Paraná

CONTRA DESPEJOS

REPORTAGEM. Querem remover a comunidade Ilha e um mar de pessoas

A prefeitura, acompanhada de guarda municipal, tem marcado as casas a ferro e fogo, com a inscrição de “lote vazio”

Curitiba (PR) |
Com isso, das duas, uma: ou perderam investimentos, ou mesmo sentem-se excluídos do cadastramento dos órgãos públicos - Pedro Carrano

Pouca gente conhece o nome dessa comunidade quando ela ganhou as redes sociais.

Localizada num triângulo entre a margem esquerda do rio Barigui, a BR-476 e a linha férrea da América Latina, o poder público chama de “Vila Xisto”. Os moradores do bairro Tatuquara e da comunidade entendem-se como "Ilha".

Certo é que os moradores deram visibilidade às suas questões ao queimar pneus e trancar a BR, ainda na semana anterior. O motivo? Revolta da comunidade com a forma como alguns imóveis foram demolidos no local.

Informações do Ministério Público do Paraná apontam que, após a apresentação de uma ação civil pública ajuizada pelo MP, em 2010, a Quinta Câmara Cível do Tribunal de Justiça determinou prazo de dois anos para que todas as famílias sejam reassentadas.

No entanto, moradores criticam o fato de não saberem quando vão, e nem para onde estão indo. Acusam falta de informação, de contrato. Em suma, de certezas. A política de realocação no período de dois anos ainda é desconhecida pela maioria. Números do cadastramento feito pela Cohab apontam 165 famílias no local.

“Só saímos daqui com chave da casa na mão”, decreta a moradora Gisele, que é vendedora na vila e que havia atravessado a cidade para estabelecer-se por ali, alguns anos atrás. Os moradores revelam preocupação com o fato de que algumas reformas e construções já foram demolidas. Com isso, das duas, uma: ou perdem investimentos, ou mesmo sentem-se excluídos do cadastramento já realizado pelos órgãos públicos.

Gisele, por exemplo, mostrou uma reforma inacabada por conta da incerteza, enquanto mora em uma casa reduzida. “Sou uma das primeiras moradoras. Antes não tinha nada. Tinha muito mato. Vivo em uma casa com uma peça e banheiro, sem quarto. Fiquei morando aqui. Comecei aos poucos a minha reforma. Quero um quarto digno para dormir. Comprei ferro, cimento, mas estou agora com a obra parada com medo da demolição”, comenta.

A ordem do Tribunal de Justiça determina que o município de Curitiba deverá demolir todas as construções existentes no local e fazer uma limpeza e recuperação ambiental da área, incluindo o replantio da vegetação. A prefeitura ainda fica obrigada a fazer a fiscalização permanente da área para evitar que ocorram novas ocupações irregulares, por meio da guarda municipal.

Moradores reclamam do tratamento por parte dos funcionários, da impossibilidade de retirar as próprias coisas durante a demolição de uma casa, que revoltou os moradores e impulsionou o ato na estrada logo em frente. A prefeitura, acompanhada de guarda municipal, tem marcado as casas a ferro e fogo, com a inscrição de “lote vazio” (LV).

“Chegou e derrubou. O morador pediu para tirar os pertences e não deixaram. Derrubaram e disseram que se fizesse algo seria preso”, afirma o segurança Heraldo, que mora na ocupação com seus dois filhos.

Moradores como seu Zé, um dos mais antigos na região, admitem que há alguns lotes vagos entre aqueles já marcados pelo poder público. Porém, preocupa-se com as famílias que podem ficar sem nada nesse processo. “Alegaram que foram feitas as demolições depois do cadastro - mas uma das casas demolidas aqui já estava pronta e o morador iria morar, o que causou reação de moradores que não acharam certo”, afirma seu Zé.


Comunidade Ilha margeia rio Barigui e BR-476 / Pedro Carrano

Insegurança

Maria é uma das moradoras que se sente insegura. Afirma que trabalha desde criança e finalmente havia conseguido construir uma casa, construída com material de construção: “Trabalhei na roça. Depois em outro serviço, trabalhei e fiz uma casa grande de tijolo, de repente eu fico sem casa pra morar? Quero ter garantia. Difícil pra gente. Fiquei um pouco pensativa, ontem fizeram protesto. Como eu faço, pra onde eu vou?”

Resposta da Cohab

A reportagem do Brasil de Fato Paraná enviou perguntas para a assessoria de imprensa da Cohab, no dia de ontem (24), que enviou a seguinte resposta sobre demolição das casas e projeto de realocação das famílias:

"A Companhia de Habitação Popular de Curitiba (Cohab) realizou, em junho de 2023, o mapeamento da área, que foi percorrida casa a casa. Na ocasião foi feito o cadastramento das 165 famílias moradoras da Vila Xisto, localizada na CIC. Com isso, a área foi “congelada”, não sendo permitida a entrada de novos moradores para ocupar o local.
Na última semana, em acordo com a comunidade, a Guarda Municipal (GM) desmontou cinco construções, iniciadas após o congelamento da área"


Moradores criticam o fato de não saberem quando vão, e nem para onde estão indo / Pedro Carrano

 

Edição: Lucas Botelho