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Curitiba 329 anos: não é tudo sobre um cartão postal

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No aniversário de Curitiba, precisamos falar da cidade real, que sofre e protesta. - Giorgia Prates
Mas sabemos que ainda é preciso muito mais para superar séculos de segregação

Curitiba é vendida como cidade modelo e inovadora, mas  levou 327 anos para eleger a sua primeira mulher negra vereadora. Passaram-se 17 legislaturas sem essa representatividade no lugar de decisões e formulações de políticas públicas. Diante disso, questiono: cidade modelo para quem? Com certeza, não é para negras e negros que historicamente foram inivisibilizados, por mais que, comprovadamente, foram e são parte da edificação da capital paranaense.

Não é também a cidade modelo para os moradores de dezenas de bairros que sofrem frequentemente com enchentes, que perdem tudo, seus pertences, móveis e alimentos, a cada chuva forte, que vivem com o descaso do poder público que não soluciona o problema, mas apenas mascara a situação e não conclui obras necessárias para corrigir erros de planejamento que geraram esse caos.

Acredito não ser também uma cidade acolhedora para as famílias das ocupações por moradia, que não possuem equipamentos e infraestrutura urbana, como saneamento básico, iluminação pública e energia elétrica. Infelizmente, essas regiões não são cuidadas pela prefeitura. Desses locais, a elite dominante não fala, nem mostra, e famílias inteiras padecem por séculos sem a devida atenção.

Assim também, milhares de imigrantes e refugiados negros, que moram em muitas dessas ocupações são ceifados do direito à cidade, de viver em condições dignas e de ter acesso à políticas públicas de direitos humanos e de inclusão.

Essa mesma cidade também se diz inteligente, no entanto, políticas higienistas promovem o contrário, onde pessoas são expulsas com jatos de água no amanhecer, passam fome e morrem de frio nas ruas, onde mulheres são obrigadas a colocar suas vidas em risco cozinhando com lenha, pois não têm condições de comprar um botijão de gás.

A metrópole modelo e inovadora que a gestão pública tenta vender, com campos floridos, arquitetura exuberante e pontos turísticos invejáveis, sangra uma cidade com esgotos à céu aberto, com pessoas morrendo de leptospirose, que não prioriza ciclovias e que possui a tarifa de transporte público mais cara entre as capitais do país.

Para transformar essas realidades, tenho feito essas e outras denúncias que têm exposto a contradição desta narrativa de cidade modelo, mas também proposto ações concretas para mudar as estruturas que constroem e mantêm essas desigualdades.

Aprovamos a lei de cotas étnico-raciais nos concursos públicos, incluímos o eixo habitação no Plano Municipal de Promoção da Igualdade Étnico-racial e destinamos recursos para áreas estratégicas que historicamente foram negligenciadas. Mas sabemos que ainda é preciso muito mais para superar séculos de segregação.

Curitiba está completando 329 anos e acredito que o nosso mandato está contribuindo para a escrita de uma nova história, onde a cidade seja de todas e todos e não apenas para alguns. Esse é o nosso desejo para uma Curitiba que seja de fato modelo, inteligente e inovadora.

 

Edição: Pedro Carrano