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Por que a decisão do STF é um marco na luta pelo direito à terra e à moradia?

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Derrotar a política de morte do bolsonarismo é tarefa que se faz em aliança, como as que enlaçam os movimentos sociais populares do campo e da cidade - José Odeveza
"Despejo Zero" tem sido uma potente ação para reconstruir a democracia e proteger vidas

Mais de meio milhão de pessoas em comunidades urbanas e rurais estão ameaçadas de despejo no Brasil. Diante do aumento da fome, inflação e desemprego e da falta de políticas públicas, o cenário imposto pelo Governo Federal aos mais pobres é o de fim de mundo.

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A organização do campo popular representada pela potente Campanha Despejo Zero contra-ataca e suas estratégias, mais uma vez, arrancam vitórias que garantem o direito à vida para quem mais precisa. Desde junho de 2021, o Supremo Tribunal Federal (STF), a partir do pedido do PSOL e demais entidades na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 828, havia garantido a suspensão dos despejos e desocupações em todo território nacional, confirmando a correlação entre direito à saúde, à vida e à moradia, especialmente no contexto de pandemia.

O prazo da suspensão foi estendido, em dezembro, para 31 de março deste ano, próximo à data em que Jair Bolsonaro (PL) vetou o Projeto de Lei dos Despejos, tendo sido derrotado no Congresso Nacional. Frente ao fim do prazo, os movimentos sociais e comunidades que já batalham cotidianamente para manter de pé suas diversas formas de morar, viver e trabalhar, articulados na Campanha Despejo Zero, foram às ruas em 17 de março, em mais de 20 cidades, para pedir nova prorrogação. Ao mesmo tempo, centenas de famílias de acampamentos rurais, organizadas junto ao MST, e de moradores de ocupações urbanas, articulados junto aos movimentos nacionais de moradia, escreveram cartas ao STF, situando no chão e no corpo a importância de manter a suspensão dos despejos.

Na última semana, a Campanha Despejo Zero retomou a agenda de mobilização nas redes sociais e nas ruas. Uma comitiva foi recepcionada pelo ministro relator da ação, Luís Roberto Barroso, e retratou a situação dos ameaçados de despejo. No dia seguinte (30), o tuitaço #BrasilSemDespejo atingiu 1º lugar no Twitter. À tarde, houve ato político em frente ao Congresso Nacional. No fim do dia, a vitória popular: o ministro estendeu a suspensão dos despejos até fim de junho de 2022.

A recente decisão do ministro Barroso, que vai a plenário nos próximos dias, traz algumas lições da contra-cartilha desenhada junto ao campo popular: a primeira lição mostra, uma vez mais, que as coalizões populares são capazes de furar o cerco ultraconservador e anti-pobre de governos e instituições, em arranjos criativos que combinam ferramentas político-jurídicas, comunicação contra-hegemônica e atuação em rede. A agenda do campo popular presente na ADPF 828 e reiterada pela Campanha Despejo Zero sai vitoriosa em suas pautas e estratégias.

Outra lição é que a decisão reconhece, reiterando a série histórica de manifestações do Supremo, o estado de absoluta vulnerabilidade a que estão expostas milhares de pessoas, num contexto em que não há política para atendê-las. A perversa combinação entre os efeitos da pandemia e da crise econômico-social, explicitada pelas articulações populares, ecoa no STF e determina que nossa luta seja, sobretudo, política: a Campanha é uma articulação para reconstrução da nossa democracia; não há cidadania sem moradia e o campo popular tem programa.

Outra lição ainda é que, entoando a força das alianças campo-cidade já presentes na luta popular, a recente decisão reitera que não pode haver tratamento diferenciado entre assentamentos urbanos e rurais, determinando que as garantias previstas no marco normativo se apliquem a todos no território nacional. O regime jurídico aplicável aos conflitos fundiários e as ações possessórias, fruto de históricos processos de luta dos quais a Despejo Zero é herdeira, foi fortalecido na decisão do Ministro Barroso: há que se aplicar as garantias previstas na Lei 14.216, no Código de Processo Civil e na Resolução 10/2018 do Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH).

E, por fim, em um cenário de fim do prazo da suspensão, as instituições públicas, governos e legislativo, devem garantir programas e políticas que atendam a necessidade dos hipervulneráveis e em situação de ameaça de remoção, para que não haja incremento no número de desabrigados e sim a garantia do seu direito à terra e à moradia adequada.

Derrotar a política de morte do bolsonarismo é tarefa que se faz em aliança, como as que enlaçam os movimentos sociais populares do campo e da cidade do país, em torno do direito à vida, ao território e à moradia. Viva a Campanha Despejo Zero!

 

*Daisy Ribeiro – Advogada Popular da Terra de Direitos e integrante da Campanha Despejo Zero; Julia Ávila Franzoni – Professora da FND-UFRJ, advogada popular associada da Terra de Direitos e integrante da Campanha Despejo Zero

**A Terra de Direitos é uma organização de Direitos Humanos que atua na defesa, na promoção e na efetivação de direitos, especialmente os econômicos, sociais, culturais e ambientais (Dhesca). Criada em 2002, a Terra de Direitos incide nacional e internacionalmente nas temáticas de direitos humanos e conta com escritórios em Santarém (PA), em Curitiba (PR) e em Brasília (DF).

***Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Rodrigo Durão Coelho