Paraná

PODER POPULAR

Transporte e Poder. Sexto artigo da série

"Ascensão e crise do movimento popular em Curitiba"

Curitiba (PR) |
Essa situação levou os moradores a formarem associações de bairros nas vilas e a pressionarem o poder público por transporte - Giorgia Prates

O período que vai de 1970 a 1990 é um marco histórico para explicar o avanço e a crise do movimento popular em Curitiba.

No início dos anos de 1970, o Paraná passa por uma profunda transformação no campo. Houve a  crise do café com as geadas  no norte do Paraná, modernização agrícola com  a expansão da soja, principalmente, na região oeste do Estado.

Esse processo de modernização agrícola é marcado pela substituição dos homens pelas máquinas, levando ao desaparecimento de 250 mil pequenas propriedades na agricultura paranaense. Essa enorme expulsão de milhares de famílias da agricultura provocou o deslocamento dessas famílias para as cidades médias e grandes.

Famílias essas que, sem recursos financeiros, foram obrigadas a ocupar terras públicas e privadas como ocorreu em Curitiba, que passou de 400 mil habitantes em 1970, para 600 mil habitantes, em 1980.

Esse foi o  período do surgimento das favelas na região próxima ao centro da cidade, como a antiga Vila Pinto (hoje Vila Torres) e da favela do Valetão na Vila Guaía e na periferia Vilas Oficinas, Vila Ipiranga, Vila Formosa, Ferrovila e Pinheirinho, sendo em torno de 300 favelas, entre vilas e fundos de vale, além de ocupações irregulares como os loteamentos clandestinos  da Vila Itamarati, Jardim Márcia e Colorado no Xaxim.

Nessa região, em torno de 400 famílias compraram lotes dos proprietários das antigas chácaras dos descendentes de alemães, sem se preocuparem com a legalização do loteamento junto à prefeitura, impedindo assim os moradores de escriturarem suas propriedades. O único apoio que tiveram foi da Igreja por meio das Comunidades Eclesiais de base (CEBs) e da Comissão Pontifícia de Justiça e Paz da regional Sul 2 da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB).

Essa situação levou os moradores a formarem associações de bairros nas vilas e a  pressionarem o poder público por transporte, saúde, educação.

Nesse período, em 1974, era prefeito nomeado de Curitiba pela ditadura militar, Jaime Lerner, que não atendia essas demandas básicas da população da periferia e reprimia com violência as favelas, para impedir novas ocupações.

Esse quadro caótico de repressão só fez aumentar a organização popular e ampliar as lutas. Foram essas lutas que obrigaram o prefeito Jaime Lerner a construir o primeiro grande projeto de habitação popular, na Vila Nossa Senhora da Luz, bem distante do centro de Curitiba, onde essa população trabalhava precariamente como mão de obra não qualificada. Por isso, resistiram muito ir para a Vila Nossa Senhora da Luz, houve mais repressões para obrigá-los a mudarem. Uma Vila resistiu e lá permanece até hoje, a Vila Torres. A favela do Valetão na Vila Guaíra foi toda deslocada para a Vila Nossa Senhora da Luz.

Dessas lutas surgiram grandes lideranças populares como Jairo Graminho, Manoel Isaias de Santana, Pedro Chaves  na Vila Formosa, Antonio Backs das Vilas Oficinas, Manoel Proença , Cerlita, Luiz Mário, Maria Chinelo dos Loteamentos Clandestinos, Adenival Alves, Benedito , Sebastião Castilho das Cebs, Cesar Pelosi, feirante, entre tantas outras lideranças populares.

Essas representações populares formaram as entidades gerais de bairros e favelas, União Geral, Movimento de Associações de Bairros (MAB - Cebs) e Federação de Bairros. Foram grandes baluartes no enfrentamento dos governos da ditadura como Jaime Lerner, até a derrubada da ditadura militar. Todo esse movimento popular fortaleceu a candidatura de  Roberto Requião, que foi eleito prefeito de Curitiba em 1985.

Esse longo período de 20 anos foi  marcado pelas lutas que  enfrentaram a repressão do regime autoritário até a eleição direta de Roberto Requião prefeito de Curitiba. Essas duas décadas constituíram  a ascensão e a crise do Movimento Popular.

Por mais paradoxal que pareça, o período revela que a ascensão do movimento popular tem seu auge na ditadura e sua crise na democratização. Isto, em parte, se explica pela característica do movimento popular, que satisfeito em suas reivindicações, tende a se desmobilizar ou ser cooptado no período da redemocratização ou até porque cessam as repressões e  abre um novo tempo de diálogo com o poder público.

Em parte, isso pode ser verdade, por outro lado, seguindo-se a redemocratização voltou ao poder pelas eleições diretas aqueles que foram governos impostos pela ditadura, como Jaime Lerner, e restabeleceram a velha prática política com o disfarce democrático, com diálogos que pouco resolviam. Com a cooptação dos movimentos populares para dentro da máquina do Estado, perderam seu ímpeto anterior de confronto. O grande dilema desses movimentos populares é como preservar sua autonomia frente ao Estado, governos e partidos políticos.

Edição: Pedro Carrano