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Regulamentação da Cannabis Sativa: o que precisamos saber?

Câmara do DF deve votar neste semestre o Projeto de Lei que regulamenta o cultivo da planta

Brasil de Fato | Brasília (DF) |
Além do DF, outros Estados brasileiros enviaram para a Câmara Legislativa projetos de leis que regulamentam o cultivo da cannabis para fins medicinais e científicos - Foto: Laura Achcar Mourão

Com o retorno aos trabalhos nesta semana, a Câmara Legislativa do Distrito Federal deve votar, ainda neste semestre, o Projeto de Lei (PL) 2899/2022 apresentado pelo Deputado Distrital Leandro Grass (PV) que regulamenta o cultivo da planta cannabis sativa para fins medicinais e científicos.

A redação da PL de autoria do escritório Melo Mesquita e Advogados trata exclusivamente do plantio para estes propósitos.

"O texto é muito preciso em regulamentar o cultivo de cannabis para fins medicinais e científicos no Distrito Federal. A previsão dessa regulamentação está na lei de drogas, que é uma lei federal. Está no artigo 2°, parágrafo único, que poderá a União regulamentar, autorizar o cultivo de plantas das quais se possam extrair drogas para fins exclusivamente medicinais e científicos", diz Rodrigo Mesquita, advogado, sócio no Escritório Melo Mesquita Advogados. 

O Deputado Leandro Grass afirma a importância da proposta de regulamentação, pois acredita que ao ser sancionada irá preencher um vácuo jurídico sobre o tema.

"O Superior Tribunal Federal tem começado a preencher as lacunas com algumas liminares com relação ao cultivo de plantas que se possam extrair drogas para uso medicinal e científico, porém o cultivo regulamentado para este fim precisa ser promovido porque é justamente onde a gente esbarra no ponto de vista científico na produção e na capacidade das nossas instituições e das próprias associações no sentido de desenvolverem as soluções e as terapias. Quando regulamenta o cultivo e o armazenamento você oferece segurança jurídica para quem quer garantir e promover saúde".

Thiago Ermano Jorge, presidente da Associação Brasileira das Indústrias de Cannabis (ABICANN), diz que os estudos sobre Cannabis Sativa mostram que não faz sentido, por opiniões ou visões ideológicas, não regulamentar e até não legalizar uma planta que renderia cerca de 30 bilhões de dólares por ano para o Brasil.


Thiago Ermano, presidente da ABICANN / Arquivo pessoal

"Temos a seguinte situação: o país voltou para o mapa da miséria. Nós temos dificuldades de pagar as nossas dívidas. Três a cada dez brasileiros não sabem o que vão comer amanhã. E o governo vai seguir sendo resistente, não cooperando com a regulação e a legalização da Cannabis? Vai ser mantida aquela situação medíocre de 1938, período em que ainda nem existia genética? E isso por conta de uma informação que a maconha é do mal? O Estado tem a principal atuação. O Estado ao não regular  incentiva o crime e outras fontes que não são oficiais a realizar o trabalho com a Cannabis", cobra Thiago.

Uso medicinal

A Associação Brasileira da Indústria de Canabinoides (BRCANN), realizou um levantamento sobre as unidades federativas com mais pacientes autorizados a utilizar a Cannabis medicinal e concluiu que  no Distrito Federal, a cada 100 mil habitantes, 121,4 dos moradores têm autorização para uso do medicamento. Em números absolutos, o DF é o quinto com mais autorizações de importação, com 3.756 pedidos aceitos em 2021.

Paula Paz, moradora de Brasília, graduanda de Farmácia e idealizadora da Rede Terapêutica de Cannabis de Brasília, é uma das pessoas que possuem essa autorização. Mãe de um adolescente de 14 anos, que é autista e tem epilepsia e reconhece a importância do marco regulatório como essencial, uma vez que, os pacientes medicinais de cannabis, a partir dessa aprovação, poderão ter acesso justo e democrático impactando diretamente nos custos de manter o tratamento. 

"Entendemos que regulamentando o cultivo, o custo alto de importação e de medicamentos derivados de cannabis que estão nas farmácias irão ter queda significativa no preço. Só será possível acesso justo com a regulamentação do cultivo e incentivo aos estudos e  pesquisas científicas", afirma Paula.

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Preço justo?

A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aprovou a regulamentação de 18 produtos à base de cannabis no Brasil. Oito são à base de extratos de Cannabis sativa e dez do fitofármaco canabidiol. Após a decisão, os produtos feitos com cannabis para uso medicinal podem ser vendidos em farmácias no Brasil ou importados.


