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Crônica. Ensaio simples sobre o nosso futuro

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Se não tivermos a capacidade de aprender, com humildade, ser intelectuais atuando nos locais de trabalho e moradia, valorizar aspectos como um Dia das Crianças - Divulgação
"Me pego então pensando sobre alternativas para uma organização popular neste período"

No dia 12 de outubro, num raro momento de sol Curitiba, eu, Barbara e Valeria passamos por algumas vilas na Cidade Industrial de Curitiba, ajudando amigos que fariam entrega de brinquedos e doces do Dia das Crianças. E também aproveitamos para visitar outros amigos do movimento popular e de outras áreas de ocupação que já não víamos há alguns dias. A data era uma boa chance para uma conversa e um abraço.

No caminho, o que víamos era forte e, sem refletir muito sobre isso, as imagens que passavam bem à nossa frente nos causavam uma sensação, no mínimo, de conforto. Em cada esquina, cada comunidade organizava alguma atividade para as crianças, nem que fosse a clássica cama elástica, ou alguma agitação da palhaça, como fez a nossa amiga Polaca, ou simplesmente a piazada correndo atrás de um carro atirando doces para cima. Das atividades que avistamos no caminho, nenhuma delas tinha a presença de organizações de esquerda, apenas nas áreas de ocupação mais organizadas.

Mas eu na verdade sentia pulsando a contradição viva entre a verdadeira guerra que vivemos hoje em dia, na esfera social, passando para a esfera política, a profunda desumanização da fome e da falta de trabalho, porém, junto com isso, em cada uma daquelas esquinas havia uma aposta e um respeito pelo direito das crianças de ter algo melhor.

Uma alegria. Um momento de divertimento, já que tantas vezes os filhos são carregados e experimentam o olho do furacão onde seus pais estão vivendo. A violência, o racismo, o machismo, a precarização dos serviços públicos, a ausência de perspectiva e de horizonte.

Olhávamos a contradição viva, como um veia jorrando sangue, entre um futuro incerto até o final de outubro e, como um astro latente, uma chama ardendo e pedindo novos ventos praquela criançada toda.

Na mesma semana em que um presidente genocida lança olhares de abuso contra jovens mulheres migrantes, nós, ao contrário, olhávamos a realidade de comunidades se organizando, sem apoio, para garantir o mínimo para os seus.

Eram tantas atividades que nós tivemos que distribuir o dia das crianças em diferentes datas. No 15 de outubro, a nossa União de Moradores realizou uma ação ao lado do Levante da Juventude e dos comitês populares. Na associação de moradores vila Formosa, contamos com a presença da rede de médicos populares, aproveitando a presença de mães e pais. Organizamos também uma roda de conversa sobre Fé e Política, com o grupo evangélico Liberta, além de entregar muitos doces e cachorro quente pros filhos da comunidade.

Me pego então pensando sobre alternativas para uma organização popular neste período e, sobretudo, no próximo, quando os ataques do neofascismo, mesmo se derrotado nas urnas, não devem diminuir.

Inevitável pensar neste longo eixo da História de 40 anos, de lutas, avanços e retrocessos, de experimentos do campo popular no Brasil e na América Latina, do predomínio no Brasil da liderança de Lula, em nova encruzilhada e esquina da história. Eu pensava no quanto os trabalhadores avançaram e no que refluíram – nesse período longo e ao mesmo tempo curto de tempo.

Eu contemplava a atividade, às vezes com certa distância, convencido de que as forças de esquerda e progressistas precisam com urgência discutir o futuro. Ter um olhar também de médio e longo prazo.

Pode parecer óbvio, mas na prática não é. Apenas a partir do trabalho e da confiança com a comunidade pudemos fazer um dia de serviços, envolvimento e debate político sobre a necessidade de vitória de Lula no segundo turno.

Se não tivermos a capacidade de aprender, com humildade, ser intelectuais atuando nos locais de trabalho e moradia, valorizar aspectos como um Dia das Crianças que aponta a realidade da classe e a sua preocupação com o futuro, me parece que não teremos tido a capacidade que Rosa Luxemburgo tanto nos provocava: a capacidade de aprender sempre.

Pode parecer óbvio dizer tudo isso, mas sem a capacidade de voltar a fazer coisas simples, como um dia das crianças, a esquerda não será capaz de brilhar no fundo dos olhos de cada pessoa da comunidade que, como qualquer pessoa, mesmo nos períodos mais difíceis e confusos, quer a chance, o ensaio, o rabisco, de um simples futuro.

Edição: Frédi Vasconcelos