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Crise

Artigo | Hoje, no Brasil, estamos vivendo uma espécie de ditadura econômica

Trata-se de uma política econômica de imposição de valores absurdos aplicados justamente sobre os itens básicos

Curitiba |
Consequências dessa política econômica "são a fome, empobrecimento das famílias e o aumento da criminalidade e da violência", escreve pesquisador - Sergio Lima / AFP

Ao longo das últimas semanas, tentei pensar em uma expressão que melhor explicasse ou se aplicasse ao momento social, político e econômico brasileiro atual, e a expressão ditadura econômica me pareceu bastante adequada.

Posso dar pelo menos dois bons argumentos para essa denominação. O primeiro se refere a uma política de imposição, restrição e agressividade econômica perpetrada pelo próprio governo brasileiro contra o povo brasileiro, em segundo, temos uma participação maciça de militares na governança de estatais e em cargos estratégicos do governo que reforçam esse quadro econômico desastroso e que afeta a todos nós.

Para dar reforço a esses argumentos, destaco que o momento que estamos vivendo se assemelha em muito com o modelo político e econômico vivido no Brasil durante a ditadura militar, no qual houve a hiperinflação dos alimentos, altas taxas de desemprego, achatamento de salários, práticas de corrupção não investigadas e ainda a ampliação da desigualdade econômica entre pobres e ricos (NOGUEIRA, 2019; SANZ e MENDONÇA).

Hoje, os tanques de guerra deram lugar às empresas de investimentos e a farda verde oliva foi substituída pelo terno e a gravata que vestem os homens de negócios, os representantes do mercado.

Nesse contexto ganha destaque dois nomes: Roberto Campos Neto, indicado por Bolsonaro para presidir o Banco Central, uma autarquia federal que hoje funciona de maneira “autônoma”, mas parece estar a favor do mercado, e Paulo Guedes, o ministro da economia que tem contas em offshore.

Campos Neto, quando assumiu a presidência do Banco Central, no final de fevereiro de 2021, afirmou que “a evidência empírica mostra que países que têm Banco Central mais autônomo, têm inflação mais baixa” (VILELA, 2021), entretanto, passado um pouco mais de um ano, os produtos nas prateleiras dos supermercados dizem outra coisa. Ou seja, a taxa de juros no Brasil é uma das mais altas do mundo, perdendo somente para Rússia, que está em guerra (MALAR, 2022). Ora, se o Brasil não está em guerra, o que explica essa hiperinflação a frente de dezenas de países que também não estão?

Curiosamente, no mês de março deste ano, Campos Neto, como um alien recém-chegado ao Brasil, se disse surpreso com o alto valor da inflação, assim como com os resultados negativos das “reformas”, melhor dizendo, com a destruição dos direitos trabalhistas e da seguridade social dos brasileiros aprovados pela Câmara e pelo Senado. O que de positivo isso poderia gerar?

Na mesma vibe, para utilizar uma expressão informal, temos Paulo Guedes que, como um “General”, comanda do seu confortável escritório uma política econômica de espoliação dos trabalhadores que veem seus bolsos vazios, mesmo após um mês inteiro de trabalho extenuante, ao mesmo tempo que como uma doce fada, metaforicamente falando, favorece os sujeitos de terno e gravata do mercado, o empresariado financista, “os industriais”, as mineradoras, as empresas suíças, alemãs e estadunidenses de produtos químicos para o agronegócio e o próprio agronegócio que surfam na onda das exportações com soja, milho e carne, enquanto os brasileiros ficam à sua própria sorte.

Adicionalmente, gostaria de dar destaque a um outro grupo que também se beneficia desse contexto, são certos sujeitos que não apareciam muito na mídia econômica: os ACIONISTAS e os INVESTIDORES.

Quem são esses sujeitos? De que país além do Brasil sugam nossos bolsos? 

Pois é, eu não sei ao certo, mas de uma coisa eu tenho certeza, que com Bolsonaro-Guedes nunca antes esses seres quase invisíveis obtiveram tantos ganhos sob o “lombo” dos brasileiros, que na tentativa de sobreviver, tem que entregar grande parte dos seus parcos ganhos às “estatais-privadas” que fornecem o gás, a energia elétrica, a água tratada e os combustíveis, para justamente enriquecer os investidores estrangeiros. Isso mesmo, a ditadura econômica “criou” uma “nova estatal”, a “estatal-privada” que pode ser definida como aquela instituição pública que antes fornecia serviços básicos a população com preços justos e passa a funcionar como uma empresa privada, que visa o lucro, quando um novo presidente ou governador irresponsável e entreguista assume o cargo por meio do voto.

Nesse cenário, esses sujeitos que acumulam somas vultuosas sem trabalhar e sem mostrar o rosto se alimentam da liberdade econômica concedida aos gestores das concessionárias de gás (COPAGÁS), petróleo (PETROBRAS), energia elétrica (ELETROBRAS, COPEL) e água (SANEPAR), que uma vez privatizadas/invadidas (quase doadas ou cedidas) pelo governo federal e governos estaduais, impõem uma política de preços abusivas sob o slogan de modernização das instituições públicas. Isso tudo sob a chancela do Ministério de Minas e Energia comandada hoje pelo Almirante Bento Albuquerque e pela agência reguladora ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica) que regula as taxas a favor dos acionistas e investidores e desregula para a população.

E é justamente aqui que esse fenômeno que tentamos descrever, a ditadura econômica, mostra a sua face, nela o governo federal ou estadual transforma as estatais que antes serviam a população com serviços básicos, em verdadeiras máquinas de fazer dinheiro, esvaziando os bolsos e a geladeira dos trabalhadores.

No Paraná, a COPEL e a SANEPAR são ótimos exemplos de “estatais-privadas” que tem praticado preços abusivos sob a inação ou aval do governador Ratinho Jr. Segundo notícia recente do jornal o Plural, como prêmio pela gestão dos altos preços da conta de energia elétrica aplicada aos paranaenses, o presidente da COPEL recebeu um bônus de 427 mil reais (GALINDO, 2022).

Em resumo, a isso que estamos chamando de ditadura econômica parece ser uma forma de conduzir a política econômica governamental que para além da inflação enquanto taxa gerida pelo Banco Central e explorada pela mídia burguesa, trata-se de uma política econômica de imposição de valores absurdos aplicados justamente sobre os itens básicos para a sobrevivência dos brasileiros, tais como água, energia, gás de cozinha, eletricidade e combustíveis e que influenciam de maneira direta o preço dos alimentos, e cujas consequências são a fome, empobrecimento das famílias e o aumento da criminalidade e da violência.

Isso é ou não é uma ditadura?

Enfim, essa é uma condição que precisa ser denunciada, pois ela tem sido construída sobretudo com o apoio da mídia burguesa como uma coisa natural, como consequência da pandemia ou de uma suposta crise mundial pós-pandêmica, porém, para o bem da verdade, trata-se de fato de uma política econômica artificialmente criada que covardemente afeta a todos nós e os nossos filhos.

Ora, ficarmos atentos a essa política opressora e aos discursos que as sustentam é uma necessidade premente para que ela não se torne NORMAL sob justificativas vagas e cínicas fundadas ora na falta ou no excesso de chuvas, ora na elevação do valor do dólar, ora em uma guerra ocorrendo no leste europeu que tem pouca ou nenhuma relação econômica com o Brasil.

* Roberto Barbosa é pesquisador e professor da Universidade Federal do Paraná (UFPR).

**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Frédi Vasconcelos e Lia Bianchini