Preço do óleo pode custar entre R$ 200 a R$ 4.000 mil reais por fracos que podem conter entre 10 a 30 ml / Patricia de Melo Moreira/AFP

É importante ressaltar que os produtos só são vendidos com receita médica, e não são considerados medicamentos porque, segundo a Agência, ainda faltam testes clínicos que comprovem sua eficácia, porém a ONU inseriu a Cannabis na lista das plantas que têm propriedades medicinais reconhecidas.

O preço do óleo, atualmente, depende do local da compra, quantidade, fabricação e da concentração de Canabidiol (CBD) e do Tetrahidrocanabinol (THC). Pode variar de R$200,00 a R$ 4000 reais por frasco que pode conter de 10 a 30ml. Dependendo da dosagem a ser indicada, um frasco pode durar entre 15 dias a dois meses.

No entanto, ele pode ser fornecido pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Para isso, é preciso cumprir os requisitos de o produto a ser receitado pelo médico ter que fazer parte da lista de aprovados e liberados pela Anvisa para venda no Brasil; o paciente tem que comprovar que não tem capacidade financeira de custear o Canabidiol; e que não exista outro medicamento na lista de cobertura do SUS que seja igualmente eficaz ao Canabidiol. Para isso, o médico deve fazer um laudo explicando a situação, o estágio da doença e necessidade do produto.

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Paula Paz acredita que a cannabis deveria ser a primeira opção para diversas patologias, mas que geralmente só é enxergada como a última opção tanto pelo paciente como por parte de alguns médicos. 

"Quando alguém precisa fazer uso terapêutico da Cannabis, essa possibilidade só é enxergada como a última opção por causa do preconceito que precisa ser combatido todos os dias com informações e conhecimento sobre o uso científico e terapêutico. Ele está fortemente relacionado à criminalização da planta", explica.

Marina Marcondes, moradora de Brasília, jornalista especializada em Cannabis Medicinal e consultora canábica, relata também sobre o custo de uma consulta com médicos especialistas no tratamento com a Cannabis.


Marina Marcondes é especializada em Cannabis Medicinal / Arquivo Pessoal

"Infelizmente, o acesso a médicos prescritores ainda é uma realidade distante devido à média de valores de preços cobrados. Isto é basicamente para pessoas com bom poder aquisitivo que podem pagar por um Habeas Corpus, caso necessário, importar óleos ou então adquiri-los por meio de uma associação de pacientes. Grande parte da população ainda está muito distante desta possibilidade. Seja por falta de conhecimento, seja por falta de recursos financeiros", diz.  

O valor da consulta com um médico prescritor de cannabis gira em torno de R$ 300 a  R$ 500 podendo chegar até R$ 700. Com a aprovação do projeto de lei, a expectativa é que a importação reduza os preços dos produtos e incentive mais médicos a se especializarem na medicina proveniente da cannabis como também de o Sistema Único de Saúde oferecer profissionais especialistas na área.

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Tratamento

O tratamento realizado à base de Cannabis no Brasil só é possível a partir de prescrições médicas realizadas por profissionais da saúde – e não são muitos que conhecem ou recomendam o tratamento no país.

Marina Marcondes, questiona que somente 2% dos médicos brasileiros estão aptos a prescrever cannabis medicinal. São os chamados prescritores. Entretanto, há outros profissionais da saúde que também poderiam prescrever como nutricionistas, dentistas, fisioterapeutas e veterinários.

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"Há muito preconceito entre os médicos. Lembro de uma vez que fui a uma ginecologista e falei que estava tomando o óleo e a expressão dela de desdém me impactou. Se ela soubesse o quão benéfica a cannabis é para a saúde ginecológica da mulher, em especial para as mulheres que sofrem com cólicas e com endometriose, ela repensaria o posicionamento dela. Por isso a educação canábica é fundamental para todos e todas nós", diz Marina.

A médica Rebeca de Oliveira, está entre os 2% que prescrevem cannabis no Brasil. Além de prescritora, é farmacêutica, bioquímica e química. Ela revela que muitos pacientes ao chegarem em seu consultório estão consumindo diariamente diversos medicamentos alopáticos e ainda continuam com sintomas. 

"A depender da patologia, quando introduzido o uso do óleo de Cannabis, os sintomas diminuem. Por muitas vezes até tratam. Em geral, reduz a quantidade de medicamentos que o paciente faz uso a medida que o tratamento progride", conta a médica.

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Rebeca explica ainda, que o uso da cannabis medicinal trata, comprovadamente, três doenças. 

