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Coluna

A questão agrária e as eleições de 2022

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A relação de forças desses projetos em disputa pode ser analisada diante dos aspectos da questão agrária brasileira - Giorgia Prates
O Inpe apontou um aumento de 8% das queimadas na Amazônia

Para tratarmos sobre a questão agrária hoje e a relação com as eleições, é preciso fazer um levantamento das categorias principais para uma análise de conjuntura. Fazer um esforço de sistematização que conste: o acontecimento; o cenário; os atores; a relação de forças, e por fim, correlacionar estes quatro elementos com a estrutura (SOUZA, 1984).

Desde a eleição do presidente Jair Bolsonaro (2018) tivemos uma série de acontecimentos que sintetizam o que significa o projeto do bolsonarismo.

Alguns exemplos podem ser entendidos como “acontecimentos” e “cenários”, de acordo com as terminologias apresentadas por Betinho (1984), são a ausência de demarcação de terras indígenas, que se desdobram em uma crescente dos territórios ocupados por madeireiros, grileiros e fazendeiros vinculados diretamente ao aumento da violência sexual de meninas e mulheres de comunidades indígenas; ademais, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) apontou um aumento de 8% das queimadas na Amazônia quando comparado ao mesmo período do ano anterior (INPE, 2022); e por fim mas não menos importante, temos o dado de 33 milhões de brasileiros passando fome.

Todos estes fatos possuem vínculo direto com o debate sobre a questão agrária, visto que esta temática trata de um conjunto de análises que buscam entender a concentração de terras, a noção de posse, o uso e a sua utilização (STÉDILE, 1997). Na medida em que madeireiros, grileiros, fazendeiros ocupam as terras produtivas de comunidades tradicionais para produzir monocultura para vender ao mercado externo, brasileiros e brasileiras se deparam com a fome.

No que se refere aos atores envolvidos nessa trama são especialmente as comunidades tradicionais, as mulheres, crianças e as pessoas negras, que são as principais acometidas pela política de Estado mínimo e burguês que Bolsonaro oferece.

Em resumo, sobretudo neste ano eleitoral, temos uma disputa de projetos que aponta de um lado a luta da classe trabalhadora pela sobrevivência e de outro um projeto hegemonizado por uma burguesia dependente do controle imperialista estadunidense que está em uma crise prolongada e em decadência no que se refere às mudanças geopolíticas e a transição hegemônica para uma acumulação de capital rumo a China.

Embora este processo de transição demonstre uma fragilidade do modelo capitalista de produção, deve acionar um alerta para esses países, o que Florestan Fernandes chamou de subdesenvolvidos, como é o caso do Brasil (1987), pois o imperialismo - assim como em outros momentos da história - tende a incidir no processo democrático eleitoral brasileiro.

A relação de forças desses projetos em disputa pode ser analisada diante dos aspectos da questão agrária brasileira, em que de um lado podemos dar ênfase ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e a agricultura familiar num geral, em que se concentram os maiores produtores de alimento do país, que produzem com a finalidade de atender as necessidades da sobrevivência social, com um modo de construir relações com o meio ambiente, com a comida e com as pessoas por meio da práxis da agroecologia. Do outro lado temos o projeto do agronegócio, legitimado pelo bolsonarismo, e que tem suas raízes históricas na colonização, em que, financiados pelo desenvolvimento capitalista comercial de 1500 a 1850, transformaram toda nossa riqueza em mercadoria ao perceberem a fertilidade de nossas terras e a possibilidade de produzir aqui o que faltava na Europa, estruturando uma produção em larga escala que se desdobrou no modelo agroexportador (STÉDILE, 1997) organizado por meio do plantation, ou seja, por meio de grandes áreas de monocultura voltadas para a exportação, com o emprego de mão de obra escravizada (GORENDER, 2016).

Por fim, trago estes elementos históricos vinculados aos acontecimentos contemporâneos no exercício de compreender como o que vivemos hoje é produto da organização social estruturada pelo modo de produção colonial escravista (1808-1860), mais tarde capitalista competitivo (1860-1950), e hoje capitalista monopolista (FERNANDES, 1987) que vive sua fase de instabilidade, representada pela crise do capitalismo e crise do imperialismo.

Este rebaixamento se dá em três âmbitos: o político, o militar e o cultural, em face às alianças da China com a Rússia, entre Iraque e Irã, Rússia e Síria, entre outras regiões da Ásia Ocidental, região rica em gás e petróleo, e da América Latina especulada pelo mercado internacional.

O aprofundamento da crise política e social como projeto do capital é a disseminação concreta da barbárie, da violência política e a constituição de uma massa de trabalhadores e trabalhadoras "sobrantes" que podem morrer de vírus, de bala, ou de fome.

Desta forma, este ano de eleições, diferente dos anteriores, será sobre escolher entre ter futuro ou a barbárie, anunciando para nós, lutadores e lutadoras, a necessidade da implementação de um programa popular de enfrentamento da crise que dependerá de nossa capacidade de mobilização e influência na sociedade, que deve disputar a simbologia do bicentenário desta falsa independência, relacionando com a profunda crise social da qual nosso povo vive.

Referências:

FERNANDES, F. A revolução burguesa no Brasil: ensaio de interpretação sociológica. 3. ed. Rio de Janeiro: Guanabara, 1987.

GORENDER, J. O Escravismo Colonial. Editora Expressão Popular: Fundação Perseu Abramo: 6 Ed. São Paulo, 2016.

Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais. TerraBrasilis: PRODES (desmatamento). Disponível em: http://terrabrasilis.dpi.inpe.br/app/map/deforestation?hl=pt-br

SOUZA, H. J. Análise de Conjuntura. Editora Vozes. Rio de Janeiro: Petrópolis, 1984.

STÉDILE, J. P. A questão agrária no Brasil. São Paulo: Atual, 1997.

Edição: Pedro Carrano