2023, sancionada pelo governo Lula? Em síntese, ela produz mais uma adaptação da EPT à contrarreforma do ensino médio. Desde o início da contrarreforma, verificamos um movimento na política educacional que descaracteriza o sentido histórico da EPT como modalidade articulada de ensino.

Ao passar a tratar a educação profissional como itinerário formativo, desvinculada da formação geral e científica, a contrarreforma do ensino médio atacou duramente a ideia de formação integral e politécnica. A lei de que aqui nos ocupamos acentua essa mudança, na medida em que prevê a possibilidade de utilização da aprendizagem profissional (menor aprendiz etc.) para efeitos de integralização da carga horária do ensino médio, compondo o itinerário formativo técnico e profissional.

Pior ainda: o novo marco normativo modifica a Lei de Diretrizes e Bases (LDB), prevendo, na lei máxima da educação nacional, um novo lugar “pedagógico” para a aprendizagem profissional. Esta é a intenção nuclear da Lei 14645/23. De fato, a lei também aponta para as necessidades de uma política nacional e de um processo unificado de avaliação da EPT. Tais necessidades, no entanto, por serem secundárias e carecerem de regulamentação futura, não podem ser tidas como garantias, sobretudo por figurarem de maneira subordinada aos princípios da contrarreforma educacional em curso.

Não é demais lembrar que modificações dessa natureza são próprias das contradições da frente ampla que governa o país. A principal meta tem sido o combate ao neofascismo e a consequente desbolsonarização das instituições democráticas. O campo progressista, no entanto, deve se vincular criticamente a essa tática: aprovar as medidas que ampliam direitos democráticos, porém sem se colocar à mercê dos interesses neoliberais que penetram o governo. A educação é o âmbito em que, talvez, essa contradição esteja mais viva na atual conjuntura. É nítida a influência das agências empresariais e a orgânica relação que constroem com o Ministério da Educação, fazendo avançar a agenda neoliberal a cada dia.

Nesse quadro, creio que a discussão sobre o novo Plano Nacional de Educação (PNE), que já deu seus primeiros passos em 2023, pode ser um terreno favorável para a disputa de uma política unificada para a EPT. Tal disputa, no entanto, por parte das forças progressistas, deve reforçar os recursos públicos para a educação pública, reafirmar a perspectiva politécnica e o Ensino Médio Integrado e, principalmente, denunciar os retrocessos impostos pela contrarreforma do ensino médio, que continua, estruturalmente, sem sofrer modificações, abrindo possibilidades para aberrações curriculares travestidas de avanços democráticos, como é o caso da Lei 14645/23.

Edição: Pedro Carrano