Ceará

Intolerância

Entrevista | “Essas pessoas estão assumindo seus traços mais violentos e fascistas”

Joana Borges conversou com o Brasil de Fato sobre intolerância política e o que esperar para o ano de 2022.

Brasil de Fato | Fortaleza (CE) |

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Na verdade, esse ato de violência significa uma manifestação muito nítida de que essas pessoas estão assumindo agora, verdadeiramente, os seus traços mais violentos, fascistas que se demonstram na prática - Elineudo Meira / @fotografia.75

Recentemente vimos o caso de violência em que um bolsonarista invadiu uma festa de aniversário que tinha como tema o Partido dos Trabalhadores e assassinou aniversariante em Foz do Iguaçu, região oeste do Paraná. Mas qual a motivação para tal violência? O que justifica esse ato? O que esperar para os próximos meses, já que estamos em ano eleitoral? Para falar sobre o tema o Brasil de Fato conversou com Joana Borges, historiadora, pesquisadora do Programa de Pós-graduação em Sociologia da Universidade Federal do Ceará, psicanalista e da Direção Nacional do Movimento Brasil Popular. Confira.

O que representa esse ato de violência?

É difícil ao falar dessa temática, ter que ser por esse motivo, o assassinato do companheiro Marcelo. Para nós, esse ato de violência extrema significa nada mais do que a maior demonstração de que a gente está vivendo um período não só sombrio, não só de exceção, não só coisa a parte, mas que começa a fazer parte do nosso cotidiano, começa a fazer parte das notícias, que começa a ter mais periodicidade. Diz respeito a essa ideia que setores da sociedade estão começando a achar que possuem um direito de ceifar vidas de outras pessoas por conta de seus posicionamentos políticos.

Na verdade, esse ato de violência significa uma manifestação muito nítida de que essas pessoas estão assumindo agora, verdadeiramente, os seus traços mais violentos, fascistas que se demonstram na prática, nesse ato horrendo de tirar a vida de outra pessoa de maneira banal, de maneira tão sem sentido, não que haja sentido de alguma forma, mas sem condições de imaginar que uma pessoa não pode mais sequer escolher o tema de aniversário, não pode sequer escolher que partido se filiar, não pode sequer escolher qual bandeira balançar. 

Então é um ato de violência que nos deixa muito estarrecidos porque coloca, na verdade, todo mundo em risco.

Inclusive, o presidente Jair Bolsonaro, conversando com os irmãos da vítima falou que isso é uma coisa da esquerda, que era um ato da esquerda. Eu queria que você falasse um pouco sobre esse fato.

É uma coisa que assim que acontece o assassinato e que é noticiado, começa a pipocar nas redes, na internet, essa ideia de polarização, que a polarização está muito acirrada. Na verdade, há de ser feita uma correção que polarização a gente sempre viveu no Brasil, o próprio Partido dos Trabalhadores, desde o começo da sua existência, sempre manteve relações de oposição contra muitos partidos políticos. Sempre houve segundos turnos muito acirrados na nossa história recente pós-ditadura militar, então fortalecer essa ideia de que é uma mera polarização e que é um caso isolado dessa polarização, é mascarar, na verdade, todo o teor superviolento que vem sendo construído desde a eleição de 2018, que vem tendo alguns acontecimentos, um pouco espaçados, mas que no plano geral exemplificam uma total anormalidade no exercício da política organizada no Brasil.

Então tratar isso como uma polarização, ainda mais querendo colocar a culpa na esquerda ou no PT, na própria vítima é mais um ato absurdo e mais um ato violento desse setor que pretende instaurar esse clima de direcionamento cada vez mais agressivo, cada vez maior para justificar todas as falas e posturas que também são violentas e que sustentam boa parte do discurso desse governo.


Tratar isso como uma polarização, ainda mais querendo colocar a culpa na esquerda ou no PT, na própria vítima é mais um ato absurdo e mais um ato violento desse setor / Elineudo Meira/@fotografia.75

Esse ato pode ser caracterizado como um ato de intolerância política?

Com certeza. As informações que a gente recebeu do assassinato do companheiro Marcelo nos traz as informações de que toda a movimentação inicial de embate, incitação de algum atrito ali entre eles começou também justamente por essas posturas políticas, por posição política. Então o assassino é eleitor do Bolsonaro, defende Bolsonaro e acha que não pode existir manifestações de esquerda, pró PT, pró Lula e se sentiu no direito de tomar uma ação como essa para garantir que aquele tipo de manifestação política não existisse.

Nós do Movimento Brasil Popular e boa parte da esquerda brasileira, estamos muito convencidos de que é uma ação de intolerância partidária, de intolerância política e mais que isso, é o exemplo, é a maior demonstração prática de que existe sim um sentimento crescente, uma elaboração, uma ideia crescente de uma posição realmente fascista na nossa sociedade que encontra não só na figura do presidente, ou dos seus filhos, na figura do governo esse discurso de violência, pró-armamentista, de combate aos opositores, mas que encontra a manifestação concreta e real na sua base que se expressa na vida cotidiana, nos nossos bairros, nas nossas cidades, podendo alcançar qualquer um de nós. 

O que você acredita que encoraja e incentiva fins como esses?

A intolerância política poderia alcançar outros patamares que não necessariamente esse mais extremo de assassinato, de extermínio que, nesse caso, foi pessoal, foi de um a um, mas que a história nos demonstra que é possível sempre nos surpreendermos com crimes hediondos e de grande escala, então sempre começa com algum tipo de incentivo à proibição ou a não tolerância de pensamentos contrários.

