Rio Grande do Sul

Violência

Juíza determina afastamento de servidores da FASE envolvidos em agressão a adolescente 

Ação foi movida pela Defensoria Pública do Estado (DPE/RS); episódio aconteceu na noite do dia 31 de março

Brasil de Fato | Porto Alegre |
"São estarrecedoras as imagens, as quais demonstram total despreparo do corpo técnico da unidade que, de modo abusivo e violento, recorreu à força bruta", destaca magistrada - Foto: Reprodução

A Juíza de Direito Karla Aveline de Oliveira, da 3ª Vara do Juizado da Infância e Juventude do Foro Central da Comarca de Porto Alegre, determinou, em caráter liminar, o afastamento de três servidores que atuam Centro de Internação Provisória Carlos Santos (CIPCS) da Fundação de Atendimento Sócio-Educativo do Estado (FASE/RS), envolvidos em episódio de agressão a um adolescente. Ação foi movida pela Defensoria Pública do Estado (DPE/RS). O fato teria acontecido na noite do dia 31 de março. 

Conforme explica a defensora pública Fernanda Pretto Fogazzi Sanchotene, a DPE tomou conhecimento na segunda-feira, 3 de abril, quando foi percebido que diversos adolescentes estavam isolados dos demais do convívio coletivo. Segundo ela, foi um trabalho de equipe, pois os adolescentes acabaram sendo distribuídos em diversas unidades do sistema.

“Os defensores atenderam esses adolescentes que relataram ter havido agressão por parte dos servidores do CIPCS, que alguns tentaram defender o adolescente que estava sendo agredido”, afirma. De acordo com a ação, além das violências físicas, também houve violência verbal. 

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Posteriormente a Defensoria requisitou as imagens a FASE e analisou o conteúdo, percebendo que houve excesso na contenção em um dos jovens com a utilização de um mata leão, onde o funcionário segura por alguns minutos o pescoço do adolescente, enquanto outro agente tenta colocar algemas e esse adolescente se debate.

“Em razão disso, desse excesso de contenção a defesa entende que houve uma violência institucional com relação a esse adolescente. A gente também faz um paralelo com o caso do George Floyd ocorrido nos Estados Unidos, onde um policial em uma contenção acaba tirando a vida desse indivíduo”, expõe.

Conforme destaca a ação movida pela Defensoria, como no caso americano, houve uma contenção violenta (agressiva) e desproporcional, visto que o adolescente sequer encostou no agente socioeducativo, tendo apenas pedalado a porta e empurrado o portão porque ficou irritado ao ter sido chamado de “putinho”.

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“Nesta oportunidade em razão de violações de direitos em unidade, entramos com uma ação coletiva para apuração dessas irregularidades, requerendo o afastamento dos servidores diretamente ligados a essa situação. Também pedidos de advertências para cargos de diretor e também a gente pediu a intervenção judicial na própria unidade”, detalha, pontuando que o Ministério Público foi favorável ao pleito da Defensoria Pública. 

De acordo com o texto da ação, o mata-leão ou chave cervical é um tipo de técnica de imobilização em que uma pessoa faz uso de suas mãos, braços ou pernas contra o pescoço de uma outra pessoa, aplicando uma pressão que pode provocar o estrangulamento, a asfixia e até levar à morte. Frise-se, ainda, que a técnica de mata-leão foi proibida pela Polícia Militar do Estado de São Paulo nas abordagens policiais em razão do alto índice de letalidade
ocasionada.

Em sua decisão, Karla Aveline de Oliveira destaca que, por meio de depoimentos e vídeos, conclui-se que houve excesso do uso da força por parte dos servidores, com utilização de técnicas de estrangulamento e de objetos, como algemas, de forma inadequada, representando "evidente constrangimento, humilhação e sofrimento psicológico aos adolescentes que se encontram sob a custódia do Estado".

