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Opinião | O bolsonarismo e as iscas dos escândalos

Os efeitos deletérios de tal fenômeno vão desde a falta de propostas para mudança até o ganho de capital político

Curitiba (PR) |
Bolsonaro em sua live na qual fez mais uma de sua série de ataques às vacinas - Reprodução

Lembro-me que depois de pouquíssimo tempo de governo Bolsonaro, surgiu uma espécie de brincadeira entre conhecidos meus. De quando em quando alguém perguntava “e aí, qual é o escândalo da semana?”. Rachadinha, Queiroz, Aras, Flávio, Amazônia, Salles, Aras, Lindora, dossiê antifascista, reunião ministerial, Moro, vacinas, orçamento secreto, Val. Eu sei que você já se lembrou de uns dois ou três que não estão nessa lista.

Já disse que Bolsonaro e sua equipe não são gênios, mas pessoas que se aproveitaram de um sistema que promove e destaca o tipo de comportamento que essas pessoas já possuíam. Foi como uma chave encontrando sua fechadura. Redes sociais buscando a atenção de usuários acabaram por desenvolver algoritmos que se aproveitam da forma de nosso cérebro funcionar para manter mais pessoas fisgadas na rede.

A cada novo furo de notícia, a cada novo compartilhamento de um escândalo, parecíamos estar diante de um fato capaz de derrubar o governo, capaz de unir brasileiros, de fazer com que todos enxergassem. Mas antes de qualquer resultado, aparecia um novo escândalo e o ciclo se perpetuava.

O usuário das redes parecia estar pautando o debate, afinal, era ele quem repostava as mensagens. Era ele quem transmitia a novidade pelo Facebook, Instagram, Twitter, WhatsApp. Mas a verdade é que não estávamos pautando, mas sendo pautados. O escândalo se tornou o mecanismo de sequestro da atenção e de propagação da impotência diante da realidade. Não há propostas de mudanças, apenas o choque diante do absurdo. Aquilo que deveria mover, paralisava.

Os efeitos deletérios de tal fenômeno vão desde a falta de propostas para mudança até o ganho de capital político e tempo de mídia por parte dos produtores de escândalos. Em vez de enfraquecê-los, estávamos os fortalecendo.

E nesse atropelo de escândalos, furos de notícia, incredulidade, absurdos, começamos a deixar pessoas para trás. Escrever sobre minha vida não é algo que faço com grande prazer, mas acredito que nesse caso seja importante para que não aconteçam mais casos como o meu.

Em 2018 eu escrevi um texto. Um texto que criticava a estrutura da polícia militar e o apoio tácito a candidatura de Jair Bolsonaro. Tempos depois, eu estava aposentado, expulso da corporação, respondendo a processo disciplinar e criminal na justiça militar. No começo tive espaço para escrever mais textos e os fiz por acreditar que eles poderiam fazer do mundo um lugar melhor.

Escrevi sobre a educação policial, sobre o sistema de polícia, sobre a conivência do judiciário. Pensei em aproveitar meus cinco minutos de fama para mudar alguma coisa. Fui ouvido em podcasts, tive espaço para publicar textos, fui entrevistado.

Recebi muito apoio, mas esse, em sua grande maioria, desvaneceu com o tempo. Tive a alegria de ter advogados me defendendo sem custos, somente por acreditar na causa. Mas eles não podiam fazer tudo sozinhos. A quantidade de problemas que tive de enfrentar necessitavam de uma ajuda tão grande quanto o ataque que estava sofrendo. O problema é que em poucos dias eu era só mais um escândalo, um fato que não movimentava mais o algoritmo. E o próximo escândalo, a situação da próxima vítima, tomou os holofotes. Não com intenção, mas dominados pelo sistema, a mídia de esquerda, os militantes, foram conduzidos para a próxima pauta. E eu fui descartado.

Cinco anos depois, é como se nada disse tivesse acontecido. O peso dessa realidade é arcado por mim e por minha família. Vivo o dilema de onerar ainda mais aos meus pais ou ficar sem tratamento de saúde, sem dinheiro para pagar contas, vivendo como alguém que é descartável tanto para o polícia como para a sociedade pela qual arrisquei tudo para evitar a tragédia que se impôs em nosso país.

É difícil para algumas pessoas compreender qual é a dificuldade de um militar escrever sobre sua própria corporação da forma que escrevi. É difícil compreender o sacrifício que fiz e o preço que pago.

E me deparei pensando que eu posso ser mais um de um grupo de pessoas que foram engolidas nesse período tenebroso que viveu nosso país. E é por isso que decidi escrever esse texto. Está na hora de encontrar essas pessoas. Está na hora de pautar o debate. Está na hora de corrigir a mensagem para que essas pessoas saibam que não estão sós, que não são somente um objeto. E propagar a mensagem de que vale a pena lutar por um mundo melhor.

Edição: Pedro Carrano