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DIREITO TRABALHISTA

Saque do FGTS gera insegurança a médio prazo aos trabalhadores

"Com esse resgate, esse dinheiro vai se esvaindo da conta dos trabalhadores enquanto o governo faz propaganda enganosa"

Curitiba (PR) |
“Quando ele se torna desempregado, conhece o amargor do fim do seguro-desemprego, de não obter uma nova colocação no mercado. O FGST que ele sacou vai fazer falta. - Divulgação

O Saque Extraordinário do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) de R$ 1 mil terá os últimos depósitos em junho. No dia 1, receberam o pagamento trabalhadores aniversariantes de outubro. No dia 8, receberão os nascidos em novembro e, por último, no dia 15, as pessoas que fazem aniversário em dezembro.

Sobre a antecipação do saque do FGTS promovida pelo governo federal, o professor de Direito Trabalhista Cesar Bessa, da Universidade Estadual de Londrina (UEL), é taxativo: “Obviamente, os empregados acham isso bom porque é dinheiro na mão diante das necessidades, mas o problema é que a finalidade do FGTS vai perdendo o sentido”.

“No auge da pandemia, ao invés de dar algum auxílio ou bolsa, o governo federal liberou parte do FGTS dos trabalhadores para que eles sacassem seu próprio dinheiro, reservado para ser utilizado quando estivessem desempregados”, alerta.

“Agora, novamente o governo federal liberou mais R$ 1 mil para os trabalhadores e se a gente for perguntar, eles estão satisfeitos e o governo fazendo propaganda enganosa, como se ele estivesse dando algum auxílio às pessoas”, opina o professor.

Ele cita que o dinheiro do FGST normalmente é usado no Fundo de Amparo ao Trabalhador, que promove outras assistências aos trabalhadores, como o próprio seguro-desemprego. “Com esse resgate, esse dinheiro vai se esvaindo da conta dos trabalhadores enquanto o governo faz propaganda enganosa porque o FGTS está perdendo a sua natureza.”

“O próximo passo é, obviamente, o governo fazer mais desse tipo de liberação e com isso vai desnaturando cada vez mais o FGTS. A gente já começa a presumir que o governo, daqui a pouco, vai questionar se o empregador tem mesmo que pagar o FGTS, que representa um custo a mais.”

Bessa lembra que o FGTS foi criado em 1966 pelo ministro de Planejamento Roberto Campos, no governo do presidente Castelo Branco, durante a ditadura militar.

“Ele surgiu para substituir o regime de estabilidade de emprego, que era regido pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) como um sistema protecionista aos empregados. Num primeiro momento, ele aparece como uma opção, mas os empregados, na verdade, eram obrigados a optar pelo FGTS mesmo que não quisessem, sob pena de serem demitidos.”

“Em 1988, surge a Constituição Federal que realmente revogou de vez a estabilidade de emprego no regime da CLT e instituiu apenas o regime do FGTS, que passa a ser obrigatório”, relembra o professor.

Bessa explica que no sistema de estabilidade de emprego, o empregado não podia ser demitido se completasse dez anos de contrato de trabalho. “Era um sistema que, teoricamente, seria para proteger o trabalhador, mas que, de fato, ocasionava um processo de demissão dos empregados no período que antecedia os dez anos de contrato. Havia muito conflito judicial nessa época.”

Segundo o professor, o FGTS garante uma certa previdência aos empregados, para que, em caso de demissão, tenham uma reserva de dinheiro. Pela legislação, o empregador deve depositar, mensalmente, 8% do valor do salário do empregado em uma conta do FGTS na Caixa Econômica Federal.

“Este valor fica reservado para o empregado utilizar fundamentalmente quando ele for demitido do emprego sem justo motivo. Ele vai precisar de dinheiro para se alimentar, para alimentar a sua família durante o período de desemprego e é para isso que serve o FGTS, fundamentalmente”, diz Bessa.

Ele reforça que o fundo pode ser usado ainda no financiamento de moradia do trabalhador, quando estiver gravemente doente, entre outras situações de exceção. “É um salário guardado para ser utilizado no futuro, no desemprego.”

“Essa situação é perigosa e as pessoas não estão pensando claramente sobre isso. É um ataque a um instituto jurídico que serve para proteção do próprio trabalhador”, alerta Bessa, sobre o saque extraordinário.

Saque antecipado é medida eleitoreira

Para o juiz do Trabalho Reginaldo Melhado, o saque antecipado do Fundo de Garantia na atual conjuntura é uma medida eleitoreira. “O presidente da República se mostra, aparentemente, desesperado com uma performance ruim nas pesquisas eleitorais.”

