Rio Grande do Sul

Privatização

Governo Leite/Ranolfo finaliza a entrega da energia gaúcha à iniciativa privada

Movimentos populares, entidades da sociedade civil e partidos da oposição tentaram barrar o leilão

Brasil de Fato | Porto Alegre |
O governador Ranolfo Vieira e sua equipe festejaram a venda da estatal gaúcha de energia - Itamar Aguiar - Governo do Estado

O que restava de controle do Estado sobre a geração de energia elétrica foi entregue nesta sexta-feira (29) para a iniciativa privada através de leilão realizado em São Paulo por R$ 928 milhões. O governador Ranolfo Vieira e a equipe encarregada da venda da estatal gaúcha de energia festejaram o resultado e anunciaram um ágio de 10,93% sobre o valor. No entanto, o deságio real foi de 23% do valor pedido no leilão que não se concretizou em março que era de R$ 1,25 bilhão.

O certame aconteceu na sede da B3, com disputa acirrada entre a vencedora, empresa vinculada à CSN, e a Companhia Energética de São Paulo (Cesp), as duas proponentes qualificadas. O governador Ranolfo Vieira Júnior destacou a disputa, com mais de 20 lances. “Tivemos duas grandes empresas disputando e conseguimos concretizar esse processo de privatização, que se iniciou em 2019 e foi concluído agora com a alienação da CEEE-G, o último braço da companhia. A disputa entre duas companhias de grande capital referenda o valor da CEEE-G, que foi respaldado inclusive por decisões do TCE e do Judiciário", disse.

Além do governador, estiveram presentes no leilão os secretários de Parcerias, Leonardo Busatto, Meio Ambiente e Infraestrutura, Marjorie Kauffmann, da Fazenda, Marco Aurelio Cardoso, de Desenvolvimento Econômico, Joel Maraschin, e o procurador-geral do Estado, Eduardo Cunha da Costa.

A CEEE-G tem cinco usinas hidrelétricas (UHEs), oito pequenas centrais hidrelétricas (PCHs) e duas centrais geradoras hidrelétricas (CGHs) com potência outorgada de 920,64 MW. As unidades geradoras próprias são agrupadas em dois sistemas: o Departamento de Instalações do Sistema Jacuí e o Departamento de Instalações do Sistema Salto, com sedes nos municípios de Salto do Jacuí e Canela.

Movimentos tentaram barrar a privatização

Não foram suficientes as iniciativas de movimentos populares, entidades da sociedade civil e partidos da oposição para barrar o leilão. O Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4), numa decisão tomada em menos de 24 horas, derrubou uma liminar que não permitia a venda porque nela existiam áreas indígenas que estavam em negociação com a Funai.  

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Ex-trabalhadora da CEEE durante 32 anos, a engenheira eletrônica Beatriz Carlesso desabafou: "Não contente em vender usinas, barragens, lagos e entorno de reservatórios, o governo Leite/Ranolfo vendeu terras indígenas, em processo de negociação, tendo apoio ágil do Judiciário gaúcho, que cassou liminar do MPF que pedia retirada dessas áreas. O mesmo que indeferiu o recurso do Sindicato dos Engenheiros (Senge-RS) contra a redução não justificada de 33% no valor mínimo. O governo também contou com o apoio irrestrito do Tribunal de Contas gaúcho, na pessoa do relator Marco Peixoto, insensível às denúncias quanto ao prejuízo inaceitável para o Estado que o valor representa, e a inexistência de garantia no edital quanto ao plano de Previdência dos empregados".

Frei Sérgio Görgen, liderança do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), também ficou inconsolável ao saber o resultado do leilão. "A Companhia Estadual de Geração de Energia Elétrica (CEEE-G) do Rio Grande do Sul foi vendida para a Companhia Florestal do Brasil. O lance vencedor do leilão foi de apenas 10,93% superior ao estipulado pelo governo Leite para a privatização da estatal. O governo Leite já tinha vendido braços de distribuição e transmissão de energia elétrica e o povo gaúcho sentiu na pele que o serviço piorou e a conta aumentou. Em 2021, a CEEE Distribuidora foi privatizada por R$ 100 mil para o Grupo Equatorial. Já a CEEE Transmissão foi vendida à CPFL Energia por R$ 2,67 bilhões."

