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A solidariedade de classe internacionalista ao povo peruano e os desafios da esquerda

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Estes protestos e pautas devem ser apoiadas por todos os setores populares e de esquerda na América Latina, sem tergiversações - Divulgação
É preciso que os setores de esquerda retomem o debate estratégico

Na América Latina ventos progressistas têm novamente soprado e importantes vitórias eleitorais foram alcançadas nos últimos anos. Argentina, Bolívia, Chile, Peru, Colômbia e Brasil estão entre as mais recentes. Não há dúvidas de que significaram importantes avanços, porém o caso do golpe no Peru indica os limites desses governos progressistas na América Latina.

Pressionado pela extrema-direita fujimorista, Pedro Castillo, não conseguiu governar e enfrentou duas tentativas de impeachment e forte pressão conservadora no Congresso peruano.

Após sua tentativa de dissolução do Congresso, com a proposição de convocação de Assembleia Constituinte e novas eleições, as forças burguesas e de extrema-direita encontraram a brecha para aplicar o golpe no Peru.

Castillo foi preso e destituído do poder, assumindo sua vice, Dina Boluarte, compromissada com a extrema-direita fujimorista, bem como com os setores da direita neoliberal, ambos submissos ao imperialismo. No Peru os fujimoristas se organizam em torno do partido Força Popular e os neoliberais no partido Avança País.

Para quem se situa na superficialidade das análises de conjuntura da América Latina, ou seja, excluindo os interesses de classe ao observar a situação concreta, a ação de Castillo fica parecendo condenável e Dina Boluarte aparece como uma espécie de “salvadora da democracia”.

É assim que as mídias empresariais-hegemônicas entenderam o processo no Peru. Cumprem o papel auxiliar aos interesses de classe da extrema-direita fujimorista e neoliberal no Peru e do restante da América Latina.

Mas, felizmente, as classes trabalhadoras peruanas e movimentos populares (sindicais, camponeses, indígenas e estudantis) compreenderam a profundidade do golpe aplicado pelos setores dominantes no país e passaram a ocupar as ruas em mobilizações que já contam com a triste estatística de 58 mortes.

Os protestos pedem a saída de Boluarte, a liberdade de Castillo, realização de novas eleições no país (ainda no primeiro semestre de 2023) e uma nova constituinte capaz de substituir a carta magna atual do país que vigora desde 1993, período da ditadura de Alberto Fujimori. As mobilizações tem ganhado amplitude, pois somente no dia 18 de janeiro reuniram mais de 100 mil pessoas.

Estes protestos e pautas devem ser apoiadas por todos os setores populares e de esquerda na América Latina, sem tergiversações. Criticar as posições de Castillo sem entender as determinações mais amplas e de classe que o forçaram a tais decisões, decidindo por não apoiar os protestos populares no Peru, representa um equívoco histórico.

Por isso, é muito animadora a posição tomada pelo recente abaixo assinado “Em solidariedade à população e aos trabalhadores no Peru” que contou com mais de 260 personalidades, organizações, partidos, movimentos populares e sindicais, intelectuais, juristas, líderes religiosos e outros ao defender as mobilizações contra o golpismo no Peru. Ele representa a manifestação correta dos setores populares e de esquerda no Brasil, além de representar a solidariedade de classe e internacionalista.

Mas, para além dessa importante ação que se espalhou por pelo menos quatro entregas do documento e atos de solidariedade em consulados peruanos no Brasil (Brasília, Curitiba, Rio de Janeiro e São Paulo), é preciso entender os limites desse novo ciclo de governos progressistas na América Latina, centrados sobremaneira em vitórias eleitorais.

Em cenário de crise econômica que perdura e o enfrentamento mais consolidado de setores de extrema-direita neofascista que mobilizam suas bases para irem às ruas, além de avançarem na ocupação dos parlamentos dos países, combinando atuação institucional e ação golpista, as vitórias eleitorais não bastam.

É preciso que os setores de esquerda retomem o debate estratégico e a luta pela conquista do poder político que, conforme escreveu Pedro Carrano em artigo recente: se sustente pela formação, propaganda e aprofundamento da organização popular.

Essa é a tarefa necessária que precisamos cumprir na América Latina para consolidar a vitória das classes trabalhadoras e dos setores populares. Mas, isso implica em avançar à esquerda com programa avesso ao neoliberalismo e que muitas vezes entrará em conflito com setores democráticos e progressistas apegados aos limites institucionais e amarrados pelas composições de frente ampla contra o neofascismo.

Ou seja, o desafio posto é de construção do Projeto Popular que não se consolida nos marcos das vitórias institucionais, ainda que estas sejam de fundamental importância. Uma análise sobre o que houve no Peru precisa considerar essas questões para que o golpismo seja de fato enfrentado na América Latina.

Edição: Pedro Carrano