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CRÔNICA. Conseguiremos tomar um café tranquilo na varanda?

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O tempo pressiona e a lista de tarefas pra uma manhã se coloca em meu imaginário - Pedro Carrano
Faço o comparativo de que nossas próprias vidas e corpos são transformados numa linha de produção

Dia desses me toquei da importância daquela fração de segundos na qual me sentei diante de casa, na cadeira de praia, no intervalo entre um trabalho e outro, e simplesmente não fiz nada. Ou melhor, fiz. Meditei distraidamente. Respirei. Ouvi o canto das maritacas nas poucas árvores que circundam a casa. O compasso dos cães da vizinhança, ansiosos no portão das casas, não me pareceu um incômodo tão grande. E até me permitiu, observando os caninos, medir a minha própria dose de ansiedade.

O fato é que eu estava por alguns minutos naquela varanda. Pensei: e justamente o que muitas vezes nos falta é estar. Presencialmente e sem a projeção de tarefas futuras que nos esmagam como sapos no asfalto, deixam o corpo tenso e o pescoço duro. Dão ensejo a todo o tipo de receita de auto-ajuda – ineficaz e de extensa narrativa. O que, no fundo, de nada servirá se não formos capazes de, coletivamente, alterar a estrutura de nossas vidas.

O tempo pressiona e a lista de tarefas pra uma manhã se coloca no imaginário e o assombra. O sol está crescendo, tomando conta do céu azul frio em Curitiba, como se fosse o azul de uma das fases de Picasso. Faço o comparativo de que nossas próprias vidas e corpos são transformados numa grande linha de produção, com demanda encadeada, com eficiência na esteira onde giram nossas preocupações e tarefas que nos impomos. Porém, precisamos do distanciamento temporal, como o pintor que se afasta de sua tela por alguns breves instantes para contemplar e meditar sobre o seu trabalho.

No dia seguinte, fui em busca de uma reportagem, mas por ora prefiro pensar que fui à caçada de um ótimo momento para se viver. Pude conhecer a experiência da comunidade Graciosa, na cidade de Pinhais, uns cerca de 75 loteamentos e famílias lutando para não ser despejadas. E, mais que isso, brigando pelo seu direito de seguir mantendo uma vida saudável.

Ivete e o marido, Nei, há seis anos estão naquele local e, durante mais de uma hora, fizemos um circuito ao redor do lote de Ivete, onde são cultivadas as mais diversas espécies, numa verdadeira farmácia viva e agroecológica. Mais do que informações jornalísticas, Ivete me apresentava cheiros e sentidos, em cada uma daquelas variedades. De cardo mariano, passando pelo gosto de framboesas e amoras, até chegar na forma como Ivete mostrava com orgulho a flor do algodão. Acima de nossas cabeças, pairava um céu carregado de nuvens devido ao ciclone espalhando-se pelo sul do país.

E aquele festival de nomes, cheiros, sabores e variedades ajudou a preencher uma manhã de quinta-feira em que tudo poderia levar à dispersão. Ou mesmo à ansiedade com o dia de amanhã. Na verdade, eu apenas passei uma manhã de sol e inverno ali: narrando, anotando com a mente, sentindo.


De cardo mariano, passando pelo gosto de framboesas e amoras, ora pro nobis, até chegar na forma como Ivete mostrava com orgulho a flor do algodão / Pedro Carrano

 

 

Edição: Lucas Botelho