"Em consensos médicos são três: epilepsia, autismo e dor neuropatia/dor crônica. Mas é sabido que aproximadamente 29 patologias podem ser favorecidas pelas diferentes propriedades terapêuticas da planta, mas todas elas ainda estão em estudos. Porém, temos vários grupos de pesquisas mostrando a eficácia tanto do Tetrahidrocanabinol (THC), quanto do Canabidiol (CBD) em nosso corpo. O motivo do óleo funcionar nestas doenças se deve ao fato de que os canabinóides presentes na planta ativam o nosso sistema endocanabinoide", diz Rebeca.

Para o filho de Paula, o uso do óleo canábico apresentou  melhoras significativas no Transtorno do Espectro do Autismo (TEA).

"Meu filho melhorou a área cognitiva e motora, a concentração, hiperatividade e redução das crises de epilepsia. Hoje temos qualidade de vida. Também sou paciente e uso como ferramenta terapêutica para tratar fibromialgia. A Cannabis foi a nossa melhor escolha. Conseguimos em um ano parar de tomar todas as medicações que inclusive me geraram alergia. Sou muito grata a existência deste tratamento e me orgulho de ser uma mãe na luta pela regulamentação. Cannabis é saúde e qualidade de vida", afirma Paula.

Cultivo doméstico 

O texto da PL 2899/2022 não cita o cultivo por pessoa física, porém, o mesmo pode ser pleiteado via jurisprudência como o recente e inédito caso em que o Superior Tribunal Federal concedeu permissão para três pacientes de São Paulo. Dois para tratamento de doenças psiquiátricas, e o terceiro para diabetes, transtorno depressivo, fobia social e estresse pós-traumático. Na prática, a decisão autorizou o salvo conduto para cultivar e extrair em casa o extrato medicinal de cannabis sem o risco de prisão.

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Paula Paz, cobra ainda que o governo e o poder público além de regular o cultivo individual, apoie as associações de cannabis medicinal que atualmente fazem o papel do Estado, ao atender milhares de pacientes por todo país.

"Somos a favor do cultivo individual e fazemos parte do cultivo associativo medicinal da cannabis. Sabemos bem como é a luta diária para manter o tratamento contínuo de pacientes. E uma das nossas bandeiras é que o paciente tenha autonomia e o direito de escolher entre comprar o óleo ou  fazer seu óleo em casa", completa.

A médica Rebeca de Oliveira, acredita na importância do cultivo doméstico, pois é a favor da ampliação das possibilidades de tratamento, porém defende que as famílias que realizam o plantio doméstico tenham o acompanhamento e capacitação para a produção do óleo.


Apenas duas organizações estão autorizadas a plantar Cannabis para produção medicinal; uma delas, a Abrace, oferece opções de óleos a partir de R$ 80 / Divulgação/Abrace

"Essa aprovação é muito importante do ponto de vista social e médico, mas há uma preocupação também com relação ao controle  do cultivo no que tange ao uso de agrotóxicos e outros contaminantes que podem interferir na qualidade podendo até contaminar o óleo", alerta a médica.   

A prescrição médica é de suma importância, pois somente o médico especialista irá prescrever a dosagem adequada para cada caso, além de observar o composto do óleo que em seu relatório técnico deve conter que é livre de metais pesados e solventes. 

Marginalização da Cannabis no Brasil

O Deputado Leandro Grass afirma que  o primeiro passo para conseguir tirar a cannabis da marginalização é promover o debate e a boa informação.

"Temos que levar essa temática aos espaços públicos, ao legislativo e também às discussões das políticas públicas do poder  executivo. É preciso também fazer a comunicação com a sociedade", comenta o Deputado.

Para Pâmela Carvalho, historiadora, mestre em educação e pesquisadora das relações raciais e de como a criminalização da cannabis e de outras drogas tem um viés racial e racista na sociedade brasileira, a marginalização é um processo social e histórico.  Segundo ela, o uso da cannabis historicamente tem uma perspectiva racial, pois no período pós abolição, o uso da cannabis foi associado às populações negras.


Para historiadora Pamela Carvalho, debate também envolve racismo / Foto: Douglas Lopes

"Para que a gente saia da marginalização, precisamos ter um olhar global da sociedade e encarar o racismo. A história da criminalização remonta diretamente a história das populações negras e do racismo no Brasil. A partir de dados históricos, podemos descobrir que a maconha entra para o rol das substâncias proibidas na Era Vargas, num contexto de grandes mudanças  sociais e políticas do pós abolição", conta. 

