Paraná

OBSERVATÓRIO

ARTIGO. Para combater uma crise habitacional sem precedentes, reforma urbana já!

Basta circular pelo Rebouças ou o Bigorrilho para constatar o movimento diário das demolições

Curitiba (PR) |
A crise habitacional é, na verdade, uma crise urbana sem precedentes - Pedro Carrano

Vivemos no Brasil uma crise habitacional sem precedentes. Segundo o IPEA, entre 2012 e 2020 aumentou em 140% o número de pessoas em situação de rua no país.

Os mais empobrecidos, majoritariamente mulheres e negros, vivem nos espaços urbanos mais precários e não encontram outra perspectiva.

Ao olharmos nossa realidade metropolitana, observamos a expansão dos espaços de moradia popular sobre espaços rurais, cada vez mais distantes, que consomem tempo de vida e recursos da população obrigada a enfrentar exaustivos deslocamentos diários para trabalhar, estudar e acessar serviços urbanos e empregos melhor qualificados.

Pioram os índices de precariedade e insegurança habitacional nas favelas, loteamentos clandestinos e conjuntos habitacionais populares. Adensamento excessivo, acidentes ambientais, problemas sanitários, são algumas das carências e inadequações desses territórios.

Cenário agravado pela ausência ou insuficiência de políticas públicas, os despejos forçados e as práticas equivocadas do Estado, que em conjunto têm possibilitado o domínio desses territórios pelo crime, completando o quadro de opressão vivido por seus habitantes.

Ao mesmo tempo, o mercado imobiliário torna-se mais elitizado. Em Curitiba, os bairros centrais, beneficiados por sucessivas camadas de investimentos públicos, são dominados e planejados pelo capital imobiliário, que atende um público cada vez mais restrito.

Basta circular pelo Rebouças ou o Bigorrilho para constatar o movimento diário das demolições, que transformam imóveis onde viviam pessoas, em terra para especular, ou em lançamentos imobiliários que promovem a mudança do conteúdo social desses bairros.

No Mossunguê, ou Ecoville como denomina o marketing imobiliário, apartamentos de luxo, isolados da cidade, custam várias dezenas de milhões de reais, e oferecem restaurante, serviço de garçom, heliponto, entre outras amenidades, materializando o abismo sócio espacial presente na nossa metrópole.

Além disso, o vantajoso e crescente mercado de imóveis para investidores, alugados nas plataformas digitais para temporada, inflacionam o preço do parque locatício para quem reside na cidade.

E que papel têm cumprido as administrações municipais? Segundo a Lei Federal n° 10.257/2001 - Estatuto da Cidade, por meio da política urbana essas administrações deveriam promover o cumprimento das funções sociais da cidade e da propriedade, garantindo, dentre outros aspectos, a justa distribuição dos benefícios e ônus decorrentes do processo de urbanização, o combate à retenção especulativa de imóveis, a regularização fundiária e urbanização de áreas ocupadas por população de baixa renda.

Que políticas territoriais metropolitanas têm sido executadas pelo governo estadual, que segundo a Lei Federal n° 13.089/2015 - Estatuto da Metrópole – deveria planejar e executar as funções públicas de interesse comum, por meio da governança inter federativa?

A crise habitacional é, na verdade, uma crise urbana sem precedentes. Para enfrenta-la é urgente iluminá-la e desnaturalizá-la. Ela é uma crise social, política e ideológica, tem raízes no passado colonial, dependente, patrimonialista e patriarcal brasileiro, responsáveis pelas nossas desigualdades estruturais, e com o avanço do neoliberalismo vem sendo aprofundada e progressivamente menos reconhecida, discutida e enfrentada.

Pelo contrário, o que vemos na metrópole de Curitiba são políticas urbanas esquizofrênicas, subservientes aos interesses dos capitais, que negam a um contingente cada vez maior de pessoas o direito à cidade e à moradia digna.

A reforma urbana, bandeira de luta e de conquistas históricas daqueles que defendem a construção de cidades justas e democráticas, nunca foi tão importante.

Não há como enfrentar essa crise habitacional sem precedentes, sem uma reforma urbana radical. Ela se coloca como um dos mais importantes desafios neste momento de reconstrução nacional, com a recriação do Ministério das Cidades e o anúncio pela União da retomada dos recursos para programas habitacionais.

Reforma urbana já!

 

*Docente do Programa Pós-Graduação em Planejamento Urbano e do Curso de Graduação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Paraná

**As opiniões expressas nesse texto não representam necessariamente a posição do jornal Brasil de Fato.

Edição: Pedro Carrano