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Crônica. Das que se colocam na linha de frente

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Ela cobra atenção dos companheiros de empreitada, com a autoridade de quem tem passado dias e dias com o pé na umidade - Pedro Carrano
"Ela cobra atenção dos companheiros de empreitada, com a autoridade de quem tem passado dias e dias"

Nesses dias intensos confesso que me coloquei a pensar sobre as pessoas que, em situações graves, extremas ou no mínimo difíceis, colocam-se na linha de frente e, com o seu exemplo, buscam fazer de tudo para mudar a situação na qual se encontram. E conseguem, de forma direta ou indireta, contagiar os demais no seu entorno.

Eu não concebi essa ideia em abstrato, mas pensando no caso de uma mulher que se somou a uma área de ocupação urbana surgida no dia 7 de setembro deste ano. Enquanto o futuro ex-presidente da república criava um espetáculo nessa data, pessoas como Romena – este é o nome dela -, buscavam mostrar que à independência do país ainda faltava um certo conteúdo da vida e necessidades do povo.

Mesmo em meio às dificuldades, Romena, vinda de outra área de ocupação, em busca de terreno para os filhos, fala duro, protesta, empolga, anima, desanima, em alta velocidade. Dormiu todos esses inacreditáveis 21 dias de inverno fora de época e chuva ininterrupta dentro da ocupação.

Mesmo em meio a tantos buracos no chão e na construção do barraco, Romena assume tarefas, puxa a limpeza do banheiro coletivo, deixa seu simpático filho em outra casa e passa dias sem vê-lo. Manda mensagens e áudios a todo momento, oferece broncas e palavras de carinho com sua voz rouca e grossa.

Ela cobra atenção dos companheiros de empreitada, com a autoridade de quem tem passado dias e dias com o pé na umidade da madrugada fria. Não aceita desânimo e, muitas vezes, mesmo na volta de ônibus após uma manhã inteira no comício de Lula em Curitiba, Romena ainda passou toda a viagem cantando, pulando, agitando, provocando as outras pessoas – criança que atira pedrinhas e mamonas pra quem está ao lado sair do sossego.

O que, no fundo, nos move, nessa energia tão intensa que às vezes a vida permite?

O que nos faz tomar a frente numa empreitada em que o ânimo individual pode irrigar a força coletiva? Que força faz alguém sair um pouco de si mesmo e de seu território na direção do outro? Na verdadeira doação dos que nada têm.

Acho que nem sempre percebemos em nós essa força que o momento político no país tem nos cobrado desde 2016, marcando toda uma geração e levando a turbulência e instabilidade pra dentro de nossas vidas. No que nomeamos, sem pensar muito, de resistência.

Que energia e força é essa, que muitas vezes recobramos em situações limites, e nos damos conta de que está dentro de nós. O pensamento sobre tudo isso veio num momento de respiro, num final da tarde raro, nesses dias quando o sol se apresentou e logo se pôs.  

Edição: Lucas Botelho