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Em encontro com Sônia Guajajara, lideranças guaranis do Oeste do PR pedem demarcação de terra

Documento com 17 reivindicações foi entregue à ministra dos Povos Indígenas, na sexta (27)

Curitiba (PR) |
O documento apresentado à ministra elenca 17 reivindicações, que incluem o direito à saúde, educação e terra - Foto: lideranças Avá-Guarani

Indígenas da Comissão Guarani Yvyrupa, representando as comunidades do Oeste do Paraná, estiveram com a ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara, na sexta-feira (27), em Brasília, onde apresentaram a urgente necessidade de demarcação de terra ante à escalada de violência.

A agenda só foi divulgada no domingo (29). O documento apresentado à ministra elenca 17 reivindicações, que incluem o direito à saúde, educação e terra. Segundo o cacique Lino Cesar Cunumi Pereira, membro da Comissão Tape Renda Avaete Aty, que compõe a Comissão Yvyrupa, só com a demarcação dos territórios será possível frear problemas.

No documento de cinco páginas, elaborado entre os dias 21 e 22 janeiro junto a caciques e lideranças de comunidades do Oeste do Paraná, os indígenas lembram o caso denunciado pelo Brasil de Fato Paraná no dia 19 de janeiro, sobre o xamoi (liderança espiritual), de 51 anos, sequestrado e torturado no município de Guaíra.

“Na semana seguinte à destruição dos símbolos dos Poderes Públicos promovida pela força de pessoas odiosas patrocinadas, não por coincidência, pelo agronegócio, nós que vivemos cercados pelas monoculturas de soja e pelas terras exploradas de onde os atos golpistas são financiados sofremos uma violência brutal praticada contra o nosso xamoi, que além de ser um símbolo do nosso modo de vida e dos nossos conhecimentos, é um ser humano”, diz trecho.

O crime ocorreu no dia 14 de janeiro. Segundo relato do cacique Ilson Soares, da tekohá Y'hovy, o xamoi caminhava com o filho em direção a uma das fazendas de milho que circundam a aldeia para pedir um "bico", quando um veículo branco, de quatro portas, parou e dele saíram dois homens brancos. O filho do xamoi conseguiu fugir e se esconder em um ferro-velho próximo à estrada. Já o xamoi foi colocado no carro e conduzido a uma casa, onde foi submetido a torturas com uma arma de fogo, ficando com hematomas em costas, braços, pernas e boca. O caso não foi registrado na Delegacia de Polícia Civil por medo de represálias ou possível envolvimento de policiais.

No documento, a comissão lembra que Guaíra, onde o crime ocorreu, foi uma das cidades que teve o Relatório Circunstanciado de Identificação e Delimitação (RCID) de Terra Indígena anulado pela própria Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), no ano de 2020.

“Reclamamos desse ato na justiça, mas até hoje não tivemos resposta e com a anulação do RCID nosso território foi apagado dos mapas oficiais abrindo espaço para germinar mais ódio, mais racismo, mais ataques e perseguições às nossas lideranças”, aponta o documento.

Atualmente, estima-se que haja em todo o Oeste do Paraná cerca de cinco mil indígenas, vivendo em dois grandes grupos de aldeia: na Tekohá Guasu Guavira, que compreende 17 territórios; e Tekoha Guasu Ocoy Jakutinga, com 10. Desse total, apenas três são demarcadas (duas aldeias no município de Diamante D’Oeste e uma em São Miguel do Iguaçu).

Falta de alimentos

Em outro ponto, a comissão cita no documento a falta de assistência que tem aumentado o medo da fome nas comunidades. Segundo o texto, desde junho do ano passado as comunidades não estão mais recebendo cestas básicas da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), que foi diluída no governo do ex-presidente Jair Bolsonaro. Eles apontam que iniciativas do governo do Estado do Paraná foram tomadas, mas de forma insuficiente para garantir a segurança alimentar nas aldeias.

A reportagem do Brasil de Fato Paraná que revelou esse problema também foi usada como referência no documento apresentado à ministra.

Ainda são citados problemas relacionados à educação dos indígenas, que não contam com escolas estruturadas ou professores indígenas, tendo que encaminhar as crianças das aldeias a escolas na cidade, onde não aprendem a língua guarani e são vítimas de racismo; problemas com a falta de profissionais de saúde; e de registro das crianças. 

“Nossas crianças não estão sendo registradas, o RANI [Registro Administrativo de Nascimento de Indígena] parou de ser emitido e vários indígenas estão tendo seus documentos cancelados pela justiça através de inquéritos puramente persecutórios e sem embasamento legal, estamos sendo transformados em indigentes, todas essas situações foram exaustivamente denunciadas, mas jamais foram encaminhadas com a seriedade necessária, e assim estamos sendo limitados cada vez mais no nosso direito de caminhar pela Yvyrupa, nossa terra sem fronteiras”, aponta o documento.

