Paraná

EMBATE POLÍTICO

Artigo | Hora de Ciro Gomes meditar

A linha política de Ciro também mudou quanto às alianças

Curitiba (PR) |
A imitação caricaturava aquilo que muitos viam em Ciro: uma pessoa inteligente, que falava forte, que fazia cálculos complexos de cabeça, que sabia os números da economia e que falava mais de propostas do que de pessoas
A imitação caricaturava aquilo que muitos viam em Ciro: uma pessoa inteligente, que falava forte, que fazia cálculos complexos de cabeça, que sabia os números da economia e que falava mais de propostas do que de pessoas - Divulgação

Acho que a decepção é maior quando a gente espera mais da pessoa. É por isso que o pior discurso de posse de uma presidente, para mim, é o do primeiro mandato do FHC. Elogios ao neoliberalismo que me fazem corar. E é triste ver um discurso tão desinformado e covarde de alguém que demonstrava certo conhecimento em um dos livros escritos por ele e que eu li.

No livro “Cartas a um jovem político”, FHC faz algumas análises interessantes. A que mais me marcou foi a de que uma das grandes dificuldades de se ser presidente é que as pessoas têm medo de lhe dizer a verdade quando as coisas vão mal. Imagine-se sendo o ministro da economia e tendo de avisar o presidente de que as coisas não vão bem. Você estará diante da pessoa que pode lhe tirar o cargo, que tem visibilidade, que qualquer veículo de mídia vai ouvir. Não é uma situação fácil e é natural que se tente enviar a mensagem da maneira mais açucarada possível.

FHC trata em seu livro da dificuldade de se ouvir a verdade dos outros quando se é presidente, mas o fato é que tal problema se apresenta nos mais diversos níveis. Um cantor pode se iludir com os elogios de sua equipe e fãs, um palestrante carismático pode começar a se sentir um verdadeiro gênio. E me parece que esse tem sido o serviço promovido pela turma boa que cerca Ciro Gomes. É difícil não reconhecer a grande capacidade intelectual de Ciro. E é fácil imaginá-lo como um presidente fazendo aquilo que outros não fizeram e que nos aproximaria de uma sociedade que percebe sua própria situação. Afinal, é para isso que eu voto. Não vislumbro um presidente quebrando paradigmas de Estado, economia e política, mas se ele facilitar as condições para que o povo veja, então acho que o meu voto é válido.

Ciro reapareceu nas eleições de 2018 como uma esperança por parecer diferente das opções que tínhamos. Alguém que tinha uma proposta e que estava muito menos preso a elos políticos antigos. O candidato da turma boa não venceu, mas se fixou no cenário político brasileiro. Foi imitado pelo humorista Marcelo Adnet, que à época tinha um esquete destinada a representar as grandes figuras da política brasileira. A imitação caricaturava aquilo que muitos viam em Ciro: uma pessoa inteligente, que falava forte, que fazia cálculos complexos de cabeça, que sabia os números da economia e que falava mais de propostas do que de pessoas.

Não me parecia difícil ver qual era a personagem que Ciro iria realizar na vida política brasileira: a do político que fala de propostas e que olha para o futuro. Mas no meio do caminho algo deu errado. Ciro formou uma equipe que acreditou na ideia de se aproximar dos jovens e de bater muito em todo mundo.

A ideia era simples, apesar de bastante estúpida para qualquer um que esteja acompanhando a política nacional. Ciro iria se tornar o acusador e dizer que a briga entre Lula e Bolsonaro iria destruir o país, que ambos eram corruptos e que a culpa da ascensão de Bolsonaro era de Lula. A linha política de Ciro também mudou quanto às alianças. Não havia pureza nas coligações ciristas, mas elas estavam bem longe do que viriam a ser. Elogios a Datena, aproximação com Bivar. Tudo óbvio. A linha era a de ser igual aos outros candidatos, chamar a atenção através de falas polêmicas, entrar nas redes sociais, tentar resgatar o voto dos conservadores e religiosos fugindo dos temas mais polêmicos. A teoria de que as pautas identitárias não interessam ao povo foi tomada de canudinho. Uma das teorias mais sem fundamento da atual política.

Parafraseando Jorge Aragão, aí foi que o Barraco desabou, nessa que o barco – do Ciro – se perdeu. Cada vez aparecendo mais, mas ganhando menos apoio e admiração, Ciro atingiu o fundo do poço quando resolveu fazer um react do programa Greg News. A arrogância de quem é elogiado a todo momento transpareceu no react e no famigerado debate entre Ciro e Duvivier que se seguiu. Aquele que era a esperança de muitos se desnudou para entrar no grupo dos “ele é só mais um”.

Esse foi o fim de Ciro Gomes? Talvez. Tudo depende dos próximos passos. A história está cheia de figuras que tiveram o seu momento de peregrinação, isolamento, reflexão e voltaram para realizar grandes coisas. Às vezes, parar e refletir é melhor que continuar numa loucura desenfreada.

Sim, a eleição está próxima, mas não vejo outra saída para Ciro além de uma parada para encontrar seu centro. O que falta no menu de candidatos não é um que faz alianças espúrias, não é um que só ataca seus adversários, não é o arrogante e que só fala de si. O candidato que falta é o que fala do futuro, o que em vez de acusar fala de projetos, que, em vez de adaptar seu discurso para agradar algum nicho, fala daquilo em que acredita. Alguém que dá esperanças, que acalma um Brasil nervoso. Tem coisa mais inútil do que criticar as duas pessoas mais criticadas do país e que ganham parte dos seus votos pelo medo que a população tem da eleição do outro? O novo Ciro precisa abertamente se negar a falar de figuras políticas, dos erros deles e de seus próprios acertos. O que precisamos é de alguém que fale do futuro, que nos ajude a sonhar e esse não é o Ciro que estamos vendo. Mas só uma pessoa pode tomar essa decisão. Só Ciro pode subir a montanha para meditar. Só Ciro pode silenciar e aprender. Ou pode aceitar ser sempre o segundo e ter sua relevância só quando se gaba dos feitos do passado.

*Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Pedro Carrano