Paraná

EDUCAÇÃO E LUTA

Opinião. A centralidade da educação nas lutas antineoliberais da América Latina

Um projeto de educação vinculado aos interesses dos trabalhadores parece ser decisiva no enfrentamento ao neoliberalismo

Curitiba (PR) |
Um projeto de educação vinculado aos interesses dos trabalhadores parece ser decisiva no enfrentamento ao neoliberalismo - Giorgia Prates

A aplicação do programa neoliberal à América Latina, desde as primeiras experiências ainda na década de 1970, representou, em síntese, a restauração do poder de classe das burguesias da região.

Com especificidades em cada nação, desde a década de 1920 foram assumidos compromissos mínimos em torno de programas de desenvolvimento industrial, conformando os chamados períodos desenvolvimentistas.

O fortalecimento de experiências organizativas da classe trabalhadora e os processos de queda nas taxas de lucro foram, ao final daqueles ciclos de desenvolvimento, condicionantes para a recomposição do poder burguês em torno da retirada de direitos, abertura comercial, privatizações e hegemonia financeira, construindo os programas neoliberais assumidos por partidos políticos na maioria do continente.

Após praticamente cinquenta anos de neoliberalismo na região, não são poucas as análises a respeito dos processos de resistência organizados pelos mais variados setores das classes populares.

Algumas avaliações, inclusive, têm sido revisitadas, à luz do que se configurava como um novo ciclo de governos neoliberais, agora com importante participação de setores de ultradireita e neofascistas, a partir da segunda metade dos anos 2010. O caso mais emblemático é o do governo Bolsonaro no Brasil.

Há, no entanto, uma profunda lacuna no que se refere a balanços das lutas em defesa da educação pública nesse período, principalmente tomando como referência a organização de trabalhadores da educação (professores/as, técnicos/as e funcionários/as de instituições de ensino).

Está por ser feita uma cronologia dessas lutas, buscando compreender três aspectos que servem como critérios para definições táticas no âmbito da luta de classes:

1) Em que medida se construíram resistências aos processos de privatização e precarização da educação pública?

2) Quais as conquistas e impedimento de retrocessos obtidos?

3) De que forma se desenvolveram experiências organizativas, que podem ampliar a capacidade de luta da própria classe trabalhadora? A partir de cada um desses critérios, é possível, inclusive, cotejar experiências nacionais específicas.

Uma síntese importante das lutas das décadas de 1980 e 1990 na América Latina foram as mobilizações em torno da consigna “educação popular”. O processo sofreu forte influência do desenvolvimento da pedagogia freireana e do aprofundamento de concepções educativas marxistas, a partir da realidade da região.

É de 1983, por exemplo, a criação do Conselho de Educação Popular da América Latina (CEAAL), além dos intensos debates sobre os rumos da educação pública no bojo das redemocratizações pós Ditaduras Militares.

Destaca-se, nesse sentido, o protagonismo do Fórum Nacional em Defesa da Escola Pública (FNDEP) no Brasil, chegando a pautar com princípios socialistas o debate sobre uma nova Lei de Diretrizes e Bases para a Educação Nacional. Tal processo, que contribuiu para a formalização de importantes entidades populares e sindicais, se desenvolveu como eixo das lutas da década de 1990.

Lutas importantes no continente

Já os anos 2000 são marcados por levantes significativos, como aquele construído por educadores de Oaxaca no México, em 2006, cuja experiência constituiu uma comuna organizada a partir de pautas vinculadas à educação. À época, a greve da chamada Seção 22 dos professores, um sindicato que conservava independência do partido oficial (PRI) sofreu forte repressão do governo local, com isso massificando e trazendo para a luta estudantes, população trabalhadora, periférica e indígena. Disso foi construída uma experiência mais ampla, a chamada Assembleia Popular dos Povos de Oaxaca, ampla na sua composição e com protagonismo dos quadros do magistério.

Estudantes e trabalhadores chilenos também deram mostras significativas de uma intensa capacidade de luta massiva, em diversas oportunidades desde o fim da primeira década dos anos 2000. Em aliança, se colocaram na vanguarda do enfrentamento ao neoliberalismo iniciado por Pinochet e que se incrustou no Estado chileno, conformando aquilo que Gérard Duménil e Dominique Lévy denominaram de laboratório do neoimperialismo a partir das finanças.

Resistências no Brasil

No Brasil, devemos considerar que, justamente no processo de construção do golpe, do aprofundamento da crise econômica e da derrubada do governo de Dilma Rousseff, em 2016, os trabalhadores da educação estiveram na ponta de greves que condensaram a pauta econômica, mas também alcançaram o enfrentamento político contra governos de plantão.

Foram marcantes as greves de professores de Minas Gerais, em 2011, contra o governo Aécio Neves, contra o governo Beto Richa, no Paraná, resultando no chamado “Massacre do Centro Cívico”, dos professores e servidores públicos atacados com vasto arsenal repressivo pelo governo e secretaria estadual de segurança. Mais que um fato episódio, já se explicitava o choque entre projetos naquele momento, em 2015.

Desde então, greves em diferentes estados, do Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, São Paulo, Goiás, Tocantins ao Pará, revelaram, em meio à crise do movimento sindical, o ramo da educação com possibilidades de:

a) massificar na época as lutas populares

b) atrair e convencer amplos setores com a legitimidade da luta da educação

c) denúncia do modelo neoliberal implementado pelos diferentes governos estaduais e federal.

d) Em período após o golpe e retirada de direitos, quando o serviço público voltou a superar a iniciativa privada em número de greves, foi sensível o protagonismo do ramo da educação. Em 2019, por exemplo, foi responsável por 57 greves entre 166 mobilizações de servidores públicos estaduais.

Recentemente, nosso continente ainda presenciou as eleições de um desconhecido professor rural e sindicalista no Peru, em campanha que ganhou difusão a partir da imagem do lápis que continha a esperança.

Porém, é fato que as amarrações institucionais e a democracia representativa avessa a mudanças, no Peru e em vários países de Nuestra América, desde os anos 80, engessaram e transformaram o governo de Castillo em grande frustração e abandono de um programa popular avançado, diante de um congresso peruano que não o permite governar.

A mobilização de todos os setores que defendem um projeto de educação vinculado aos interesses dos trabalhadores parece ser decisiva no enfrentamento ao neoliberalismo.

Na atual conjuntura, o tema ganha ainda maior relevância, no sentido da construção de uma educação antineoliberal e antifascista.

Edição: Frédi Vasconcelos