"São estarrecedoras as imagens, as quais demonstram total despreparo do corpo técnico da unidade que, de modo abusivo e violento, recorreu à força bruta, quase um espancamento, a fim de coibir pontual desajuste. Resta asseverar que, conforme já diversas vezes exposto por essa magistrada, a equipe das unidades deve priorizar o manejo verbal, o que, à evidência, não ocorreu no presente caso", pontuou a juíza.

De acordo com a magistrada, não houve o cumprimento das normas previstas no Plano de Contingência da unidade. "O uso da força dentro de ambiente socioeducativo deve ser utilizado de forma excepcional e apenas nos casos em que sua aplicação tenha por objetivo neutralizar ameaça com potencial depredação do patrimônio público, ferimentos ou mortes dentro das unidades. Ainda, o nível de força a ser empregado deve estar de acordo com as circunstâncias dos riscos presentes, cabendo ao agente responsável pela aplicação da lei esgotar todas as formas de diálogo possíveis antes de aplicar o uso da força em nível máximo, isto é, a contenção mecânica/manual", argumentou.

A juíza determinou que a FASE apresente, no prazo de três dias, a identificação de todos os servidores que estavam trabalhando na noite em que ocorreram os fatos e que apareçam nas imagens das câmaras de segurança.

Proteção 

Na decisão, a magistrada discorreu sobre os mecanismos de proteção à criança e ao adolescente, a partir da ratificação e internalização de diferentes convenções internacionais, da Constituição Federal (CF) e da promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente.

O ECA alterou a sistemática do antigo Código de Menores que se baseava na Doutrina da Situação irregular (Direito Tutelar do Menor), passou a reconhecer a criança e o adolescente como sujeitos de direito. "A Doutrina da Proteção Integral (art. 227 da CF e art. 3º do ECA) representou uma quebra de paradigmas ao superar antiga fase de nossa história em que o adolescente era considerado incapaz e se sujeitava à tutela estatal paternalista, por isso mesmo, abusiva e autoritária, amparada pela legislação de menores", considerou a magistrada.

Ressaltou ainda que, ao jovem privado de liberdade, devem ser assegurados todos os direitos que sejam compatíveis com a medida. "Por fim, necessário, portanto, que os servidores públicos lotados nas unidades de internação (os quais exercem suas atividades laborais em frequente contato com os jovens privados de liberdade) sejam instados/direcionados, por seus gestores, ao desempenho de suas obrigações legais de forma respeitosa e digna."

Conforme explica Fernanda, agora o processo passa para a fase em que os réus vão ser citados. São réus a pessoa jurídica FASE, bem como pessoas físicas como os funcionários, a diretoria da unidade. Depois então passa para a decisão final do processo

“Sabemos que às vezes acontece situações de violência, mas a gente não consegue demonstrar juridicamente o que aconteceu. Nesse caso, as imagens são chocantes de quanto tempo o adolescente fica nessa situação do mata-leão. E a Defensoria entendeu que essa é uma prática que tem que ser erradicada do sistema, uma vez que é perigosa a integridade física dos adolescentes, dos internados. A gente solicita também que seja revisado esse protocolo de contenção para que não seja mais usado esse tipo de técnica de estrangulamento na contenção de adolescentes”, ressalta a defensora.

Outros casos

Em março deste ano a juíza deferiu a interdição, por dez dias, prorrogáveis por mais dez, do Centro de Atendimento Socioeducativo Feminino (CASEF). Na ocasião a magistrada também determinou a remoção de servidores que atuam no complexo da Vila Cruzeiro, em Porto Alegre. A ação foi ajuizada pela Defensoria Pública do Rio Grande do Sul (DPE/RS), no dia 8 de março. Confira a íntegra da decisão.

Em dezembro do ano passado, a magistrada também decidiu pelo  afastamento de servidores da FASE.  suspeitos de agressão a socioeducandos na instituição. A ação foi ajuizada pela DPE/RS. Na ocasião o Brasil de Fato RS teve acesso à ação coletiva onde constam os relatos das agressões físicas e ameaças. 

A ação tramita em segredo de justiça. Confira a resolução completa.


Edição: Marcelo Ferreira