Bahia

Parto humanizado

Conheça o trabalho do Centro de Parto Normal da Mansão do Caminho, em Salvador

O espaço, pioneiro no atendimento pelo SUS, segue aberto após ampla mobilização das profissionais de saúde e entidades

Brasil de Fato | Salvador (BA) |
Saroca é doula há 6 anos e destaca a importância do Centro no acolhimento e atendimento às mulheres - Rosa Branca Fotografia

Em atividade há onze anos, o Centro de Parto Normal (CPN) Marieta de Souza Pereira, que funciona na Mansão do Caminho, em Salvador, ao longo da sua trajetória realizou e acompanhou mais de 6,5 mil partos e nascimentos humanizados. O trabalho é desenvolvido por uma equipe multidisciplinar e reúne ciência e a arte obstétrica em prol de um nascimento seguro para a mãe e a criança. O local oferece um trabalho de referência para mulheres e o serviço é totalmente gratuito.  

A unidade pertence à Mansão do Caminho, liderada por Divaldo Franco, divulgador da doutrina espírita. É o primeiro Centro de Parto Normal da Rede Cegonha, uma estratégia do Ministério da Saúde com o propósito de estruturar a atenção à saúde materno-infantil no país. Médicos obstetras, enfermeiras obstétricas, pediatras, fisioterapeutas, nutricionistas, psicólogos, doulas, toda a equipe profissional que atua - direta ou indiretamente - no Centro reconhece e valida as práticas de atenção e de acolhimento ao parto humanizado que são oferecidas no local.  

“Com estruturas físicas semelhantes aos de casas de parto, o Centro atende a gestantes que têm um pré-natal de risco habitual. Ou seja, mulheres que não tiveram intercorrências durante a gestação”, declara Saroca, doula há 6 anos em Salvador e integrante da Associação de Doulas da Bahia (Adoba). 


A dificuldade de ter um atendimento humanizado e desinformação sobre o parto normal ainda é uma realidade para a maioria das mulheres, sobretudo as mais pobres / Mateus Pereira/SECOM

Saroca celebra o exercício do CPN que atende de portas abertas a toda comunidade feminina independente do endereço de morada. “Para isso é sugerido que a partir das 35 semanas as mulheres procurem o CPN para fazer uma consulta de perfil e levem todos os exames de pré-natal. A partir daí é feito um cadastro e quando elas retornam em trabalho de parto, os profissionais já conseguem acionar essas informações com facilidade e segurança”, afirma.

Vale destacar que toda assistência dispensada a essas mulheres não visa apenas ao parto. “Às mulheres que assim desejarem, o CPN também conta com o pré-natal. Além do parto, essas mulheres também vão ter uma assistência puerperal. Vão ter uma orientação sobre amamentação, vão ter as rodas - que são espaços de troca de informação e de acolhimento inclusivo as mulheres e as parcerias dessas mulheres, que muitas vezes são vistas como coadjuvantes e lá são incluídas neste processo”, enumera Saroca entusiasmada com os diferenciais do espaço. 

Parir com dignidade e respeito

“Para mudar o mundo é preciso, primeiro, mudar a forma de nascer” - essa é uma frase clássica de Michel Odent, obstetra que é até hoje uma das maiores referências de estudo e produção científica relacionados a fisiologia do parto. É nessa mesma direção que Andreza Santana também se posiciona. A advogada é combativa e atuante. Especializada em Violência Obstétrica e Direitos das Famílias, Andreza pensa o CPN como um espaço de resistência política e que precisa ser multiplicado. 

Para ela, que é também integrante da Rede de Humanização do Parto e Justiça Reprodutiva da Bahia, além da garantia de nascimentos humanizados é relevante destacar que o Centro é um espaço vinculado ao SUS e o único Centro de Parto Normal da capital baiana. “Se a gente pensa em uma perspectiva racial e de classe, também é muito importante que a existência desse centro permaneça, por que assiste – em sua maioria - mulheres, pobres, negras e periféricas”, afirma. 

