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Restaurado, "Deus e o Diabo na Terra do Sol" será novamente exibido em Cannes após 58 anos

Clássico de Glauber Rocha foi lançado mundialmente em 1964 no mesmo local

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Corisco enfrenta Antônio das Mortes: cena clássica - Reprodução

Um dos marcos do cinema brasileiro, Deus e o Diabo na Terra do Sol será exibido no 75º Festival de Cannes, na França, como parte da mostra Cannes Classics. O segundo longa de Glauber Rocha, filmado em 1964 em Monte Santo, sertão da Bahia, passou por processo de restauração nos três últimos anos, projeto desenvolvido pelo produtor Lino Meireles e pela diretora Paloma Rocha, filha de Glauber.

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Deus e o Diabo teve estreia mundial justamente em Cannes e ganhou indicação à Palma de Ouro. Uma honraria que havia sido obtida dois anos antes, 1962, por outra obra-prima nacional: O Pagador de Promessas, de Anselmo Duarte.

A última digitalização do longa foi feita em 2002. Agora, o filme foi restaurado com a tecnologia 4K, na Cinecolor, empresa parceira da Cinemateca Brasileira. Esta obra escapou do incêndio ocorrido em um galpão da Cinemateca, há quase um ano.

Verde no chão seco

A notícia foi celebrada pelo cineasta Kleber Mendonça Filho, diretor de obras como O Som ao RedorAquarius e Bacurau. “Num ano com 0 filmes brasileiros novos (em sintonia com o país hj) o filme de Glauber é o verde no chão seco”, escreveu em rede social. O festival será realizado dos próximos dias 17 a 28. A mostra dos clássicos começa com La Maman et la Putain, longa de 1972 dirigido por Jean Eustache.

Na história filmada por Glauber a partir de meados de 1963, o vaqueiro Manuel (Geraldo del Rey) e sua esposa, Rosa (Yoná Magalhães) fogem para o sertão após ele matar um coronel que tentava enganá-lo. Lá, vão encontrar o misticismo (com Sebastião, vivido por Lídio Silva), o cangaço (com o “demoníaco” Corisco, na interpretação marcante de Othon Bastos) e o caçador de cangaceiros (Antônio das Mortes, com Maurício do Valle), entre outros personagens.

O filme tem fotografia de Waldemar Lima (com poucos recursos técnicos, conforme já comentou em entrevista), e a trilha sonora é assinada por Sérgio Ricardo, que canta em uma das cenas mais inesquecíveis não só da filmografia glauberiana, mas do cinema nacional. É marcante, também, o uso da obra de Heitor Villa Lobos, com uma de suas Bachianas – nesse filme, a de número 5.

Resistência cultural

“É um ciclo completo para a nossa restauração, onde o filme será reexibido pela primeira vez no mesmo local em que estreou. Que seja um novo chamado de resistência cultural”, afirma Lino Meireles, diretor do longa Candango: Memórias do Festival.

“Num país com a cultura tão depreciada, com a produção artística sofrendo ataques, fizemos um esforço de contracorrente. Isso só é possível porque o filme tem a força própria dele”, acrescenta Paloma Rocha.

Glauber tinha apenas 23 anos quando filmou o primeiro longa, Barravento, em 1962. Depois de Deus o Diabo, vieram Terra em Transe (1967) e o Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro (1969). O diretor morreu em 1981.