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Crise chega ao Kremlin e Putin acerta ‘solução de compromisso’ com Prigozhin

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"Estamos salvando a Rússia", afirmou Yevgeny Prigozhin para outro combatente do grupo Wagner em vídeo divulgado neste sábado (24) - AFP PHOTO / Telegram channel of Concord group
Mercenários da Wagner farão novo contrato de trabalho sob supervisão do exército russo

A grave crise política gerada a partir da rebelião iniciada na sexta-feira (23) pelos mercenários da milícia neonazista Wagner, liderada por Yevgeny Prigozhin, um aliado de primeira hora do presidente Vladimir Putin, teve como desfecho uma solução de compromisso, mediada neste sábado (23), por Alexander Lukashenko, presidente da Bielorrússia.

Segundo informou o porta-voz do Kremlin, Dmitri Peskov, o processo criminal contra os comandantes e as tropas do Grupo Wagner foram arquivados e os contingentes da milícia farão um novo contrato de trabalho com o Ministério da Defesa, agora sob supervisão direta do exército regular russo. Além disso, Prighozhin e seus familiares não sofrerão nenhum tipo de represália, preservando as empresas e a imensa fortuna pessoal amealhada durante os mandatos de Putin. A vizinha Bielorrúsia será o provável destino do líder da Wagner.

Prigozhin ordenou uma rebelião armada depois de acusar exército russo de bombardear uma unidade do grupo, iniciando uma marcha rumo a Moscou, após a tomada militar da estratégica região de Rostov-no-Don, uma área de entroncamento ferroviário vital para o abastecimento de tropas e da população civil.

Em pronunciamento à nação neste sábado, Putin classificou a ação da milícia Wagner como uma traição. “Uma punhalada nas costas”, afirmou. Por sua vez, Prigozhin continuou criticando em suas redes sociais o estado-maior do exército russo. Segundo ele, o exército “esconde a verdade nas frentes de batalhas”, o número de baixas e a falta de munições e suprimentos.

O chefe da milícia Wagner formalizou o acordo através do seu canal no Telegram no final da tarde deste sábado: “Chegou o momento em que o sangue pode ser derramado. É por isso que, compreendo toda a responsabilidade pelo derramamento de sangue russo por um dos lados, damos meia volta e retornamos às nossas bases de acordo com o plano”, disse.

Os acontecimentos das últimas horas revelam as fortes contradições existentes no establishment russo sobre a condução e os custos da guerra. Prigozhin contou com apoio velado de setores do exército e de facções das classes dominantes russas, inquietas com o prolongamento da guerra.

Os ziguezagues do Kremlin, diante de uma crise política séria, demonstram rachaduras no sistema de governo russo e chamuscam a liderança de Putin, que oscilou da promessa de uma dura punição aos insurgentes para uma solução de compromisso.

Desdobramentos políticos

A PMC Wagner operou no cenário de guerra contra a Ucrânia com total apoio do presidente Putin e dos seus conselheiros políticos mais próximos. Nos últimos meses, foi a principal força de choque e de vanguarda no combate ao exército ucraniano, apesar das numerosas perdas de tropas, de batalhões inteiros, conquistou Bakhmut (Artymosvsk), obtendo reconhecimento e elogios do Kremlin pela atuação.

Prigozhin nunca escondeu as suas pesadas críticas contra o ministro da Defesa da Rússia, Serguei Shoigu, e também ao chefe do estado-maior russo, Valery Gerasimov, sobre a condução da guerra — o que é bastante revelador do respaldo que recebe de setores de poderosos oligarcas e dos círculos mais altos de poder na Rússia.

A rebelião da PMC Wagner expressa as contradições entre as diversas frações das classes dominantes russas, que almejavam uma solução rápida para o conflito. Sem uma perspectiva de uma vitória militar definitiva a curto prazo as tensões no interior do regime, que possui traços bonapartistas, tendem a aumentar nos próximos meses.

O governo russo, expressando as dificuldades no campo de batalha, já abandonou o eufemismo falacioso e negacionista batizado de “operação militar especial” e passou a utilizar o termo guerra contra a Ucrânia. Ou seja, se rendendo ao óbvio, ao conceito clássico definido por Von Clausewitz — o que indica uma expectativa da parte russa do prolongamento do conflito.

Se a crise política gerada pela ação da Wagner vai resultar, em alguma medida, no fortalecimento da contra ofensiva ucraniana no terreno militar somente nos próximos dias será possível uma avaliação mais criteriosa. O quadro geral da guerra é de impasse no terreno militar.

Com os efeitos da guerra atingindo o ponto nervoso central do poder na Rússia, a capital Moscou, fortes medidas de segurança como a adoção do chamado “regime de operação antiterrorista”, que foi adotado pela última vez em 1999 durante a guerra da Chechênia, e permite medidas repressivas duras, afetando a vida cotidiana da população — inclusive o Kremlin já restringiu o acesso à Internet e ordenou vigilância nas praças e centros de maior aglomeração — resta saber que impactos políticos terá na popularidade de Putin.

A solução de compromisso de Putin com o setor de oligarcas, representados por Prigozhin, é também uma evidência da natureza de uma guerra expansionista e de pilhagem dos recursos do povo e da nação ucraniana, que tem no comando do país um político de extrema direita aliado da Otan/EUA, o que não justifica uma guerra de agressão — sem qualquer viés anti-imperialista, progressivo, democratizante das relações internacionais ou emancipador.

Para a esquerda, fundada na tradição da solidariedade classista entre os povos, é urgente a defesa de um movimento pela saída negociada da guerra, com base nos princípios da autodeterminação das nações e do direito internacional. Um cessar-fogo imediato e o apoio material aos milhões de mutilados e deslocados pela guerra já seria um bom começo para alcançar o início de um processo de paz — sem sanções e anexações de territórios.

*É jornalista e escritor – colabora em diversas mídias progressistas e de esquerda. É o autor dos livros ‘A Política Além da Notícia e a Guerra Declarada Contra Lula e o PT’ (2019), ‘A Saída é pela Esquerda’ (2020), ‘Lava Jato, uma conspiração contra o Brasil’ (2021) e de ‘Brasil Sem Máscara – o governo Bolsonaro e a destruição do país‘ (2022) — todos pela Kotter Editorial. É militante do Partido dos Trabalhadores (PT), em Curitiba.

**As opiniões expressas nesse texto não representam necessariamente a posição do jornal Brasil de Fato.

Edição: Pedro Carrano