A gente vem observando, desde 2018, até um pouco antes, mas que se agudiza com a eleição do presidente Bolsonaro essa ideia de que esse antagonismo que existe, que é real, ele tem que tomar contornos concretos, práticos que deem conta, que deem um resultado fora das urnas, fora das eleições, mas, de fato, um resultado positivo para esses setores de que nós, de alguma forma, estamos sendo eliminados realmente, não simplesmente perdendo eleição, não simplesmente na disputa ideológica, de ideias, mas nós estamos realmente perdendo nossas vidas, nosso espaço, nossa condição própria de vida material.

Então os discursos, principalmente armamentista, creio eu que seja a base de todo esse, digamos, modo de pensar bolsonarista, tanto é que o símbolo deles é fazer uma arminha com a mão, inaugura, não que seja uma novidade para o Brasil conviver com algum nível de violência na sociedade, na cultura, mas inaugura uma banalização e uma normalização de que não só possuir arma é legal, como é necessário, e que agora não é só para defesa como antes de eles gostavam de dizer, mas para a própria ação ativa, poder conseguir então executar uma ação como um assassinato, como a eliminação de um opositor político.

Seria a própria banalização da vida?

É a banalização da vida, é a banalização do que seria um debate de projeto de país, é a banalização do que deveria ser a preocupação que é transformar esse país para todos os brasileiros, e é a banalização da nossa própria condição humana, é achar que a vida é tão banal e qualquer coisa. A vida do meu opositor, obviamente, da pessoa que eu tenho antagonismo, que eu posso simplesmente ir lá e com o aval e a chancela de todo esse ideal armamentista, violento, segregador vou lá e executo. Então é um perigo muito grande que a gente observa, que a gente vem observando atentamente, mas que isso agudiza cotidianamente.

Esse fato pode ser considerado um alerta para o que a gente pode esperar para esse ano de 2022?

Acredito que se quisermos ser cautelosos e aprender com os nossos acontecimentos cotidianos, no contexto político brasileiro, deveríamos todos ficarmos em alerta.

Já há alguns anos atras, durante uma caravana do ex-presidente Lula, o ônibus dele foi alvejado de balas, houve várias falas ameaçadoras em relação as militâncias de esquerdas, assassinatos de líderes políticos e envolvidos com movimentos populares, com movimentos indígenas. O caso do Dom e do Bruno é um caso também muito recente, muito paradigmático para gente, representa também essa condição da violência e da banalização da nossa vida, da nossa condição enquanto o sujeito político, militante, ativo, que tem direito no Brasil de exercer a sua posição política e de exercer trabalhos que envolvam a preservação do meio ambiente, a preservação de vários setores que são constantemente perseguidos por esse governo.

A gente vem observando uma crescente, na verdade, de violência e de perseguição. Então o assassinato do Marcelo é como se fosse agora não mais um sinal de alerta, acho que a gente já vai tendo algum sinal de alerta, acho que agora é mais uma confirmação de que nós não estávamos errados em pensar de que existiria sim um momento em que seria demonstrado na prática as reais intenções por trás desse discurso de violência e armamentista. Provavelmente a intenção é essa, é permitir que as pessoas se armem para colocar na prática o extermínio dos opositores políticos e assim estabelecer no Brasil um cenário de violência aberta, civil, o que muito nos preocupar.


Devemos fazer denúncias o quanto possível, mas também devemos colocar o nosso bloco na rua e devemos garantir que nós consigamos alcançar cada vez mais pessoas. / Foto: Joana Borges

Quais os caminhos para evitar esse tipo de ação?

Acredito que a primeira coisa é termos a capacidade de dialogar com a sociedade nesse sentido, não é uma polarização simples. Nós temos que conseguir estabelecer a narrativa de que há uma perseguição política muito mais grave, muito mais séria, muito mais dura que culmina na morte de pessoas e que não diz respeito a polarização política que já vivemos, que é da década e 1980 para cá.

A primeira questão é conseguir estabelecer e aí conseguir, inclusive, combater as narrativas até mesmo das mídias oficiais, dos jornais oficiais que tendem a reforçar essa ideia da oposição, da ideia da polarização. Então o primeiro passo seria garantir de que polarização política pode existir, é até mesmo, em algum nível, saudável, porém não necessariamente e de jeito algum, na verdade, deve alcançar algum patamar de violência física e muito menos de extermínio.

O segundo passo é garantir a segurança das nossas organizações políticas, garantir a solidariedade entre toda a esquerda. Esse é um momento de muita unidade, de muita garantia de unidade e garantir que os nossos debates, os nossos discursos e os nossos trabalhos ideológicos sejam também exemplo. Nós sempre fomos a favor de uma cultura da paz e é necessário que a gente, nesse momento político tão agressivo, consiga então cada vez mais estabelecer que o trabalho político deve ser feito no Brasil hoje é de reconstrução, é da gente conseguir garantir que as pessoas saiam da fome, saiam da miséria, do desemprego e não que a gente tenha que passar o período político tentando sobreviver a perseguições políticas.

E por último, embora acreditemos que temos que ter essa postura de uma certa paz, de garantir que a gente consiga ter um território pacífico de debate, também não acho que devemos ter uma posição frágil ou uma posição que retroceda, uma posição, digamos assim, suave ou leve no sentido de aceitarmos essas barbaridades. Devemos fazer denúncias o quanto possível, mas também devemos colocar o nosso bloco na rua e devemos garantir que nós consigamos alcançar cada vez mais pessoas no sentido de tanto garantir a reconstrução do país, mas como também de denunciar esses atos de violência e de como isso é sustentado por esse governo.

Acredito que são passos necessários para que a gente consiga garantir, minimamente, um avanço seguro nesse período eleitoral que começa a se anunciar de maneira muito trágica.

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Edição: Camila Garcia