Paraná

Coluna

A memória, o rio e as usinas hidrelétricas

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Rio Iguaçu, Parque Nacional do Iguaçu (PR) - Foto: Ana Keil
"E o rio que me ensinou a nadar não serve mais pra banho, ...pela necessidade do capitalismo lucrar"

Quando criança eu tomava banho no Rio Santo Antônio que desemboca no Rio Iguaçu em Capanema, na região sudoeste do Paraná. Foi ali que aprendi a nadar. Meu pai me segurava contra a correnteza e me fazia bater os braços e as pernas até conseguir ficar sobre a água finalmente.

A roça da minha família sempre fez divisa com esses dois rios e com o Parque Nacional do Iguaçu, que divide Brasil com o norte da Argentina, um parque nativo cheio de palmeira juçara, minha árvore favorita. Quase todos os finais de semana íamos pra barranca do rio, no comecinho do Parque, assávamos uma carne e passávamos a tarde tomando banho no Rio.

Antes de eu nascer, em 1979, já existiam alguns murmurinhos sobre um projeto de barragem hidrelétrica naquele rio. A ideia era construir uma estrutura com altura de 58 metros, provocando um reservatório de água que alagaria 8.050 hectares de terras férteis em cinco municípios. No caso de Capanema, mais da metade ficaria abaixo d'água. O Parque junto com as centenas de palmeiras juçaras, teria 1000 hectares inundados. 

Poucos anos mais tarde, em 84, dois engenheiros da Eletrosul anunciaram que seria iniciada a construção da barragem. Os camponeses que seriam atingidos, junto com a Comissão Pastoral da Terra (CPT) e a Igreja organizaram uma passeata que foi proibida pelo governo do estado de ser divulgada. Essa organização popular gerou um acordo de cessar o projeto por 15 anos.

Em 2011 a NEOENERGIA retoma a proposta da Usina Baixo Iguaçu, com impacto ambiental supostamente menor do que a proposta nos anos anteriores. A obra começou expulsando camponeses de cerca de 11 propriedades produtivas entre Capanema e Capitão Leônidas Marques, para se transformarem em canteiro de obras de tratores e máquinas da Odebrecht, empresa responsável pela construção da barragem. Em torno ainda houveram àquelas famílias que viviam próximas aos canais que sofriam diariamente detonações para sua abertura, colocando em risco a vida das pessoas.

Hoje, com a obra concluída, gerando até 350MW de potência, podendo atingir até um milhão de consumidores, tem 60% da produção de suas turbinas destinadas à Companhia do Vale do Rio Doce, empresa responsável por vários acidentes ambientais. Enquanto isso, os capanemenses sofrem a queda diária de energia elétrica. Lá em casa já aderimos a tecnologia analógica do "radinho". Quando acaba a energia meu pai passa um radinho pra vizinhança pra saber se tá todo mundo bem já que não pega nenhuma rede de internet pra mandar um "zap".

Outra coisa que mudou foi o clima, mesmo ao lado de um dos maiores parques do estado do Paraná, a temperatura chega a 40 °C quase todos os dias do verão, e as plantas já não nascem com a mesma vitalidade de antes. Pra quem não sabe, - e eu só descobri isso na prática, - quando se alaga uma grande área formam-se espelhos d'água. Esses espelhos d'água refletem o sol e aumentam ainda mais a temperatura do ambiente.

Hoje, o rio que me ensinou a nadar não serve mais pra banho, e as memórias afetivas vão insistentemente sendo apagadas pela necessidade do capitalismo lucrar, passando por cima do que tiver que passar em nome da mais valia.

 

Edição: Lucas Botelho