Ele lembrou também que Leonel Brizola, há 60 anos atrás, após anos de descaso com a distribuição e geração de energia em nosso estado, desapropriava a privada Bond & Share e começava uma história de desenvolvimento e crescimento com a criação da CEEE. "Hoje, de forma criminosa, assinaram a entrega desse patrimônio por uma ninharia. Entregaram para a iniciativa privada um patrimônio construído por mais de 60 anos pelo nosso povo", ressalta.

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A História

Conforme a história oficial da CEEE, ela foi criada em 1943, com o objetivo de prever e sistematizar, em plano geral, para todo o estado, o aproveitamento de seus potenciais hidráulicos em conexão com suas reservas carboníferas. Porém, a autarquia criada então somente supervisionava a atuação da iniciativa privada na geração e distribuição. Em 1959, insatisfeito com a política das empresas privadas voltada exclusivamente ao lucro, o governador Leonel Brizola as encampou.

Em 11/05/1959, através do Decreto nº 10.466, assinado pelo então governador Leonel Brizola, são encampados os contratos de concessão e declarados de utilidade pública, para fins de desapropriação, os bens aplicados pela Companhia Energia Elétrica Rio-Grandense (capital americano), nos serviços de eletricidade de Porto Alegre e Canoas.

Em 13/09/1961, através da Lei Estadual nº 4.136, o Governo do Estado do Rio Grande do Sul é autorizado a promover a organização de uma Sociedade por ações, a ser denominada Companhia Estadual de Energia Elétrica e destinada a projetar, construir e explorar sistemas de produção, transmissão e distribuição de energia elétrica.

Na última década do século passado, não sem muita resistência, o governador Antônio Britto desencadeou o processo de privatização que se encerrou esta semana. “Em 02/01/1996, é sancionada a Lei Estadual nº 10.681, que dá nova redação ao artigo 4º da Lei 4.136, de 13/09/1961, permitindo a alienação de até 49% do Capital Social da Companhia à pessoas jurídicas de direito público ou privado e, ainda, à pessoas físicas.

Para facilitar ainda mais as negociações, Britto realizou o desmembramento da empresa: a Lei Estadual nº 10.900 autoriza o Poder Executivo a proceder à reestruturação societária e patrimonial da CEEE, através de cisão, fusão, transformação, incorporação, extinção, redução ou aumento de capital ou a combinação destes instrumentos, podendo criar sociedades coligadas, controladas ou subsidiárias assim discriminadas:

1 - duas sociedades anônimas de geração de energia elétrica, a Companhia de Geração Hídrica de Energia Elétrica e a Companhia de Geração Térmica de Energia Elétrica;

2 - uma sociedade anônima de transmissão de energia elétrica, a Companhia Transmissora de Energia Elétrica;

3 - três sociedades anônimas de distribuição de energia elétrica, a Companhia Sul-Sudeste de Distribuição de Energia Elétrica; a Companhia Centro-Oeste de Distribuição de Energia Elétrica; e a Companhia Norte-Nordeste de Distribuição de Energia Elétrica;

4 - uma sociedade controladora (holding) das sociedades de energia elétrica, sob controle acionário do Estado do Rio Grande do Sul, que é a Companhia Estadual de Energia Elétrica – Participações”.

Uma a uma foram sendo vendidas.

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O comprador

O restante da entrega foi concluída pelo governo atual que abriu o controle estratégico da produção de energia elétrica, entregando o patrimônio público para a iniciativa privada. A empresa compradora é do grupo da antiga Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), que segundo o jornal Valor econômico, pertence ao senhor Benjamin Steinbruch.

Com o investimento, Steinbruch diminui os custos de sua companhia e aumenta seus lucros e dobra a sua capacidade de produzir energia. Conforme o Valor Econômico, "desde o final da década de 1990, a CSN tem uma vertical de energia que visa aumentar a diversificação. A principal função da unidade de negócio, no entanto, tem sido gerar energia para as próprias plantas da siderúrgica. O grupo tem também, indiretamente, 29,5% da Hidrelétrica de Itá, em Santa Catarina, e 17,9% da UHE Igarapava. Ainda conta com a Central de Cogeração Termelétrica e a Turbina de Topo, ambas localizadas na Usina Presidente Vargas em Volta Redonda".

O triste final de uma história de lutas que durou 80 anos e propiciou o desenvolvimento econômico e industrial do Rio Grande do Sul, suprindo suas necessidades energéticas. 


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Edição: Katia Marko