Paraná

Descaso

Com fortes chuvas, comunidades de Curitiba enfrentam cheias já em dezembro

Áreas sofrem com falta de políticas públicas, investimentos e diálogo entre prefeitura e comunidades

Curitiba (PR) |
Em menos de 10 meses, já choveu mais na cidade do que em todo 2021 - Foto: Winicius Rodrigues

Daniel Igor da Silva e Richard Junior são jovens lideranças da ocupação 29 de janeiro, no bairro Uberaba, em Curitiba, que reúne 60 famílias e está para completar um ano. Ao lado da preocupação com o direito à fixação das famílias no local, uma área extensa, entre a BR-277 e a avenida das Torres, ao lado do Rio Iguaçu, a força das chuvas de dezembro traz o problema da cheia na frente de várias casas. É pior que isso: “A chuva traz cobras para dentro de casa, além do risco de leptospirose devido aos ratos no local”, afirma Silva.

O acúmulo de chuvas neste ano, que leva a inundações em áreas de ocupação de Curitiba, não pode ser visto como um problema natural. Isso porque a prefeitura de Curitiba teve tempo, desde as chuvas de janeiro deste ano, de pensar uma política para atender bairros, caso da Cidade Industrial, Parolin e o próprio Uberaba, entre outros exemplos. Lideranças ouvidas pela reportagem atestam falta de políticas preventivas para essa situação.

Desânimo das comunidades

Na Vila Harmonia, localizada ao lado do Rio Barigui, a liderança local Emilie Ribeiro da Silva informa que entrou água em duas residências e chegou até a porta de sua casa. Vídeos recebidos pela reportagem do Brasil de Fato Paraná mostraram ruas alagadas na região, que fica na Cidade Industrial (CIC).

Em comum entre os vários relatos está a ausência de canais de comunicação com a gestão municipal. “Eu desanimei, é muita burocracia”, desabafa Emilie.

Outra moradora, Camila, informa que a água chegou à beira da sua residência, revelando a situação de apreensão vivida com cada chuva. 

No Uberaba, Daniel Silva afirma que as cheias podiam ser resolvidas com a retomada de canal ao lado da comunidade, além de política de limpeza do rio. Entre ofícios e tentativas de agendamento de reuniões com prefeitura e regional, o jovem contabiliza doze tentativas sem êxito.

“Falta estrutura pelo município, a comunidade vem sendo alagada, devido à não limpeza do rio que corta a comunidade. Temos uma solicitação à prefeitura aberta desde setembro”, protesta a liderança.

Fabrício Rodrigues, presidente da Associação de Moradores e Amigos da vila Maria e Uberlândia, no Novo Mundo, também aponta preocupação no sentido de que as cheias do rio estão chegando ao limite, mesmo com obras já realizadas na região. Reclama de ausência de um plano de contingência e emergência para o bolsão Formosa, pedido que já foi registrado.

Cheias no Parolin

No bairro Parolin, localizado na bacia do Rio Guaíra, além de ser um cenário marcado por violência policial, a comunidade também convive nesse período com o problema dos alagamentos.

Andréia de Lima, liderança comunitária e ex-candidata a deputada estadual em 2022, mora exatamente ao lado do projeto de canal extravasor do Rio Guaíra, obra iniciada em 2018, que carrega as cheias, mas está incompleta e gera reclamações entre o povo da região. Constantemente, a casa de Andréia é alagada ou fica perto disso.

Com vídeos e depoimentos, ela e outras moradoras mostram como, mesmo com a obra, suas casas ainda são invadidas pela cheia do rio. Um deles mostra a rua alagada com apenas 15 minutos de chuva.

“Deram uma ilusão de que a obra foi concluída. A obra em si não foi concluída, no sábado (3) entrou água no quintal da minha casa e, por pouco, não entrou dentro”, critica.

Andréia informa que no dia 15 de dezembro a Defensoria Pública pediu uma reunião com a Secretaria de Obras, com presença da comunidade. Secretaria que tem sofrido fortes críticas de associações de moradores devido à falta de projetos.

