Paraná

Racismo

Apologia ao nazismo é denunciada na Casa da Estudante Universitária da Federal do Paraná

Suástica foi encontrada na porta do elevador. Diretoria da universidade apura a denúncia e polícia é acionada

Curitiba |
Porta do elevador foi encontrada neste ano com desenho em apologia ao nazismo - Divulgação

Logo no começo deste ano, moradoras da Casa da Estudante Universitária de Curitiba (Ceuc), ligada à Universidade Federal do Paraná, encontraram uma suástica, símbolo do nazismo, na porta do elevador. O caso se somou a outras ocorrências de racismo e discriminação no local, como cartazes com imagens de pessoas negras rasgadas, pichações como “sou branca, não racista” e um caso agressão física a uma moradora negra por colega de quarto em 2022.
No caso da apologia ao nazismo, a diretoria da Casa da Estudante Universitária de Curitiba (Ceuc), junto ao advogado Valnei França, fizeram boletim de ocorrência na sexta-feira (20) e deve ser aberto inquérito para investigar a autoria do crime. No dia do registro do boletim, o reitor da Federal, Ricardo Marcelo, visitou a moradia e outras pessoas da direção da UFPR se comprometeram com melhorias na casa. O superintendente de Infraestrutura (Suinfra), Sérgio Braga, diz que vai atender aos pedidos de instalação de câmeras de segurança no local.
“A UFPR repudia toda e qualquer menção, defesa ou apologia ao crime do nazismo. Desse modo, se estabelecendo como locus de defesa dos direitos humanos, sendo fundamentalmente contrária a todo e qualquer tipo de violência, discriminação ou violação de direitos, seja de natureza física, verbal ou mesmo simbólica”, ressalta a pró-reitora de Assuntos Estudantis (Prae), Maria Rita de Assis. No entanto, “nos últimos anos, no Brasil, vimos crescer as ameaças aos direitos humanos, assim como o ressurgimento de manifestações criminosas em favor do nazismo. Infelizmente as universidades estão dentro deste contexto da realidade brasileira e também sentimos esses reflexos. Tristes tempos.”
A Prae, em nota ao Brasil de Fato, diz que este caso “requer atenção e intervenções ainda mais contundentes e ágeis, por ser a casa das estudantes, a moradia, o lugar de abrigo das estudantes.” Localizada no bairro Alto da Glória, em Curitiba, a casa tem cerca de 80 estudantes, mulheres cis e trans, e é a única moradia estudantil nas dependências da UFPR. O objetivo das moradoras ouvidas é concluir o ensino superior com garantia de permanência estudantil. Agora, a Ceuc estuda a abertura de vagas para pessoas não-binárias e homens trans.


A artista preferiu não ser identificada pela Casa e fez a arte em anonimato / Clarissa Freiberger


Violências no cotidiano 
O boletim de ocorrência foi aberto com duas frentes: apologia ao nazismo e casos de racismo relatados pelas vítimas. Um documento que detalha as violências também foi encaminhado à Diretoria Disciplinar da UFPR. "O racismo atravessa. Não é uma dor superficial. É uma dor muito profunda, que está viva na nossa história e que é reproduzida de diversas formas.", relata uma estudante que prefere manter a identidade sob sigilo. Ela conta que pessoas negras sofrem agressões diariamente na Ceuc, para além dos vandalismos no elevador. “Seja nos olhares, no dia que você usa turbante e alguém não te cumprimenta ou não pegam o elevador com você. As pessoas não sabem lidar com corpos que falam sem pronunciar uma palavra.”
Para ela, o sucateamento dos últimos anos e as demandas da casa também interferem na convivência coletiva. “Quando a gente cai numa moradia estudantil, não tem uma estrutura, não tem suporte psicológico, um suporte até na preparação para fazer a autogestão. São pessoas que acabaram de entrar na universidade que precisam lidar com todas essas questões.” 
Antes do recesso de fim de ano, as moradoras decidiram colar um lambe-lambe para cobrir as pichações nas paredes do elevador. “Foi um grande alívio entrar no elevador com os lambes”, conta a estudante. Uma das artes tem a frase “Rasga. De onde vem esse tem mais.” O advogado que acompanha as vítimas, Valnei França, reitera que a apuração do crime de apologia ao nazismo deve ser tratada com seriedade. “É uma moradia de pessoas universitárias, não são pessoas sem acesso à informação. Não estamos lidando com alguém ignorante [...] Quando você encontra esse tipo de simbologia, você está se deparando com uma mensagem de violência a esses grupos minoritários.”

Próximos passos da UFPR
Na visita do reitor e da equipe da UFPR, em 20 de janeiro, moradoras levantaram a demanda de acolhimento psicológico além do atendimento temporário já ofertado na Prae. Na nota, Maria Rita de Assis diz que "o acolhimento individual das vítimas está sendo realizado." A Superintendência de Inclusão, Políticas Afirmativas e Diversidade (Sipad) também se comprometeu com a elaboração, em conjunto com a diretoria da casa, de cursos formativos de diversidade e direitos humanos para os próximos processos seletivos da moradia. Daqui para a frente, quem quiser morar na Ceuc deverá participar das formações humanitárias.
Outra demanda é o reforço na segurança. Depois de um incêndio em 2020, no começo da pandemia, o Corpo de Bombeiros determinou uma reforma para prevenir e combater as chamas. Até o momento, alarmes de incêndio foram instalados nos andares e nos quartos, mas o elevador ainda não foi trocado de posição para liberar a saída de emergência, como os bombeiros indicaram. “Nos últimos anos, em razão do corte do orçamento para as universidades, houve dificuldade de realizar as necessárias manutenções e reformas. A partir da troca de governo e consequente valorização das universidades públicas e recomposição orçamentária, certamente será possível realizar melhorias estruturais na Ceuc”, diz a pró-reitora da Prae, Maria Rita de Assis.

Como denunciar
A UFPR conta com canais oficiais de denúncias para casos como este. Estudantes podem contatar a Prae pelo e-mail [email protected] e o canal Acolhe da Sipad [email protected]. Para denunciar atos antissemitas e apologia ao nazismo, é possível fazer boletim de ocorrência em delegacia, acionar o Ministério Público ou procurar representantes da comunidade judaica para instruções jurídicas. No Brasil, o crime é passível de dois a cinco anos de reclusão, além de multa.
 

Edição: Frédi Vasconcelos