Ao destacar a cultura de nascimentos intervencionistas e as apologias ao parto cesárea, Andreza reafirma que mais da metade dos nascimentos no Brasil são realizados por cirurgia cesariana, em contraposição à recomendação da Organização Mundial de Saúde (OMS) ao indicar que 10 a 15% dos nascimentos sejam por essa via, quando houver extrema necessidade. 

“Existe muita desinformação acerca do parto normal. O que a gente sabe é que muitas mulheres que passaram por parto normal dentro do ambiente hospitalar passaram por violência obstétrica. E se elas passaram por violência, elas não vão querer repetir essa experiência. Aí vem a cesariana como a experiência salvadora”, explica Andreza, que não vê melhorias no horizonte a curto prazo. 


A indicação da OMS é que o parto normal seja a principal forma de nascimento, e que a taxa de cesarianas seja apenas de 10 a 15% dos partos / Foto: Nascer em Foco

“Depois desse resultado de eleições no domingo e que vai ainda para o segundo turno, as coisas estão muito complicadas. Um cenário muito extremista sendo eleito. Um cenário que não respeita o direito das mulheres. Um cenário que não luta para que os direitos das mulheres sejam efetivados”, declara Andreza ao se referir aos desafios que estão postos para quem trabalha diretamente na assistência ao parto humanizado. 

A advogada e ativista lamenta que a violência obstétrica ainda seja uma realidade na vida de muitas mulheres. Ela descreve como essa violência vai impactar e repercutir no maternar dessas mães.  “Infelizmente, o que a gente ouve sobre parto normal na mídia são partos desastrosos. A gente não ouve notícias boas sendo multiplicadas sobre isso”, declara Andreza ao reforçar novamente a importância do CPN como referência de respeito a autonomia das mulheres e a dignidade humana. 

De mãos dadas com o Centro de Parto Normal

O nascimento diz respeito a toda sociedade, por isso, recentemente, uma grande comoção tomou conta das redes sociais. Um bonito movimento de mulheres reagiu ao saber de um possível fechamento do CPN. A articulação popular foi tanta que, em menos de dois dias, uma petição online reuniu quase 20 mil assinaturas sob a reivindicação de "Não fechem o CPN Mansão do Caminho". O perfil no Instagram criado para fortalecer essa ação e atualizar os assuntos referentes a este tema, já acumula mais de seis mil seguidores entre ativistas, doulas, funcionários e mães que deram à luz na unidade. 

“E é importante deixar claro que a decisão de fechamento veio da presidência da Mansão do Caminho. Não foi rumor. Não foi boato. E a partir daí houve toda uma movimentação de um movimento multidisciplinar”, declara a doula Saroca. 

A repercussão acelerou o encontro entre a Secretária de Saúde do Estado, Adélia Pinheiro, e o diretor-presidente da Mansão do Caminho, Mário Sergio Almeida. Em nota oficial, a SESAB comunica a continuidade das atividades do CPN e informa que ficou definido a formação de um grupo de trabalho com representantes das duas entidades para levantamento da situação do CPN. A ideia é discutir estratégias para o fortalecimento do equipamento que tem referência nacional e internacional em assistência, ensino e pesquisa na sua área de atuação.   

Essa é uma vitória para as muitas pessoas que reconhecem a história desse espaço Uma batalha foi vencida, mas a luta continua. “A garantia é só até agosto de 2023, quando finaliza o contrato assinado com a SESAB. A gente precisa promover ações. A gente precisa aumentar os números de partos. O CPN tem estrutura para atender 150 partos por mês. A Mansão do Caminho precisa se comprometer com a sociedade em divulgar os seus serviços. A trazer mais gestantes para parir naquela estrutura e garantir a manutenção e a expansão dos serviços do CPN”, declara Saroca ao explicar o desafio que se coloca a partir de agora. 

Edição: Lorena Carneiro