Paraná

DESPEJOS FORÇADOS

Ocupação Independência: a negociação e o método dos tratores

“Dormimos e acordamos com medo”, afirma Bia, liderança de São José dos Pinhais

Curitiba (PR) |
O texto do decreto propõe, desde o auge da pandemia, conter ocupações e construções nas áreas de ocupação - Pedro Carrano

Os moradores da ocupação Independência são carrinheiros, imigrantes, venezuelanas, haitianos, vivendo há anos ao longo da faixa do canal extravasor do rio Iguaçu, que margeia uma área de ocupação densa e com centenas de moradores.

Muitos habitam ali há dois, cinco e até vinte e cinco anos. Só que, recentemente, depararam-se com os dentes do trator e os rifles da guarda municipal de São José dos Pinhais (PR).

Pelos relatos, ninguém do Independência esperava. A comunidade foi pega de surpresa. Há dias, uma série de casas tem sido notificadas com um cartaz no qual se pode ler: Proibido a Entrada, junto com a citação de decreto municipal 4022, de 2020. O texto do decreto propunha, no auge da pandemia, conter ocupações e construções nas áreas de ocupação.

O decreto dá a base para as ações da atual prefeita, Nina Singer (Cidadania). Fontes locais ouvidas pela reportagem apontam que a justificativa oficial é a de tirar apenas construções sem moradores dentro.  Os moradores, ao contrário, afirmam que trabalhadores moravam nas casas derrubadas. Uma das casas notificadas foi verificada pela reportagem e, de fato, havia movimentação cotidiana no local.  

No dia seguinte à notificação reside o grande medo dos moradores. “Estão interditando casas, que estavam construídas e tinham moradores dentro, falaram que a comunidade aumentou muito. Dormimos e acordamos com medo”, afirma Bia, uma das lideranças locais, trabalhadora carrinheira.

O alvoroço na comunidade é evidente. A preocupação está em cada olhar. Na chegada da reportagem, todos estavam concentrados diante de um dos estabelecimentos de comércio local. Uma olhada no google maps mostra uma região adensada de moradias, o que torna a razão do despejo individual de difícil entendimento.

Nos relatos, como infelizmente é comum, a execução do despejo é sempre marcada por ofensas. Ameaças. Hostilidades. Violência latente: “Vocês moram aonde? Quer ser notificada também?”, uma das moradoras conta que escutou essa frase.

Dias sem trabalho

Passada a pandemia, que levou milhares de pessoas, no Paraná e no Brasil, para áreas de ocupação, e com o fim da proibição de despejos forçados vinda de orientação do Supremo Tribunal Federal (STF), entre 2021 e 2022, agora órgãos municipais têm enfrentado a situação de crise social sem a mediação que foi a marca do período anterior.

“Os responsáveis por política urbana têm um trato muito ruim, sobretudo no Paraná, um estado conservador. A possibilidade de uma colaboração de um ente nacional faria muita diferença, assim como a Comissão de Conflitos Fundiários, do Tribunal de Justiça do Paraná, tem ajudado. Mas uma intervenção federal seria muito importante”, aponta a advogada Valéria Fiori, do Instituto Democracia Popular (IDP), uma das entidades que integra a campanha Despejo Zero.

Cintia

Trabalhadora e migrante venezuelana. Cintia tem duas filhas. Uma nascida no país de origem dela. A outra em solo brasileiro. Ela foi a primeira a receber a reportagem, logo na entrada da estrada de pó e terrão da Independência. Preocupada, apresentou vizinhos haitianos, protestou, acusou a violência dos órgãos públicos.

Em todas as entrevistas que concede para a imprensa, Cintia faz questão de lançar uma mensagem de pedido de ajuda, endereçada ao presidente Lula: “Estou há cinco anos na ocupação, quero mandar uma mensagem para Lula, nós não votamos por que não pudemos, mas acho que cem por cento dos moradores votou no presidente. Corro o risco com duas filhas, estou preocupada pelas pessoas brasileiras, não só por nós, estou pedindo ajuda”, afirmou.

Outro lado

A reportagem do Brasil de Fato Paraná segue no aguardo de resposta da Secretaria de Habitação municipal de São José dos Pinhais. Assim que tivermos, publicaremos em nossas páginas.


Pelos relatos, ninguém do Independência esperava. A comunidade foi pega de surpresa / Juliana Santos

Despejos acontecem em Pinhais, São José e riscos na Cidade Industrial de Curitiba

Para Roberto Bagio, do MST, é hora de políticas públicas fundiárias

 

Desde a última jornada de lutas dos movimentos populares, encampadas pelas mulheres na data do 7 e 8 de março, pressão, ameaças e despejos forçados têm sido vistos em Curitiba e Região Metropolitana. É o que ocorre na área do Movimento Popular por Moradia (MPM), Tiradentes 2, no Jardim Graciosa, em São José dos Pinhais, e relato de que também em Colombo (PR).

Em busca de fortalecimento de canais nacionais para resolução de conflitos fundiários urbanos, uma comitiva da campanha Despejo Zero (PR) viaja a Brasília amanhã (5), para reunião com o Ministro das Cidades, Jader Filho. Uma das pautas é a criação de Ouvidoria Nacional de conflitos fundiários, a exemplo do que já ocorre no campo.

Ao lado da comitiva paranaense, participam da reunião organizações nacionais, caso do MTD, Conam, CMP, MTST, MNLM, Contag e Terra de Direitos, entre outras.

“As articulações do Despejo Zero, do Paraná e Brasil, estarão em audiência com o objetivo de propor uma ouvidoria para com isso assegurar espaços de mediação e regularização das áreas. Com a volta de Lula no governo federal, o Estado tem todas as condições de estruturar políticas públicas de enfrentar essa grande demanda em todo o país, não precisando mais de agentes do Estado destruindo casas”, afirma Roberto Bagio, da coordenação estadual do MST e da campanha Despejo Zero.

Fioria reforça o papel das lutas que estão acontecendo, mas que na atual correlação de forças demanda também a confluência para canais de mediação. “O aumento das ocupações durante a pandemia coloca um cenário muito difícil de resolver, mesmo tendo segurado os despejos com a ADPF (a partir do STF). Por ser um problema tão estrutural, não tem como ser resolvido se não for por meio da mediação. Nossa estratégia é a mediação desses conflitos”, reflete Valéria Fiori, do IDP.

Para a advogada, longe de uma visão tecnicista do Direito e da Constituição, o centro do problema é o olhar sobre os direitos sociais dos trabalhadores que recorreram a viver em áreas de ocupação. “Nossa argumentação é do ponto de vista social, temos que interferir. Com o governo federal do nosso campo, espera-se uma instância nacional que contribua com essa situação”, finaliza a advogada popular.  


Os moradores, ao contrário, afirmam que trabalhadores moravam nas casas derrubadas / Pedro Carrano

Edição: Lucas Botelho