Minas Gerais

PANDEMIA

Covid-19: entidades reforçam a importância de parâmetros para pensar medidas de flexibilização

“Hoje voamos às cegas sem indicadores precisos de aterrissagem”, enfatizam

Belo Horizonte (MG) | Brasil de Fato MG |
Entidades avaliam que as recentes decisões, como a suspensão de uso obrigatório de máscaras em alguns municípios, não são orientadas por parâmetros mínimos - Foto: Agência Brasil

Disponibilidade de leitos, cobertura vacinal, testagem, acesso a medicamentos e quantidade de casos a cada 100 mil habitantes, são alguns dos fatores que devem ser levados em consideração na construção de propostas de flexibilização das medidas de enfrentamento à covid-19.

Quem chama atenção é a Associação Brasileira de Médicas e Médicos pela Democracia (ABMMD), a Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) e a Rede Nacional de Médicas e Médicos Populares (RNMP).

Na nota “Covid-19: aspectos éticos e assistenciais para a volta à normalidade”, lançada na última sexta-feira (1), as entidades justificam que, no início da pandemia,  os parâmetros estabelecidos pela Organização Mundial da Saúde (OMS) para a deflagração de medidas mais duras de isolamento social foram importantes para a garantia do controle social. 

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Porém, avaliam que as recentes decisões, como a suspensão de uso obrigatório de máscaras em alguns municípios, não são orientadas por parâmetros mínimos e, dessa forma, podem ser influenciadas por atores desvinculados das questões colocadas pela emergência sanitária. 

“Hoje voamos às cegas sem indicadores precisos de aterrissagem”, enfatiza o documento. 

Segundo a nota, para a garantia de padrões éticos, assistenciais e de segurança sanitária, é preciso estabelecer uma quantidade de leitos clínicos e de UTI que devem permanecer  como retaguarda para possíveis novas ondas de covid-19. Testagem facilitada e a exigência de um nível mínimo de cobertura vacinal também são apontadas como parâmetros importantes. 

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“Alguns municípios vêm alcançando níveis de cobertura vacinal para idosos próximos a 90%, o que pode sinalizar uma meta igualmente alcançável para outras faixas etárias. O não atingimento do parâmetro mínimo exigível implicará na impossibilidade formal da autorização pelo poder público da suspensão do uso das máscaras em locais fechados ou de outras medidas de flexibilização”, afirma o documento.

Leia a nota na íntegra

Covid-19: aspectos éticos e assistenciais para a volta à normalidade

As recentes decisões relacionadas à suspensão da obrigatoriedade do uso da máscara com base na redução do número de internamentos e óbitos, (mas não do número de casos novos que continua alto no Brasil), ilustram um problema para o qual a Saúde Pública deverá ter resposta definida, pois a pressão para a tomada de medidas liberalizantes por parte de um Poder Público descolado das questões postas pela emergência sanitária e desconexas a um plano global de volta à normalidade serão crescentes e de difícil controle.

A definição de parâmetros mínimos da volta à normalidade é a única forma de dar à inteligência epidemiológica centralidade na tomada de decisões relativamente ao manejo da pandemia. 

Os parâmetros estabelecidos pela Organização Mundial da Saúde relacionados à taxa de ocupação de leitos críticos de 80% para a deflagração de medidas mais duras de Isolamento Social, tiveram imensa importância para a organização da oferta de serviços e para a mobilização e controle social no início da pandemia. Hoje, entretanto, voamos às cegas sem indicadores precisos de aterrissagem. 

Sem querer ser terminativo, o presente texto se propõe a iniciar esse debate crucial para o manejo da pandemia em vista de posicionar esse manejo sob a égide da razão e de exigências clínicas e epidemiológicas capazes de assegurar padrões éticos e assistenciais mínimos e níveis suficientes de segurança sanitária para os próximos passos.

Disponibilidade de leitos hospitalares, logística e profissionais

Os números da Covid-19 no que se refere ao quantitativo de internações  que ela pode produzir vêm se mantendo dentro dos limites definidos pelas pesquisas que atestaram a eficácia das vacinas, o que permite estabelecer uma “disponibilidade” de susceptíveis para o adoecimento e com isso um horizonte de leitos necessários, conforme a população e a cobertura vacinal. 

A recente explosão de casos da variante Ômicron em diversos países, não se acompanhou de um aumento dos internamentos comparável ao que ocorreu nas ondas precedentes. Isso ocorreu em parte devido à cobertura vacinal. As ondas anteriores, por sua vez, produzidas por outras variantes, em contextos acompanhados ou não de vacinação deixaram importantes registros do movimento hospitalar em diferentes contextos.

