Paraná

Descaso

Merenda das crianças: saem bolo e iogurte e fica o chá com pão

Desde 2017, presidente Bolsonaro congelou valor de repasses a escolas

Curitiba (PR) |
"Oferecer esse tipo de lanche é reduzir o acesso das crianças a vitaminas e sais minerais", alerta nutricionista - Agência Brasil

Desde 2017, o valor destinado para a merenda escolar pelo governo federal está congelado e sofrendo perdas por conta da inflação. Nos ensinos fundamental e médio, em que está o maior número de alunos, o valor está estagnado em R$ 0,36 por aluno.

Além disso, para 2023, o Congresso Nacional aprovou a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) que previa reajuste de 34% para o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), que foi vetado por Jair Bolsonaro. Com isso, cerca de R$ 1,5 bilhão deixará de ir para a alimentação das crianças.

Tem só chá com pão

Diante da política precária do governo Bolsonaro para a alimentação escolar, muitas escolas públicas têm diminuído as refeições e alterado a qualidade dos alimentos. Exemplo são escolas municipais em Araucária, no Paraná.

Segundo a professora de educação infantil do município e ex-conselheira do Conselho Municipal de Educação, Adriane Aparecida Ribeiro Zuge, o que divulgam no cardápio é diferente do que é entregue.

“O cardápio é um e o que servem na merenda é outro. Tem só chá com pão para as crianças. Antes tinha bolo, pudim, achocolatado, ovo, e hoje é todo dia chá com pão. Outra coisa que perdemos é a diversidade de alimentos, tão importante nesta idade. Sopa é feita com o que resta do almoço, e dia algum tem salada, outro não”, relata.

Adriane ainda cita que as profissionais que servem a merenda ficam sem saber o que fazer quando uma criança pede para repetir. “Às vezes, nem chá tem mais para repetir. Já dá pra sentir o impacto desses cortes”, diz.


“Às vezes, nem chá tem mais para repetir", relata professora da educação infantil / Arquivo

Comida só na escola

Para a nutricionista e também integrante do Conselho de Alimentação Escolar do Paraná, Juliana Gonçalves, diante da realidade do Brasil atual, é preciso garantir uma alimentação saudável para crianças que, muitas vezes, só têm acesso à comida dentro da escola.

“Principalmente pós pandemia, oferecer esse tipo de lanche é reduzir o acesso das crianças a vitaminas e sais minerais. Se as crianças tivessem, por exemplo, acesso a uma boa alimentação em casa, não haveria esse impacto na saúde. Mas sabemos que essa não é realidade de muitas famílias”, diz. 


Especialista alerta para baixo valor nutricional da merenda / Arquivo

Repasse só diminui

Segundo estudo da Associação Nacional de Pesquisa em Financiamento da Educação (Fineduca), há, além da estagnação, uma queda de investimentos na merenda escolar desde 2017. Em 2014, o repasse foi de R$ 6 bilhões; em 2021, R$ 4 bilhões e, em 2022, menos de R$ 3, 9 bilhões.

Segundo José Valdivino, conselheiro do Conselho de Alimentação Escolar do Paraná, a queda de investimento e o corte já feito para o orçamento de 2023 impactarão negativamente os municípios pequenos.

“Só não terão problemas cidades grandes e o próprio estado, mas as redes municipais de ensino de cidades menores já sentem. Por exemplo, aqui o Estado cortou aquisição de alimentos das cooperativas, trazendo prejuízos para agricultores e diminuindo variedade do que é oferecido aos alunos. Mas eles conseguiram comprar carne, óleo, com licitações. Mas isso não acontece em cidades pequenas, que não conseguem fazer essa contrapartida”, diz.

O Observatório da Alimentação Escolar divulgou nota técnica apontando que o congelamento dos valores por aluno do PNAE é parte do desmonte da educação e uma violação ao direito humano à alimentação e à nutrição adequadas, pois, para muitas crianças, adolescentes, jovens e adultos a alimentação escolar é indispensável para suprir as necessidades diárias de nutrição.

“Nos últimos anos, a perda crescente na quantidade e qualidade da alimentação escolar vem sendo observada em escolas de todo o País, com graves consequências sobre o aumento da fome”, diz a nota.

O que diz a prefeitura

A assessoria de comunicação da Prefeitura de Araucária respondeu em nota: “A Secretaria Municipal de Educação de Araucária informa que os cardápios são elaborados por nutricionista, responsável técnica do PNAE, e estão adequados conforme a nova Resolução n°06/2020 do FNDE. Os cardápios estão publicados e são executados nas Unidades Educacionais e só são alterados mediante situações pontuais justificadas e autorizadas pela nutricionista responsável técnica. Destaca-se que fatores de mercado, clima e sazonalidade também são situações que acabam interferindo na execução dos cardápios sendo necessário o envio de produtos substitutivos.” 

Edição: Frédi Vasconcelos e Lia Bianchini