Pâmela conta ainda que, o fumo de negro, termo utilizado na época para se referir a cannabis, passa a ser criminalizado dentro de um contexto de controle sobre o povo negro que saía da condição de escravizado para livre. Essa criminalização diz respeito também ao que se chamaria, ao utilizar outro termo histórico, de proibição e criminalização dos divertimentos e práticas socioculturais das populações negras.

Economia

Com a regulamentação e legalização sendo implementadas no Brasil, a cannabis medicinal e o cânhamo tendem a serem direcionados para a indústria. 

De acordo com o Presidente da ABICANN, a regulamentação e legalização da Cannabis medicinal e do cânhamo industrial impactará significativamente em 21 setores econômicos brasileiros. 

"Mais de 200 tipos de indústrias podem se beneficiar do cultivo, industrialização e  distribuição de Cannabis e produtos derivados, como por exemplo as que produzem plástico, madeira, metal, alimentos, biocombustíveis, rações para animais, ferramentas biológicas e ecologicamente ambientais para recuperar solos contaminados, por exemplo", relata.

Thiago explica ainda, que a cannabis tem a capacidade de estimular o nascimento de centenas e até milhares de Pequenas e Médias Empresas (PMEs) no Brasil e cobra a legalização do cânhamo.

"E também por que não legalizar o cânhamo industrial e aproveitar a economia por ele gerada? O país deixa de arrecadar orçamentos que ultrapassam os US$ 15 bilhões, por ano. Esse é o curso do preconceito", pontua Thiago.

Segundo Marina, a planta oferece significativo potencial para o ser humano  desde construção de habitações, produção de combustível, confecção de roupas, além dos medicamentos que ajudam a saúde humana e animal. 

"Meu sonho é que o Brasil e seus governantes consigam transpor o preconceito que gira em torno da planta e a abracem como ferramenta de transformação social, econômica e humana", revela.

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Mesmo com todo este cenário favorável economicamente, existe a preocupação das lideranças das favelas e periferias, como também de Pâmela, sobre o monopólio e o mantimento do escasso acesso aos produtos.

"Existe no Brasil e no mundo um monopólio de uma série de mercados. Não acredito em um movimento canábico e num movimento antiproibicionista que seja pautado a partir de monopólio. Enquanto ativistas de favela, estamos falando de uma proposição  de descriminalização das  vidas, especialmente de pessoas pretas e pobres. Estamos falando de democratização  e acesso. Então, entendo que a gente não pode ter toda essa luta para que depois a gente tenha monopólio da indústria e das associações. Não é interessante sair da descriminalização e cair no monopólio", pontua.

Falta de informação

Outra preocupação de extrema importância é que o acesso às informações sobre o cânhamo industrial e a cannabis medicinal não são pluralizadas pelo país. 

Pâmela Carvalho conta que embora as periferias e favelas tenham diferentes relações no que tange ao acesso à informação e a determinadas discussões, de forma geral, há uma dificuldade para que as informações seguras  sobre o uso medicinal da cannabis cheguem até a população periférica e favelada. 

"Temos dificuldades para que as informações seguras cheguem para nós. A Pandemia nos fez enxergar isso de forma explícita. Criamos então, nossos circuitos para a circulação de informação segura da favela para a favela porque os meios hegemônicos de comunicação  e também os grupos e grandes instituições que têm feito a discussão sobre cannabis medicinal e antiproibicionismos em geral, por exemplo, não estão tão próximos às favelas e periferias, o que dificulta o acesso dessa parcela da sociedade ao tema", observa Pâmela.

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O Presidente da Associação Brasileira das Indústrias de Cannabis (ABICANN) disse que várias propostas sociais já estão sendo pensadas dentro da Associação, uma delas é sobre informar as populações vulneráveis sobre o mercado da cannabis e as convidar para atuação. 

"As pessoas que se dispuserem a participar, atuarão como profissionais tanto técnicos, quanto em torno das cadeias produtivas da genética, agronegócio, pesquisa e desenvolvimento, inovação, indústrias e nas área de logística e comércio nacional e internacional, além de participar de programas de incentivos ao empreendedorismo, às criações de inovações e tecnologias para atender as necessidades de um mercado nascente, que ainda carece de profissionais pensando nas riquezas vindas das matérias-primas do Cânhamo e da Cannabis", pontua Thiago.  

Uso recreativo

Quando entra em pauta o uso recreativo da cannabis, a maioria dos parlamentares e a sociedade se declaram contra a regulamentação e legalização. Este é um dos motivos pelos quais até hoje a pauta medicinal e científica, não tiveram andamento significativo. 

