As políticas públicas são fundamentais para assegurar qualidade de vida à população brasileira e diminuir as desigualdades sociais.
E, neste 25 de julho, Dia Internacional da Agricultura Familiar, é fundamental destacarmos a importância delas para garantir comida boa, diversificada e saudável no prato dos brasileiros e das brasileiras e, inclusive, para superar a insegurança alimentar e nutricional vivida por milhares de brasileiros nos últimos anos.
Segundo dados do relatório da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), cerca de 70 milhões de brasileiros e brasileiras viviam na insegurança alimentar, entre 2020 e 2022, durante a pandemia da Covid-19.
A situação era ainda mais grave para cerca de 10 milhões de pessoas, a realidade era de fome e desnutrição. Este cenário assustador, segundo especialistas, reflete a combinação do desmonte das políticas públicas que viabilizam a produção, comercialização e distribuição dos alimentos, e a destituição dos conselhos de segurança alimentar e das demais entidades que tratam da alimentação.
Para Débora Evellyn Olímpio, integrante da direção adjunta da Rede de Mulheres Negras para Soberania, Segurança Alimentar e Nutricional, doutoranda pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e agroecóloga, o governo Bolsonaro atuou para enfraquecer as políticas públicas, colocando em risco, não só as famílias agricultoras, mas, também a população que mora nas cidades, em especial a população negra.
“A população negra sempre esteve no limiar da fome e foi só mudar a política do governo que retornamos para o Mapa da Fome. E, quando falamos disso, a gente tá falando de um país passando fome com o agravo da população em um quadro de insegurança alimentar gravíssimo. Também é preciso falar da postura do ex-presidente, quando, já no início do seu mandato, destituiu o Conselho de Segurança Alimentar e Nutricional, o Consea. Então, o que levou a gente a retornar para o Mapa da Fome foi uma escolha de projeto político, seja ele por parte do governo federal, estadual e municipal.”
Com mais de 20 mil famílias assentadas em 311 assentamentos da reforma agrária, e com aproximadamente 17 cooperativas que beneficiam diversos tipos de alimentos produzidos pelas famílias assentadas, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, é referência na produção de comida saudável e diversificada. Marcos Antônio Pereira, integrante do MST, destaca que o grande desafio da agricultura familiar é produzir alimentos saudáveis e de forma sustentável. No entanto, para que isso se consolide, é fundamental que haja reconhecimento e, principalmente, investimentos por parte do poder público.
“Para os agricultores familiares poderem atender a essa demanda de abastecimento da população, é necessário que este segmento tenha um maior reconhecimento e valorização. É preciso ampliar o acesso a investimentos como o Programa de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), assessoria e assistência técnica para qualificar e melhorar os sistemas de produção, estimular formas associativistas e cooperativistas para ampliar o acesso a mercados institucionais e privados. Resumindo, o cenário atual exige que tanto o poder público, quanto as organizações sociais possam realizar ações conjuntas para responder à problemática da fome e reduzir as desigualdades sociais”
Segundo a coordenadora do Sindicato dos Servidores Públicos Municipais de Curitiba, (SISMUC), Juliana Mildemberg, “a fome do Brasil bateu recordes assustadores e acabou mostrando, mais uma vez, que investir em políticas públicas, inclusive na agricultura familiar, é garantir os direitos essenciais dos brasileiros e brasileiras, inclusive o de se alimentar.”
As políticas públicas neste cenário
Na última semana, o Governo Federal retomou e aprimorou o Programa de Aquisição de Alimentos. Sancionado em 2003, no primeiro mandato do governo Lula, o PAA é considerado peça chave para o combate à insegurança alimentar e nutricional, já que compra alimentos diversos da agricultura familiar e doa para famílias em situação de vulnerabilidade social e espaços públicos, como, por exemplo, creches, escolas, hospitais e programas assistenciais.
Mesmo sendo uma política pública essencial para assegurar comida para milhares de brasileiros e brasileiras, nos últimos anos o PAA sofreu com o esvaziamento no orçamento por parte do Governo Federal. A exemplo, em 2022, quando 33 milhões de pessoas não tinham o que comer, apenas 11.460 toneladas de alimentos foram doados, no auge, em 2010, o projeto comprou e doou em um ano mais de 500 mil toneladas de comida da agricultura familiar.
Além do PAA, o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) também é ponte entre os agricultores familiares e a população das cidades, ou, mais especificamente, para a merenda escolar na educação básica das escolas públicas, instituições filantrópicas e comunitárias sem fins lucrativos. Do total do orçamento, executado e gerenciado pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), é determinado que 30% da verba seja voltada para a aquisição de produtos da agricultura familiar, conforme informa o Observatório da Alimentação Escolar (OAE).
“Na aquisição dos alimentos, 30% dos recursos repassados pelo FNDE aos estados e municípios, aproximadamente R$ 1,2 bilhões anuais, devem ser destinados à compra direta de alimentos da agricultura familiar, com o objetivo de geração de renda e dinamização das economias locais, e a melhoria da qualidade nutricional e valorização da cultura alimentar regional. Importante salientar, que a obrigatoriedade da compra da agricultura e do fornecimento de uma alimentação adequada e saudável foram conquistas atingidas a partir da mobilização da sociedade civil, por meio de espaços como o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), arbitrariamente extinto pelo governo passado.”
Para Juliana, “a população urbana e rural, inclusive os servidores e servidoras, precisa estar informada e atenta neste debate da agricultura familiar e das políticas públicas voltadas para a produção, comercialização e distribuição de alimentos, inclusive fiscalizando a efetivação das leis e programas, e cobrando para que novas ações sejam implementadas. Assim como a garantia de que a alimentação escolar (para CMEIS e Escolas) seja diretamente da agricultura familiar, uma produção orgânica e saudável para nossas crianças”.
Como adquirir alimentos da agricultura familiar em Curitiba?
Quem mora nas cidades, inclusive em Curitiba, muitas vezes se pergunta: onde adquirir alimentos produzidos pelos agricultores e agricultoras familiares, e ainda, é possível produzir comida nos grandes centros urbanos? De acordo com Débora, é possível acessar a produção da agricultura familiar e até mesmo produzir seu próprio alimento na capital paraense.
“Na cidade existem alguns mecanismos de acessar alimentos de qualidade, além do PAA e PNAE. Aqui em Curitiba, por exemplo, pode ser feito através dos Mercados da Família, mas, destaco, eles precisam ser expandidos para além dos terminais de ônibus, ir para as periferias, perto de quem mais precisa. Há também o Programa Leite das Crianças (PLC) e a própria agricultura urbana praticada em muitos bairros, na periferia. Há opções viáveis e importante, no entanto, é fundamental desburocratizar o sistema para garantir o acesso à produção e comercialização dos alimentos de qualidade.”
Pereira destaca também que atualmente o MST conta a rede Produtos da Terra em Curitiba, onde a população pode comprar produtos via internet e retirar os produtos nos pontos definidos. “Atualmente na capital paranaense existe uma atuação em rede das cooperativas da reforma agrária, da agricultura familiar e da economia solidária. A atuação em rede tem por objetivo promover uma maior aproximação entre produtores e consumidores, inserindo os produtos da agricultura familiar nos mercados informais e grupos de consumidores.”
Edição: Pedro Carrano