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Alforriado Matias: um abolicionista do Barreiro, região de Belo Horizonte

“O Barreiro é solo negro e ativo”, comenta produtora do Instituto Alforriado Matias

Belo Horizonte (MG) | Brasil de Fato MG |
Matias entrou para a história como um personagem que desempenhou papel fundamental na luta contra a escravidão - Crédito: Senagambia

Alforriado Matias foi um homem escravizado, no século 19, que viveu em um território que hoje corresponde à região do Barreiro, em Belo Horizonte (MG). Matias ficou conhecido por ter executado seu escravizador, Cândido Brochado, como vingança por uma promessa e a lei não terem sido cumpridas.

O dia 30 de outubro de 1877 foi o marco da justiça realizada por Matias. Após fazer 60 anos, Matias foi vendido pelo escravagista e líder do Partido Conservador Municipal, Cândido Brochado, que havia lhe prometido liberdade após os 60 anos.

Matias também contava com a Lei dos Sexagenários, de 1885, a seu favor, que determinava que escravizados com 60 anos ou mais, uma verdadeira raridade, seriam libertos.

A pesquisa do Instituto Alforriado Matias conta que, depois de ter fugido, passou a contar com ajuda de mulheres escravizadas que trabalhavam na casa de Cândido Brochado. Sabendo que Brochado iria a Freitas (região que corresponde hoje à Pampulha), ele se abrigou em uma mata, de onde executou a vingança: a morte de seu escravizador.

Matias foi detido e, posteriormente, encontrado morto em uma prisão em Ouro Preto (MG). Apesar de não ter sobrevivido por muito tempo após o feito, Matias entrou para a história como um personagem que desempenhou papel fundamental na luta contra a escravidão na região do Barreiro.

Nas palavras do advogado e abolicionista Luís Gama, que viveu de 1830 a 1882, “o escravo que mata o senhor, seja em que circunstância for, mata sempre em legítima defesa”. Como a escravidão é uma violência contra o direito de liberdade e vida do homem, os escravizados sempre foram as vítimas.

Apagamento

Ainda hoje, a história de Alforriado Matias não possui muita visibilidade. A produtora cultural, e uma das idealizadoras do Instituto Alforriado Matias, Ayobami Nombulelo destaca que isso é parte de um histórico de apagamento de figuras negras importantes.

“A gente só conhece a história branca, contada pelo colonizador. Existe um apagamento e, assim, as pessoas não têm referências e nem sabem de onde vieram”, comenta. “Tirar ele desse apagamento é importante porque diz muito sobre coragem, liberdade e valores”, defende Ayobami.

Há seis anos, a pesquisa sobre a vida de Matias é feita por meio da conexão de pessoas, historiadores e pesquisadores. O desafio é descobrir fatos relevantes e registrar o que tem sido contado pela oralidade. Pois jornais da época – fonte de informação primordial para pesquisas históricas –, contam apenas a versão do escravizador.

 

“A oralidade é uma tecnologia valiosa dos povos originários. Cada ancião que morre é uma biblioteca que se queima, por isso a importância de trazer para o papel todos os fatos que não foram contados pela Europa”, publicou o Instituto, em seu perfil do Instagram, onde são divulgadas as antigas e novas descobertas sobre o abolicionista.

Para promover o reconhecimento do legado de Matias, uma intervenção urbana deu a uma das principais avenida do Barreiro, a Av. Sinfrônio Brochado o nome de Alforriado Matias. Um documentário sobre a vida do abolicionista também está nas redes e pode ser acessado no You Tube: “Alforriado Matias - Dia 30 de outubro – Minidoc”, com entrevistas de artistas, como Maurício Tizumba e Tamara Franklin, e pesquisadores.


Solo negro

A região do Barreiro possui hoje cerca de 300 mil habitantes, a maioria pretos e pretas.

“A história de Matias inspira negros e negras e influencia quem vem depois. É uma referência para nossa região”, comenta a produtora. “Por não sabermos nossa história, nos sentimos como minoria. Redescobrir a história do Matias firma que o Barreiro é um solo negro e ativo”, finaliza.
 

Edição: Rafaella Dotta