Mais chuvas que em anos anteriores  

Informações extraídas do Banco de Dados Meteorológicos do Instituto Nacional de Meteorologia (INMET) mostram que, em menos de 10 meses, já choveu mais na cidade do que em todo 2021 (que teve um acumulado de 1.175,2 mm em precipitações) e mais do que em todo o ano de 2020 (1.217,4 mm). O Simepar confirma aumento do índice de chuvas em dezembro comparado aos dois meses anteriores. 

Rseposta da prefeitura

A prefeitura de Curitiba foi procurada para comentar a reportagem, mas até o momento da publicação não respondeu. O espaço continua aberto para manifestação.

Edit. Segue abaixo resposta da gestão municipal:

O volume de chuvas acumuladas nos quinze dias, segundo o Simepar foi de 219,6 mm, nos últimos três meses foi de 481 mm. As chuvas volumosas dos últimos dias, em curto período de tempo, fizeram com que alguns rios ultrapassassem seu limite, ocasionando pontos de transbordamento com alagamentos pontuais na cidade. Na maioria dos pontos com registro de alagamento as águas dissiparam assim que a chuva cessou, demonstrando a capacidade do sistema de drenagem da cidade.
Equipes da Secretaria Municipal de Obras estão mobilizadas na avaliação dos casos para os atendimentos necessários.
Para prevenir alagamentos e minimizar os impactos das fortes chuvas, a Prefeitura de Curitiba desenvolve o programa Curitiba Contra as Cheias, executado pela Secretaria Municipal de Obras Públicas, através do Departamento de Pontes e Drenagem. São obras de macrodrenagem que aumentam a capacidade de extravasamento de rios e córregos e ajudam a capacidade de a rede suportar grandes precipitações.
Também para reduzir os impactos das fortes chuvas são realizados serviços constantes em galerias, canalizações, perfilamento de rios, reservatórios de contenção de cheias e limpeza de rios e córregos. Um conjunto de ações para minimizar o impacto das fortes chuvas e garantir segurança à população.
Paralelamente a esta ação, a Prefeitura faz campanhas de esclarecimento constantes junto à população sobre a importância de não jogar lixo nos rios, que além de evitar a propagação de doenças ainda diminui o risco de alagamentos.
Quando o lixo, resto de materiais de construção, móveis e outros entulhos são jogados nos rios, ou descartados em calçadas e locais inadequados, acabam indo para as galerias de captação das águas das chuvas, nos rios, gerando obstruções e potencializando as situações de alagamentos.
A população pode colaborar ao não descartar lixo em áreas públicas. A Prefeitura disponibiliza dez Ecopontos que recebem material inservível, tais como poda de árvores, eletroeletrônicos, restos de materiais de construção e outros em várias regiões da cidade. Descarte irregular de lixo em áreas públicas pode ser denunciado à central 156. Já para solicitar obras e ações da Prefeitura o cidadão conta com o 156 e o programa Fala Curitiba.
A instabilidade no regime de chuvas, após grande período de seca na região Sul, tem relação direta com as mudanças climáticas. O município tem uma série de ações para conter a emissão de gases que causam o aquecimento do planeta e de resiliência em relação às mudanças, como é o caso dessas obras para minimizar o impacto das cheias e programas como a Reserva Hídrica do Futuro. Além da destinação correta de resíduos sólidos, que conta com participação direta da população.
No bairro Parolin, trata-se de uma tubulação paralela ao canal para aliviar a micro drenagem, com a execução dos serviços em andamento. A intervenção na Bacia do Rio Pinheirinho segue em andamento, com resultados positivos em micro drenagem para minimizar os alagamentos na região. Chuvas acima da média, que ultrapassem a capacidade de vazão dos córregos em Curitiba, tendem a ocasionar o extravasamento. Porém, são situações que voltam à normalidade rapidamente, devido a resposta do sistema de drenagem da cidade.
Para a Vila Barigui estão programadas ações de limpeza do canal da Vila Barigui. Na Ocupação 29 de Janeiro, no Uberaba, a Secretaria Municipal de Obras Públicas fará uma análise do local para obter dados em relação ao domínio da área e avaliar se os cursos das águas não foram obstruídos ou bloqueados por residências, podendo ser a causa dos alagamentos.

 

 

 

Edição: Frédi Vasconcelos e Lia Bianchini