Isso significa que passa a ser possível a parametrização, com razoável margem de precisão, do número de leitos clínicos e de UTI que devem permanecer  como retaguarda para repiques da Covid-19. Tal parametrização pode ser obtida com base nesses registros máximos e mínimos de internamentos ocorridos na pandemia e em função dos níveis de cobertura vacinal e dos quantitativos populacionais. Quanto maior a cobertura menor a necessidade de leitos, índice cujo limite não é zero, mas a capacidade média de proteção dessas vacinas contra as formas graves, o que pode ser revisto a qualquer tempo ante o surgimento de uma nova variante.  

A necessidade de leitos de retaguarda deve ser somada à da existência de uma escala de profissionais rapidamente mobilizáveis para o enfrentamento da pandemia, o que deverá também ser o caso para as linhas de suporte logístico. 

A oferta de leitos hospitalares, profissionais e logística deverá atender um critério claramente definido para a volta à normalidade que deve ser parametrizado pela Saúde Pública.

Cobertura vacinal

Será necessária a definição pela Saúde Pública de uma cobertura vacinal mínima para a volta à normalidade. Alguns municípios vêm alcançando níveis de cobertura vacinal para idosos próximos a 90%, o que pode sinalizar uma meta igualmente alcançável para outras faixas etárias.

O não atingimento do parâmetro mínimo exigível implicará na impossibilidade formal da autorização pelo Poder Público da suspensão do uso das máscaras em locais fechados ou de outras medidas de flexibilização.

Testagem

Deverá ser assegurada e facilitada a testagem universal para a Covid-19, com liquidez imediata viabilizando o bom manejo da clínica de cada paciente em nível individual o que viabilizará, conforme o caso, o acesso aos medicamentos atualmente comprovadamente eficazes para o tratamento da Covid-19.

Medicamentos

Atualmente, alguns medicamentos vêm se mostrando eficazes no tratamento clínico da Covid-19 evitando as formas graves,  contando  com a chancela da Organização Mundial da Saúde.

No Sistema Único de Saúde, para as doenças infecciosas endêmicas,  é o caso, por exemplo da Tuberculose ou da AIDS, se garante o acesso universal ao tratamento medicamentoso com base num direito de cidadania.

Um critério de volta à  normalidade deverá considerar a oferta universal e simplificada desses novos medicamentos eficazes para quem adoeça de Covid-19 no contexto da liberalização das medidas de controle.  Isso implica na disponibilização de orçamentos públicos suficientes para tanto e na organização das ações e políticas de saúde correspondentes. 

Casos novos por cem mil

Algum parâmetro de incidência da doença deverá obrigatoriamente guiar qualquer proposta de volta à normalidade e deverá servir de parâmetro para os avanços e recuos que provavelmente serão necessários até que a pandemia fique para trás.

Outros

Outros elementos certamente poderão ser acrescentados a essa lista de necessidades, cabe a autoridade sanitária oficializá-los.

Atendido o conjunto desses critérios, medidas como o uso facultativo das máscaras em locais fechados poderão ser discutidas e adotadas de forma mais segura e responsável. Nunca há e não haverá risco zero, mas o que assistimos hoje é uma tomada de decisão baseada no voluntarismo de gestores públicos que correm o risco, cada vez maior, de se preocupar mais com os contextos eleitorais do que com os de Saúde Pública.

Se tivermos conduta ética e responsável, assegurando a todos os mesmos níveis de acesso ao diagnóstico, ao tratamento, ao internamento e à reabilitação, poderemos admitir a factibilidade ética e assistencial da liberalização progressiva dos mecanismos de controle que deverão, mesmo assim, estar sujeitos a possíveis revisões a qualquer tempo. 

Sem atender a esse conjunto de critérios, a volta à normalidade não será sustentável no plano clínico-epidemiológico, nem admissível do ponto de vista ético.

A volta à normalidade, para ser viável e justa, deverá ser uma construção coletiva baseada no compromisso do Poder Público e da sociedade e no respeito à ordem constitucional que prevê a saúde como um direito de todos e um dever do Estado. Sob nenhuma hipótese a volta à normalidade poderá ser entendida como o momento em que o Estado resolveu lavar as mãos e deixar os vulneráveis ao deus-dará. 

As repetidas decretações de volta à normalidade e abandono do uso das máscaras em locais fechados por parte de diversos estados e municípios não estão assentadas em medidas globais de proteção à população e obviamente produzirão novos casos, internamentos e óbitos em pessoas que não terão tido o acesso à melhor tecnologia diagnóstica e terapêutica hoje disponível.

ABMMD - Associação Brasileira de Médicas e Médicos pela Democracia

ABRASCO - Associação Brasileira de Saúde Coletiva

RNMP - Rede Nacional de Médicas e Médicos Populares

 

 

 

 

Edição: Larissa Costa