Paraná

DOR E SOLIDARIEDADE

História de uma família despejada

Era 23h30 e a família ainda estava debaixo de chuva, sem destino certo

Curitiba (PR) |
45 famílias foram alocadas provisoriamente e de forma solidária em diversas áreas de ocupação - Pedro Carrano

No dia do despejo de 150 famílias da ocupação Povo Sem Medo (10), cerca de 45 famílias ficaram absolutamente sem destino, do início da noite até a madrugada do dia 11, sem o devido encaminhamento do poder público e da construtora Piemonte, proprietária da área.

Isso porque a imensa maioria delas optou por não ir para um dos dois abrigos disponibilizados pela Fundação de Ação Social (FAS), afinal havia divisão entre homens em um espaço, mulheres e crianças pequenas (até 11 anos) noutro.

No total, somente duas famílias e dois homens solteiros toparam ir aos abrigos do município.

Com isso, algumas pessoas buscaram casas de parentes. "Há pessoas e famílias inteiras de até 11 pessoas dormindo em quarto de parentes", relata Mariana Kauchakje, coordenadora do Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST), responsável pela Povo Sem Medo.

De acordo com ela, porém, 45 famílias foram alocadas provisoriamente e de forma solidária em ao menos cinco áreas de ocupação, pertencentes ou não a outros movimentos populares. Organizações como o Núcleo Periférico, que tem o deputado estadual Renato Freitas (PT) como integrante, também receberam cerca de 20 famílias.

"Era pra ser um recomeço de vida"

Esta é a história de Erick Camargo até este instante. Ele morava desde agosto de 2022 na ocupação Povo Sem Medo, sendo que agora está hospedado provisoriamente em outra área de ocupação, Independência Popular, na Cidade Industrial de Curitiba.

É justamente desse local que Erick celebrou hoje (13) o aniversário do filho, Luan, de seis anos e o aniversário de Elô, de um ano, filha do casal Edson e Paola, também alocados naquele espaço.

Trabalhador e homem trans, seu mais recente emprego foi em uma gráfica. Erick viveu em diferentes cidades como operário, e teve diferentes episódios difíceis na vida. Ao conhecer a atual companheira, significava para ele a construção de família e de perspectivas novas, mesmo em meio às dificuldades. “Eu queria fazer tudo diferente, fui para a Povo Sem Medo pela minha família”, relata, enquanto passa os dias no espaço provisório ao lado de seis adultos e três crianças, recebidos em uma sala de estudos, agora preenchida com os itens da antiga casa.

Ainda assim, Erick e a companheira perderam e acabaram deixando muitas coisas para trás, ele lamenta, como aconteceu com todas as famílias da ocupação. Era 23h30 e a família ainda estava debaixo de chuva, sem destino certo, com os móveis de casa ao relento. “O que aconteceu lá foi desumano, um desespero dos jovens, das crianças, dos adultos, dos idosos, parecia cena de guerra”, relata o jovem de 24 anos, que tem experiência de ter morado em uma ocupação no litoral. Porém, nunca havia enfrentado a dura violência de um despejo.

Como sempre, esses episódios nunca são pacíficos e o casal relata ameaças por parte da PM para que as coisas fossem retiradas naquela mesma noite do bairro Campo de Santana.

Empresa não encaminha caminhões

O MTST foi informado pelos órgãos públicos que a construtora Piemonte, proprietária do terreno, iria disponibilizar doze caminhões, que fariam o número de transportes necessários para as pessoas, mas foram disponibilizados apenas dois e de forma limitada, de acordo com denúncia dos moradores. O movimento teve então que encaminhar famílias e alugar frete para elas. "Por volta das 23h os ônibus pararam e por isso ficamos até às cinco da manhã encaminhando as famílias. Por volta das 20h, a FAS já havia encerrado o atendimento", informa Mariana.

A reportagem do Brasil de Fato Paraná não conseguiu falar com a advogada representante da Piemonte até o fechamento dessa matéria. Seguimos abertos para eventual publicação da versão da empresa.

 

 

Edição: Ana Carolina Caldas