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“Queremos professores!”: o que nos ensinam os estudantes do Paraná

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“Queremos professores!”, na verdade, traduz a valorização dos serviços públicos de qualidade como ponto de partida para o atendimento das necessidades da população - Giorgia Prates
Uma onda de protestos tem se espalhado por escolas estaduais contra o modelo de aulas online

Em educação, um princípio é básico: sem acordos bem estabelecidos, há sérios riscos de fracasso. É possível que as poucas semanas de implantação do “Novo” Ensino Médio no Paraná já tenham proporcionado este aprendizado a Renato Feder, atual secretário de educação do estado. Desde sua indicação para a pasta, aliás, ficava evidente que alguém com o perfil de Feder contribuiria pouco para a educação pública. Dono de um grande grupo privado que atua na área de tecnologias educacionais, o empresário tratou de trazer para as escolas estaduais seu faro de lucro e visão de educação como mercadoria.

Contudo, na esteira de um processo de contrarreforma do ensino médio e da educação profissional que vem sendo denunciado há, pelo menos, seis anos, Feder e sua equipe não se lembraram de um detalhe: ao se implantar um novo modelo de ensino e uma reestruturação curricular profunda, é necessário que estudantes e seus responsáveis sejam, minimamente, informados das principais mudanças. Como descrevi na coluna de fevereiro para este portal, a Secretaria de Estado da Educação do Paraná (SEED) optou por privatizar a oferta do itinerário formativo técnico e profissional do “Novo” Ensino Médio, terceirizando a responsabilidade por disciplinas de cursos técnicos à Unicesumar, uma instituição educacional privada. Não bastasse a desnecessária substituição de professores concursados por profissionais do setor privado, todas as aulas-palestras referentes ao contrato entre SEED e Unicesumar são transmitidas via televisão, para dezenas de salas simultaneamente, em mais de 400 escolas em todo o Paraná. Os estudantes interagem com os professores, quando conseguem, por meio de tutores, que recebem uma bolsa de R$ 640,00 mensais e têm formação em ensino médio.

Ainda que se tratasse de um curso na modalidade Educação à Distância (EaD) e que as famílias tivessem sido informadas, já se trataria de um cenário de completa precarização da educação. Ocorre que, nesse caso, não houve nenhuma explicação no ato da matrícula e o governo estadual segue argumentando que não se trata de EaD, mas sim de uma “revolução tecnológica na educação”, como afirma o próprio secretário. O resultado tem sido a crescente mobilização social na defesa de um direito básico: o de aprender.

Iniciada no município de Cascavel, uma onda de protestos tem se espalhado por escolas estaduais do Paraná contra o modelo de aulas online, tendo uma palavra de ordem que sintetiza as reivindicações: “Queremos professores!”. A síntese é resultado da mobilização espontânea dos estudantes, que começam a sentir concretamente os efeitos nefastos da atual contrarreforma em termos de retirada de direitos. Apesar de simples, ela tem muito a nos ensinar.

A exigência de professores como resposta a um modelo de educação online expõe o fetiche assumido pela tecnologia na visão empresarial. Os artefatos deixam de ser fruto do trabalho e síntese de determinações políticas, tornando-se substitutos das relações sociais e humanas. Essa visão, incorporada pelo modelo educacional neoliberal, se traduz na defesa dos meios remotos de ensino como solução mágica dos problemas, descontextualizando as condições estruturais de um país com economia, tecnologia e ciência dependentes como o Brasil. Restam às classes populares os arremedos de EaD, utilizados como uma falaciosa estratégia de modernização.

Outro aspecto evidenciado pela palavra de ordem “Queremos professores!” é a reivindicação do direito ao aprendizado por aqueles que acessam os cursos de educação profissional. Em sua esmagadora maioria, esse contingente é composto por jovens filhos de trabalhadores. Temos denunciado o caráter fragmentador da atual contrarreforma do ensino médio, que induz a oferta do itinerário técnico e profissional a esse público e represa o fluxo ao ensino superior. Essa trajetória ficará, tendencialmente, reservada às classes médias altas e dominantes, que não vivenciarão experimentos perversos como o proposto por Renato Feder, mas seguirão cursando o ensino médio nas escolas clássicas de formação geral. O estado do Paraná coloca em prática essa lógica, que até então assumia caráter um tanto teórico no debate educacional.

Finalmente, chama a atenção a habilidade dos estudantes paranaenses em fazer aquilo que a conjuntura exige: pautar um projeto de educação para o país. A reivindicação daquilo que é o mais básico a um processo educativo seria prontamente atendida – e com custos mais baixos – se o governo do estado priorizasse a abertura de concursos públicos. “Queremos professores!”, na verdade, traduz a valorização dos serviços públicos de qualidade como ponto de partida para o atendimento das necessidades da população. Na teoria e na prática, o “Novo” Ensino Médio escancara o fato de que, com privatização, terceirização e contrarreformas, é impossível cumprir esse programa. Ainda que se apresente de maneira disfarçada e desonesta a centenas de milhares de estudantes, o projeto de contrarreformas tem vida curta, porque é alheio aos grandes problemas do povo. Que sigamos aprendendo com a luta cotidiana da juventude pelo aprendizado, pelo conhecimento e contra a desigualdade.

Edição: Pedro Carrano