Paraná

Antidemocráticos

Live expõe fragilidade da Prefeitura de Foz do Iguaçu diante de atos golpistas

Amotinados há uma semana em frente ao batalhão do Exército, bolsonaristas exigem intervenção federal

Foz do Iguaçu (PR) |
Grupo de cerca de 200 pessoas segue amotinado em frente ao Exército de Foz do Iguaçu desde o dia 4 - Foto: Bruno Soares

Live transmitida ao vivo, na segunda-feira (7), por meio das redes sociais de uma das lideranças do movimento bolsonarista que há sete dias promove atos antidemocráticos em frente ao batalhão do Exército de Foz do Iguaçu (PR), revela a fragilidade institucional enfrentada pela prefeitura diante do movimento que exige intervenção militar com a permanência de Jair Bolsonaro (PL) no poder.

O ato é considerado antidemocrático, uma vez que a Constituição de 1988 proíbe intervenção militar sob pretexto de “restauração da ordem”. Amotinados sob o conforto de tendas, barracas de camping e cadeiras de praia, com direito a realização de churrascos e acesso a banheiros químicos, os apoiadores do candidato derrotado nas urnas bloqueiam ilegalmente duas avenidas que dão acesso à principal via comercial da cidade.

A área tem sido palco para propagação de teses golpistas disseminadas em todo país através das redes sociais bolsonaristas. Em uma das faixas dispostas no local, os manifestantes acusam fraude nas eleições, chamam o Senado de omisso e o Superior Tribunal Federal (STF) de criminoso. Além de incitar a população contra as autoridades constituídas, os manifestantes também cantam o hino nacional, atacam lideranças progressistas e promovem cultos evangélicos que associam o Partido dos Trabalhadores (PT) ao satanismo. Os discursos são realizados do alto de um trio elétrico e amplificados por potentes caixas de som.

Subserviência

Toda essa situação tem causado uma série de transtornos e prejuízos para comerciantes da região, trabalhadores, usuários do transporte público e população em geral. Sem apoio institucional para desobstrução das vias por parte do Ministério Público do Paraná (MP-PR) e da Polícia Militar, oficialmente acionados desde quarta-feira passada (04), coube ao prefeito Chico Brasileiro enviar o chefe da Guarda Municipal, Marcelo Yarid, e o diretor superintendente do Foztrans, Robson Lima Souza, para tentar negociar com os manifestantes ao menos a liberação parcial do trânsito na área.

A negociação expõe a subserviência com o que o poder público tem tratado o episódio, bem como o desrespeito dos golpistas às instituições democráticas e ao direito de ir e vir dos iguaçuenses. "Nós não estamos aqui para impor nada pra ninguém. Tudo foi amplamente discutido. E, caso seja necessário retornar ou precisar fazer alguma mudança, estamos aqui à disposição. Inclusive vou ficar aqui acompanhando (...) O que vocês precisarem e estiver ao nosso alcance, será feito˜, assegurou Robson Lima Souza, superintendente do Foztrans, órgão municipal responsável pela gestão do trânsito.

Minutos antes, Marcelo Yarid, chefe da GM, havia informado que a Prefeitura e a PM disponibilizaram viaturas e efetivo policial para garantir a segurança dos manifestantes na área. "Não se desesperem. O fluxo vai ser lento e contínuo. O que a gente quer é garantir o direito de ir e vir e o direito de livre manifestação. Isso é o meu compromisso como diretor da Guarda e do Robson enquanto Foztrans", afirmou Yarid.

Tumulto

Após pedido dos representantes da Prefeitura para liberação parcial das vias bloqueadas, os manifestantes deram início ao tumulto que terminou por constranger a presença das autoridades municipais. 

"Porque aqui está atrapalhando o trânsito? Vocês me desculpem, isso aí é uma falácia. Eu sou advogado há 42 anos, moro em Foz do Iguaçu, sou ex-presidente da Ordem dos Advogados, e o que a Ordem e vocês estão fazendo é um absurdo com este povo todo que está aqui. Vocês me desculpem, vocês deviam estar aqui aplaudindo o movimento, e não vir com meia dúzia de guardas pra atrapalhar quem está fazendo uma manifestação. Nós não vamos sair. Eu não vou sair", gritou um dos manifestantes.