“Ele faz um governo indigente, incapaz de administrar a crise. Não tem uma política econômica definida. Só pensa em economia pela perspectiva do banqueiro, do grande capital, nunca pela perspectiva das classes trabalhadoras”, completa Melhado.

Segundo ele, “o saque extraordinário parece bom, de imediato, mas a médio e longo prazo é ruim, pois gera insegurança para o conjunto das classes trabalhadoras, mais uma vez mostrando que o sistema é sempre perverso”.

O juiz recorda que, mesmo criado como alternativa para o regime de estabilidade de emprego, o FGTS flexibilizou ainda mais as relações de trabalho no Brasil, “que estão entre as mais flexíveis do planeta”.

“O Fundo de Garantia passou a ser imposto pelos patrões e se o trabalhador ‘aceitava’ a opção pelo regime de estabilidade, ou ele não era contratado ou não permanecia na empresa, porque ele optava antes de adquirir o direito à estabilidade.”

“O FGTS é um paliativo porque, teoricamente, um ano de contribuição corresponde a mais ou menos um mês de salário, se a remuneração do trabalhador é estável. Na conjuntura atual do capitalismo, com os avanços tecnológico e científico destruindo postos de trabalho, o FGTS acaba sendo um alento, dentro desse contexto de precariedade do trabalho no Brasil”, assinala Melhado.

Conforme ele, quando o presidente da República adota essa estratégia de liberar o Fundo de Garantia por outras razões que não o desemprego, ele antecipa o saque e, naturalmente, permite que o trabalhador levante o dinheiro.

“Acaba parecendo bom para o empregado porque ele está sempre precisando de dinheiro e está levantando um valor com que ele não contava. Acaba tendo até uma certa simpatia pelo governo, mas é um presente de grego.”

“Quando ele se torna desempregado, conhece o amargor do fim do seguro-desemprego, de não obter uma nova colocação no mercado. O FGST que ele sacou vai fazer falta. Eu, particularmente, acho muito ruim. Na verdade, o sistema deveria garantir o emprego, mas como não garante, o Fundo de Garantia acaba sendo alguma coisa positiva”, finaliza Melhado.

‘Todo dinheirinho que a gente consegue ajuda’

A psicóloga Marina (nome fictício), de 36 anos, acaba de se mudar com o marido e duas filhas para uma casa no Jardim San Fernando, em Londrina, e usou o saque extraordinário do FGTS para quitar as despesas da mudança.

“Soube por meio de uma amiga sobre o FGTS extraordinário e resolvi sacar. Me mudei de casa há pouco mais de um mês, então gastei bastante e ficaram algumas pendências. Eu decidi fazer o saque para ajudar na quitação dessas continhas que ficaram da casa onde eu estava morando anteriormente. Não é nada emergencial, mas é um dinheiro que vai me auxiliar nesse momento”, justifica a psicóloga.

Ela conta que não tem medo de ficar descoberta no futuro porque o valor do saque corresponde ao trabalho realizado em uma empresa da qual ela deixou o cargo há um mês. “Como eu fiz um acordo, consegui sacar só 80% do valor, então esse saque não é da empresa atual. Eu já estou recolhendo da mesma forma, então não é um golpe que me gere preocupação.”

“Acho que essa medida veio para ajudar o trabalhador. Nós estamos vivendo um momento de crise, então acredito que todo dinheirinho que a gente consegue ajuda, sim, na necessidade emergencial de cada um.”

“Claro que pegar o montante no final de um contrato de trabalho é muito mais valoroso, a gente consegue talvez comprar uma coisa maior, uma casa e coisas desse tipo, mas diante da situação que o país vem vivenciando, com alto preço das coisas no mercado, conta de luz, tudo muito caro, eu acredito que esse saque seja importante sim”, avalia Marina.

Como resgatar

O crédito do FGTS extraordinário é feito em uma conta poupança social, aberta automaticamente pela Caixa Econômica Federal e acessada pelo aplicativo Caixa Tem. Com este valor, é possível pagar contas, utilizar o cartão de débito virtual, além de fazer compras pagando com o QR Code, por meio do Caixa Tem.

Os valores podem ser consultados pelo aplicativo do FGTS ou site da Caixa. O crédito automático pode ser desfeito até 10 de novembro. O trabalhador que não quiser receber o saque extraordinário do FGTS deve acessar o aplicativo FGTS ou ir à uma agência da Caixa para informar que não deseja receber o dinheiro. O crédito não sacado até 15 de dezembro retornará ao FGTS.

De acordo com dados da Caixa Econômica Federal, cerca de R$ 30 bilhões serão liberados para aproximadamente 42 milhões de trabalhadores com direito ao saque.

Edição: Pedro Carrano