De acordo com o cacique Lino, a conversa foi otimista e reacendeu a esperança sobre a proteção dos territórios e a retomada dos processos de demarcação e de alimentos.

“A gente está lutando para ter demarcação. Para terminar esse ódio. A gente não está devendo nada para ninguém. Estamos lutando pela nossa terra. E a gente tem que chorar, gritar. Tem hora que passamos necessidades. Nem dormir temos condições de tanta luta e preocupação sobre a família e nossa geração. E as lideranças sentem isso na pele. Deixamos nossa família sem nada para buscar nosso direito. Isso é muito dolorido. Então agora temos muita chance”, defendeu Lino.

Confira a lista de demandas 

  • 1.    A revogação da Portaria 418, restabelecendo integralmente o RCID do Guasu Guavirá;

  • 2.    A retomada urgente do processo de demarcação do Guasu Ocoy Jakutinga, com a reestruturação do GT e com prazos a serem cumpridos;

  • 3.    A Federalização da apuração dos crimes de ódio e de racismo praticados contra nossos povos, tanto os ataques físicos quanto às ameaças praticadas por diversos meios, inclusive virtuais, os quais estamos compilando para apresentar em forma de denúncia, com acompanhamento interministerial envolvendo esforços do Ministério dos Povos Indígenas, Ministério da Justiça, Ministério da Igualdade Racial e Ministério dos Direitos Humanos;

  • 4.    A retomada urgente da distribuição de cestas básicas em todas as tekohas da região oeste do paraná;

  • 5.    Seja realizado mutirão urgente para regularização das nossas documentações, com expedição do RANI;

  • 6.    A reestruturação da política indigenista comandada pelo Ministério dos Povos Indígenas para, em diálogo com nossas lideranças que compõem a Comissão da Verdade Indígena, retomar os diálogos pautados na justiça de transição e que essa pauta seja assumida pelo MPI dentro do departamento de línguas e memória;

  • 7.    Seja viabilizada agenda com o Ministério de Minas e Energia para que as reivindicações de princípios para as indicações da nova diretoria da Itaipu Binacional sejam incorporadas;

  • 8.    Apoio do MPI para que uma comitiva de lideranças seja recebida no Gabinete do Ministro Dias Toffoli, relator da ACO 3555, para tratar das urgências e da habilitação das comunidades como parte no processo;

  • 9.    No âmbito da saúde, exigimos a participação de nossos representantes guarani na elaboração e execução das políticas de assistência aos nossos Tekoha, bem como ampliação das equipes e criação de estruturas adequadas tanto para o atendimento em unidades de saúde, quanto para o atendimento domiciliar/preventivo; 

  • 10.    Exigimos a nossa participação e a execução de políticas públicas de moradia e de bem-estar nas tekohas, com a promoção do acesso aos kits moradia tanto nas aldeias reconhecidas, quanto nas aldeias em vias de reconhecimento, à água, energia e estruturas mínimas adequadas ao nosso bem viver;

  • 11.    No âmbito da educação, exigimos o respeito às nossas decisões e que sejamos consultados sobre a elaboração de propostas e planos de educação, repudiamos a sua implementação, que tem avançado sem a nossa participação, sem o respeito ao nosso direito de consulta prévia, livre, informada, de boa-fé e culturalmente adequada. Queremos escolas dentro das retomadas, com professores indígenas e que as escolas sejam pensadas no modo guarani, não só pra estudar a língua materna, mas principalmente para que o próprio ensino seja integralmente indígena, debatendo a grade curricular e a proposta político-pedagógica para ser adequada na realidade dos territórios e de nosso nhandereko;

  • 12.    Sejam retomadas a construção e reforma de escolas que já estão previstas, mas não estão sendo construídas por alegação de que as terras indígenas ainda não foram reconhecidas;

  • 13.    Sejam retomadas as defesas judiciais da FUNAI nos processos de nosso interesse;

  • 14.    Em relação às CTL  de Guaíra exigimos a ampliação dos quadros de servidores e a participação de representantes guarani, bem como que as nomeações sejam dialogadas com nossas lideranças;

  • 15.    Pedimos que seja criada uma nova CLT para atender o território de Guasu Ocoy Jakutinga, entendendo as distâncias entre os dois territórios indígenas;

  • 16.    Demandamos a execução de políticas de incentivo à produção de alimentos, recuperação ambiental e geração de renda, bem como que seja aberta agenda com o CONSEA para discutir a estruturação de políticas públicas como PAA, PAA-Sementes e PNAE adequada à realidade indígena;

  • 17.    Sejam adotadas políticas para fiscalizar a deriva de agrotóxicos e contaminação genética de nossas roças, das pessoas que vivem na aldeia, e também de nossas nascentes.

Edição: Lia Bianchini