Paraná

Violência no campo

Tive que sair do meu país para reivindicar um direito, diz esposa de camponês assassinado no PR

Antônio Tavares foi morto em ação da PM, em 2000; caso está sendo julgado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos

Curitiba (PR) |
Corte Interamericana julga país pelo assassinato do camponês Antônio Tavares - Reprodução web

A Corte Interamericana dos Direitos Humanos (CIDH) iniciou o julgamento do Estado brasileiro no caso do assassinato do trabalhador rural sem terra Antônio Tavares. A audiência aconteceu nesta segunda (27) e terça (28), na Costa Rica. O caso aconteceu em 2000 e, além da vítima fatal, deixou outras 185 pessoas feridas. Na audiência, foram ouvidas a esposa de Tavares, uma testemunha que foi ferida, representantes das organizações que defendem as vítimas e representantes do Estado.

O crime aconteceu na Rodovia BR-227, em Campo Largo (PR), durante uma marcha pela reforma agrária. A Polícia Militar reprimiu violentamente a manifestação de camponeses do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).

Desde 2014, os denunciantes originários do caso - Terra de Direitos, Comissão Pastoral da Terra (CPT), Justiça Global, MST e Rede Nacional de Advogados e Advogadas Populares (Renap) - iniciaram tratativas para tentar buscar uma solução junto ao Estado brasileiro, mas foram todas frustradas.

Como todas as possibilidades no sistema de justiça nacional esgotadas, os peticionários solicitaram que o caso fosse levado à CIDH. Em fevereiro de 2021, a jurisdição da Corte Interamericana aceitou o caso.

Maria Sebastiana, viúva de Antônio Tavares, ao ser inquirida presencialmente na Corte, reafirmou que mesmo depois de tanto tempo, ainda aguarda justiça e espera que nenhuma outra família sofra.

“É muito difícil, são 22 anos lutando por justiça. E agora ter que sair do meu país para reivindicar algo que é direito...Espero que nenhum trabalhador morra por defender direitos. Nenhuma outra família passe o que a gente passa até hoje”, disse durante a audiência.

Sem ajuda do Estado

Ao ser questionada sobre o apoio do Estado desde a morte do marido, ela afirmou que nunca houve.

“Nunca tivemos ajuda desde o início. O corpo foi trasladado com a ajuda do [ex-]deputado Dr. Rosinha [PT]. Depois, sobre as investigações eu só ficava sabendo pelos advogados do movimento. A gente teve um recurso que veio de uma ação movida na justiça e tivemos um salário mínimo para dividir por três filhos até os seus 25 anos. Agora, já não tem mais”, contou.

Sebastiana também contou que as vidas dos seus filhos foram impactadas. “Foi muito difícil, não tem como descrever. Todos ficaram doentes, uns tiveram que parar de estudar para ajudar em casa, outra teve depressão”, relatou.

“Os policiais me chamavam de vagabunda”

Assim como a vida da família de Antônio Tavares foi duramente impactada, a da agricultora Loreci Lisboa também. Como testemunha na audiência, ela relatou as agressões que sofreu no dia.

“A primeira coisa que eu senti foi uma coronhada na cabeça, que tenho até hoje um buraco. Depois, eu tomei três tiros: um na perna, outro no braço e um na nádega. Já estava deitada no chão, eles mandavam o cachorro morder e chamavam a gente de vagabunda”, relembrou.

Loreci chegou a ficar meses sem poder andar, com uma filha pequena e contando com a ajuda da mãe para lhe dar banho, entre outras atividades.

No dia do crime, a camponesa testemunhou a morte de Antônio Tavares. “Quando chegou certo momento, um policial estava com a arma na mão, e socando todo mundo. Quando a gente viu, saiu aquele tiro e logo depois o senhor Antônio Tavares caiu no chão e logo socorrido por quem conseguia. A polícia continuou batendo mesmo com ele no chão”, finalizou.

Impunes

Apesar das provas de autoria do disparo que levou matou o camponês Antonio Tavares, o policial Joel de Lima foi absolvido na Justiça Militar.

Após denúncia feita pelo Ministério Público, foi dado início a uma ação penal da justiça estadual. No entanto, o Tribunal de Justiça pôs fim ao processo criminal sob o fundamento de que o caso já havia sido arquivado pela Justiça Militar. A Procuradoria de Justiça não recorreu da decisão. Com isso, tanto o assassinato do camponês quanto a agressão aos 185 permanecem impunes.

Representantes do Estado que participaram da audiência não negaram que o tiro e os ataques vieram por parte da PM. Afirmaram, porém, que toda ajuda necessária já foi prestada à família.

As organizações representantes das vítimas reafirmaram o pedido para que a Corte Interamericana condene o Estado brasileiro.


Antônio Tavares foi morto e 185 integrantes do MST foram feridos pela polícia militar em uma marcha pela reforma agrária, em 2000. / Arquivo APP Sindicato

Reforma Agrária

A advogada e militante do MST, Josiane Grossklaus, falou em nome do movimento dizendo que, além da reparação à família de Tavares e outros camponeses feridos, espera-se também reparação histórica com a efetivação da reforma agrária.

“Para o MST, a reforma agrária é a principal reparação a Antônio Tavares e tantos outros homens e mulheres tombados na luta pela Terra. A expectativa das vitimas é de que se promova a responsabilização do Estado por tão graves violações dos direitos humanos”, concluiu.

Ao final da audiência, foi concedido prazo até 29 de julho para que as partes apresentem alegações finais por escrito, contendo também informações e detalhes que venham a ser solicitados pela Corte.

O caso Antônio Tavares é o terceiro a ser analisado pela jurisdição da Corte Interamericana envolvendo trabalhadores rurais sem terra. Em 2009, a Corte considerou o Brasil culpado pela não responsabilização dos envolvidos no assassinato de Sétimo Garibaldi, agricultor morto em 1998 durante um despejo ilegal de um acampamento do MST, em Querência do Norte, também no Paraná. No mesmo ano, a Corte também condenou o Brasil pelo uso de interceptações telefônicas ilegais em 1999 contra associações de trabalhadores rurais ligadas ao MST, também no Paraná.

*Com informações da Terra de Direitos

Edição: Lia Bianchini