Recentemente, a Polícia Civil do Rio de Janeiro instaurou um inquérito para investigar o cantor e rapper Filipe Cavaleiro de Macedo da Silva Faria, mais conhecido como Filipe Ret, pelo crime de tráfico de drogas, após ele oferecer cannabis sativa para uso recreativo, em sua festa de aniversário, no dia 23 de junho, no Vivo Rio, na Zona Sul da cidade.

O inquérito foi instaurado após as imagens da festa de aniversário viralizarem nas redes sociais. O crime de tráfico de drogas, que está previsto no artigo 33 da Lei 11.343 de 2006, proíbe venda, compra, produção, armazenamento, entrega ou fornecimento, mesmo que gratuito, de drogas sem autorização ou em desconformidade com a legislação pertinente.

A assessoria do cantor em nota informou que Filipe Ret, que já se declarou usuário, foi conduzido à delegacia e foi lavrado apenas um termo relativo à posse de maconha para uso pessoal.

Marina Marcondes explica que o uso recreativo também é terapêutico.

"Minha relação com a cannabis majoritariamente foi para o uso recreativo. Somente em 2019, descobri que ela poderia ser usada para fins medicinais. Quando você fuma para relaxar após um dia estressante, você está consumindo a planta para acalmar seus pensamentos, relaxar o corpo e espairecer. Isso é medicinal. Isso é cuidar da saúde", diz. 

Ao discorrer sobre a história da criminalização, Pamela alerta e cobra que os movimentos que trabalham pela regulamentação e legalização devem perceber os marcadores de raça relacionados ao uso. 

"É necessário observar quem usa o prensado e o óleo, pois tem um marcador social e racial nisso. Observar quem tem a possibilidade de plantar em casa e quem é esculachado pela polícia em dia de operação policial. Quem é preso como traficante mesmo portando somente um baseado e quem só assina um termo de usuário e é liberado a seguir. Isso tem um marcador de raça e de localização geográfica muito forte. O primeiro passo para que saia da marginalização é essa percepção, mesmo essa discussão sendo extremamente plural", cobra.

Thiago, presidente da ABICANN complementa que ao invés de cuidar da saúde da sociedade, o país prende e mata a própria população por causa de uma planta que foi proibida de nascer. 

"Qual a racionalidade disso? Com isso temos colocado jovens que poderiam ser recuperados socialmente em um sistema penitenciário entregando muitas vezes para o crime organizado de bandeja", diz.

A proposta sobre a legalização da cannabis para uso recreativo pela Comissão de Direitos Humanos no Congresso Nacional foi arquivada. 

Parlamentares, na época, alegaram que o país já enfrenta problemas com as atuais drogas legais, e que, não é coerente "legalizar algo que faz mal à saúde e alimenta o crime com a desculpa de que vai combater o crime organizado e o traficante".

Na comissão lembraram ainda que o vício não é penalizado, somente o lucro sobre o mesmo. E apresentaram que o Brasil já flexibilizou a penalização do porte de droga para consumo próprio (Lei 11.343, de 2006), não cabendo mais a pena privativa de liberdade, apenas alternativas.

Próximos passos 

Além do Distrito Federal, outros Estados brasileiros enviaram para a Câmara Legislativa o Projeto de Lei que regulamenta o cultivo da cannabis para fins medicinais e científicos.

O país segue o diálogo sobre este tema não mais sobre o viés de ser a favor ou contra o uso medicinal e científico, mas de como será o cenário geral pós-regulamentação, ao entender que diretamente são mais de 35 mil evidências que relacionam a Cannabis à saúde.

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O Deputado Leandro Grass diz que o próximo passo é buscar fazer o debate na Câmara Legislativa do Distrito Federal.

"Enquanto parlamentar, agora vamos debater na Casa e encaminhar dentro das comissões para aprovar no plenário o mais rápido possível. Após, segue para sanção do governador. Isso deve demorar poucos meses. Mas já achei interessantíssimo que tenha havido uma aceitação dos parlamentares, e também da própria sociedade", explica.

Pâmela Carvalho, cobra que as favelas, periferias e populações negras participem do debate da regulamentação da Cannabis, pois essa parcela da população está no centro deste diálogo, principalmente no que tange a guerra às drogas. 

"É importante estarmos nesse debate porque ele sempre foi sobre nós. Repito, a criminalização da cannabis tem haver diretamente com a criminalização dos corpos pretos. Além disso, na maioria das vezes, a gente não consegue acessar o tratamento porque não nos chega a informação da existência desta medicina, e de como acessá-la. O valor também é inacessível. Mas o caveirão da polícia militar chega nas favelas e periferias dentro do contexto dessa dita guerra às drogas. Não há como fazer esse debate de uma forma qualificada sem nós", finda. 

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Edição: Flávia Quirino