Paraná

LUTO NA ARTE

Opinião | Adeus Elifas, o desenhista da canção brasileira

O que seriam dos discos de Martinho da Vila, Paulinho da Viola e Elis Regina, sem as suas capas icônicas?

Curitiba - PR |
Elifas Andreato encarava a arte como um instrumento de luta pela liberdade
Elifas Andreato encarava a arte como um instrumento de luta pela liberdade - Foto: Arquivo Pessoal

Quando pensamos na música brasileira, obviamente o que lembramos e louvamos são nossos grandes músicos, como Baden Powell, intérpretes, como Mônica Salmaso, compositores, como Guinga, e letristas, como Chico Buarque, no máximo citamos produtores do escalão de Roberto Menescal ou arranjadores do talento de Dori Caymmi. Mas o que seriam dos discos de Martinho da Vila, Paulinho da Viola, Elis Regina, e centenas de outros, sem as suas capas icônicas? Quando a mídia padrão da indústria era o vinil, as capas faziam muita diferença para ganhar o consumidor, para comunicar o conceito daquele álbum, para dizer uma mensagem e levar artes visuais para a casa de milhões de brasileiros. E o maior de todos os artistas de capas no Brasil foi Elifas Andreato, que faleceu em 29/03/2022.

Elifas nasceu em Rolândia, no Paraná, em 1946, foi jovem para São Paulo e, autoditada, galgou posições no jornalismo brasileiro pelo seu talento como ilustrador e editor, tornando-se nome importante da revista Veja e do Jornal do Brasil. Mesmo em posição de destaque, nunca furtou-se de se posicionar politicamente. Fundou o periódico Opinião, em plena ditadura militar, fez cartazes para teatros ligados à UNE e foi perseguido pelo regime, em 2011, homenageado com o Prêmio Vladimir Herzog. Após a redemocratização, foi parceiro constante do MST até o fim da vida.


Ilustração de 1979 foi chamada de "Mona Lisa Brasileira" pelo poeta Hermínio Bello e será exposta pela primeira vez / Imagem: Reprodução - Elifas Andreato

A música é uma mídia imaterial e abstrata, porém, necessita de veículos físicos para ser arquivada e compartilhada. Durante décadas, o vinil foi seu principal meio e os encartes eram de fundamental importância artística, aliando artes visuais à música, indústria gráfica à indústria fonográfica. Elifas foi gigante, depois dele, os projetos gráficos e conceituais dos álbuns tomaram outra proporção. Transformou capas de vinis em colecionáveis, com trabalhos impressionantes que ajudaram a criar a identidade da música brasileira no auge de sua indústria: A Ópera do Malandro, de Chico Buarque, Canta Canta Minha Gente, de Martinho da Vila, Clementina, de Clementina de Jesus, Essa Mulher, de Elis Regina, Nervos de Aço, de Paulinho da Viola. São mais de 360 discos. Elifas também ilustrou livros de literatura, como A Legião Estrangeira, de Clarice Lispector.

Hoje perdemos um gigante da arte e do design brasileiro, que desafiou o formato tradicional da indústria cultural, ajudando a modernizar a produção cultural brasileira, com uma clara identidade popular, politizada e também contemporânea. A indústria gráfica e também a música do país foi transformada por Elifas. Devemos muito a seu senso crítico, sua inquietação e seu talento. Viva Elifas Andreato!

*Yuri Campagnaro, artista visual, formado em Gravura pela EMPAP-Unespar, doutorando em Mediações e Cultura pelo PPGTE-UTFPR.

**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

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Edição: Lucas Botelho