A crítica foi seguida de forma entusiasmada com aplausos e ofensas generalizadas ao prefeito Chico Brasileiro. "Aquele prefeito é um comunista. Vem querer atrapalhar o nosso movimento. Nós não temos medo dele, nem da Guarda", desafiou outro bolsonarista, mais uma vez aplaudido pelo grupo formado por aproximadamente 200 pessoas.

Diante do iminente risco de possível agressão física às autoridades, coube às lideranças do movimento acalmar os ânimos dos presentes. "Por gentileza, não intimidem, mesmo sem querer, a autoridade que está aqui. A autoridade não é para ser vaiada,  muito menos xingada. (...). Não inibam a autoridade. Respeitem a autoridade", clamou João Bosco ao microfone.

Liderança bolsonarista em Foz do Iguaçu, foi dele a tarefa de apaziguar o conflito e articular consenso para que uma das vias fosse liberada. Ao final, restou acordado o desbloqueio de uma das vias, sob a condição de que voltaria a ser fechada sempre que necessário, a depender do interesse dos manifestantes. "Essa assembleia soberana se encerra aqui. A partir de agora, (...) a autoridade vai cuidar e toda a responsabilidade é dela. Fiquem tranquilos, vamos ter um policiamento ostensivo, da PM e do Foztrans", finalizou sob palmas e gritos de apoio ao movimento. O protesto golpista continua.

MPF acionado para desbloqueio completo

Diante da falta de posicionamento por parte do MP-PR e da PM, a Prefeitura de Foz do Iguaçu e a Ordem dos Advogados do Brasil, subsecção de Foz do Iguaçu, acionaram o Ministério Público Federal (MPF) para fazer valer determinação do Supremo Tribunal Federal (STF) publicada em 1 de novembro, que determinou a desobstrução de vias em todo o território nacional.

De acordo com a decisão do ministro Alexandre de Moraes, fica estabelecido que “Polícias Militares dos Estados possuem plenas atribuições constitucionais e legais” para atuar nesses casos.

"A finalidade da OAB é defender a Constituição, o Estado Democrático de Direito e o devido ordenamento jurídico. Entendemos que o que se pede nesta manifestação é antidemocrático. Não podemos negociar ou negligenciar. Quando se pede algo antidemocrático, a ordem precisa atuar", pontuou Vanessa Picouto, especialista em direito penal e eleitoral, vice-presidente da OAB-Foz.

A advogada informa que acompanha o desenrolar das manifestações golpistas em frente ao quartel desde seu início, no dia 2. "Observamos o bloqueio das vias e a postura das autoridades constituídas no município. Como a PM não se propõe a promover o desbloqueio, em cumprimento à decisão do STF, encaminhamos ao MPF documentos com arquivos e fotos que comprovam a continuidade do bloqueio", detalhou.

Respostas oficiais

A Polícia Militar do Paraná informou que "está cumprindo as determinações judiciais e negocia com os manifestantes a liberação das vias" e que equipes "foram deslocadas para os pontos de manifestação a fim de restabelecer a normalidade o mais rápido possível."

Ainda de acordo com a PM, até o momento, "foram realizados 238 boletins de ocorrência por conta das manifestações e bloqueios no Paraná, além da identificação de 38 lideranças dos bloqueios que podem ser responsabilizadas posteriormente. Além disso, foram realizadas mais de 80 autuações de trânsito de veículos utilizados para o bloqueio das vias."

Já o MP-PR, por meio de sua assessoria de comunicação, informou que encaminhou o pedido de providências formalizado pela Prefeitura à Procuradoria-Geral de Justiça, "que a recebeu e encaminhou para a Secretaria de Estado de Segurança Pública para as providências necessárias."

A assessoria informou ainda que tem mantido interlocução com as autoridades policiais do estado para a garantia da preservação da ordem jurídica e do Estado Democrático de Direito no cenário pós-eleitoral.

Além disso, o MP-PR destacou que tramita procedimento para monitoramento das informações obtidas junto à Secretaria de Segurança Pública para a identificação e eventual responsabilização de autores de eventuais práticas delitivas.

Edição: Lia Bianchini