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Bolsonaro quer privatizar a administração dos portos brasileiros

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O eufemismo para a “desestatização” é usado nas abordagens sobre o tema. A atual privatização é parte do famigerado Programa de Parcerias de Investimentos (PPI) - Divulgação Companhia Docas
Governo entregou até agora para empresas privadas 36 terminais portuários, 6 rodovias e 6 ferrovias

O leilão da Companhia Docas do Espírito Santo (Codesa), no primeiro semestre de 2022, foi a primeira privatização de uma companhia pública de gestão dos portos no Brasil, realizada pelo atual governo de Bolsonaro.

O Brasil tem sete companhias como essa, que administram os principais terminais portuários do país nos estados do Pará, Rio Grande do Norte, Ceará, Bahia, Espírito Santo, Rio de Janeiro, São Paulo, incluindo o Porto de Santos, o maior da América Latina, na mira de dois grupos internacionais, a estadunidense EIG Global Energy Partners e a transnacional de logística dos Emirados Árabes Unidos, DP World.

As companhias públicas são responsáveis pela autoridade portuária, administrando o trânsito de mercadorias entregues por navios, caminhão e trens. Obviamente, há segmentos dos portos arrendados à iniciativa privada. Os terminais, por exemplo, são concessões privadas, mas até então sob o comando de uma administração pública.

Entrega do patrimônio público

O governo Bolsonaro tem fracionado, desgastado e sinalizado privatizar a Petrobras, buscado privatizar Correios e Eletrobras, e agora coloca a leilão, por baixo dos narizes dos setores mais críticos, estruturas ligadas aos modais de transporte.

Desde 2019, o Ministério de Infraestrutura se orgulha de ter leiloado 36 terminais portuários, 6 rodovias e 6 ferrovias, números anunciados pelo atual ministro, Marcelo Sampaio, em conferência promovida pelo Banco Itaú ainda nesta semana.

O laboratório dessa privatização, segundo o ministério da Infraestrutura, foi justamente a Codesa, no Espírito Santo. Logo depois, estão na mira o porto de Itajaí (SC); porto de Santos (SP) e de São Sebastião (SP); Canal de Paranaguá (PR), ao lado do arrendamento de 19 terminais portuários.

O Centro Brasileiro de Infraestrutura informa que o Brasil possui 99 portos e terminais marítimos ao longo dos 7.491 km de extensão de sua costa oceânica, cujas movimentações são responsáveis por mais de 95% das mercadorias exportadas e importadas no país.

Bolsonaro mantém o PPI

O eufemismo para a “desestatização” é usado nas abordagens da mídia empresarial sobre o tema. A atual privatização é parte do famigerado Programa de Parcerias de Investimentos (PPI), criado pela Lei nº 13.334, de 2016, no governo Michel Temer, justificado pelo site do governo brasileiro a partir da finalidade de “fortalecer a interação entre o Estado e a iniciativa privada, por meio da celebração de contratos de parceria e de outras medidas de desestatização”.

Como o próprio Temer afirmou recentemente, Bolsonaro cumpre fielmente o seu legado passado o golpe de 2016 e, além da manutenção de reformas e privatizações anteriores, seu governo privatiza rodovias, ferrovias e os terminais portuários. No Espírito Santo, o fundo de investimentos Shelf 119 Multiestratégia, da gestora brasileira Quadra Capital, será responsável pelos portos em um contrato de concessão de 35 anos, prorrogáveis por mais cinco, pelo valor de R$ 106 milhões.

Até vozes que não são contrárias necessariamente à privatização questionam, porém, o que se ganha com a medida. Em entrevista ao portal Modais em Foco, o engenheiro Frederico Bussinger, que foi presidente da Docas de São Sebastião (SP), afirma:

“Em síntese: 1) os benefícios previstos para o porto e região podem vir a ser em escala bem menor que as expectativas geradas; 2) para o concessionário a desestatização tende a ser um excelente negócio; 3) bom negócio também para a União, que até pode vir a ser beneficiada com o processo de desestatização já nesse 2022; consumando-se ele ou não”.

Resistências

Tudo isso recebe questionamento do movimento operário. Um amigo estivador, com quem fiz uma pós-graduação em economia política na Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), informou que houve resistência contra esse processo, realizado sem qualquer diálogo pelo governo. Houve greves também de dezembro a fevereiro no estado.

“Fizemos paralisações. Mobilizações diversas. O governo foi um trator”, afirmou, preferindo não se identificar.

A Federação Nacional dos Estivadores denuncia a estratégia de o governo fazer a privatização em cada estado, de forma a fragmentar e a quebrar a ação do movimento sindical, nas palavras de José Adilson Pereira, presidente da federação.

O dirigente sindical compara o atual modelo privatista com o modelo de governança dos portos na Austrália, no qual a autoridade portuária passa para um ente privado. Trata-se de uma entrega ao capital da gestão dos portos brasileiros. “Pode aumentar e deve aumentar o custo portuário, há também o risco de aumento das tarifas devido à empresa buscar o retorno ao seu capital”, indica.

Sem o papel do Estado na regulação das relações de trabalho, os trabalhadores da estiva, os trabalhadores avulsos nos portos e funcionários da administração também se preocupam com a intensificação da exploração da força de trabalho e com o fato de a negociação salarial ser feita diretamente entre gestão privada e trabalhadores. Pereira cita o enfraquecimento do Conselho de autoridade portuária, quem define o plano portuário regional em cada estado. “Afinal, quem define a política portuária?”, questiona.

A plenária nacional da Federação Nacional dos Estivadores será feita nos dias 17 e 18 de maio. Deve definir táticas no que se refere ao processo jurídico e mobilizações contra as privatizações.  

Resta saber agora como será a reação do movimento operário e sociedade civil contra mais essa privatização, que reforça a ponte de Temer e Bolsonaro com um país sem futuro.

Edição: Frédi Vasconcelos