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O riso nervoso na justificativa da barbárie

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O secretário de Estado dos EUA, Anthony Blinken se reuniu, na sexta-feira (21), com autoridades russas para debater escalada militar da Otan - Jean-Christophe Bott / AFP
Imigrantes negros e muçulmanos relataram terem sido impedidos de embarcar em trens para sair do país

Quanto vale a vida humana? Começo com uma pergunta contraditória, afinal seria possível atribuir um certo valor a nossa existência? Ou teríamos um valor inestimável? Neste caso qualquer atentado à vida, qualquer movimento à guerra seria hediondo.
Me parece que este não é o caso da humanidade no presente. No nosso caso, acho que o valor da vida depende de quem é este ser humano. Me parece também, que há uma diferenciação entre humanos e sub-humanos.
Sub-humanos seriam um tipo inferior do estágio mais avançado de humanidade, selvagens e não civilizados, atrasados como asiáticos, africanos, latinos ou muçulmanos, dentro desta lógica, tudo que não é Europeu é inferior.
Aqui está a pegadinha, é errado fixar essa ideia num passado de colonização, primeiro porque este processo de colonizar, dominar, explorar, não acabou, segundo porque ainda é uma ideologia na atualidade com bastante força e projeção.
Bastou o desencadeamento de um conflito na Europa, entre Rússia e Ucrânia, para sermos inundados por imagens e declarações jornalísticas explorando o terror e sofrimento do povo afetado, reivindicando que “com todo respeito” aquilo não estava acontecendo no Oriente Médio e por isso era inaceitável.
Imigrantes negros e muçulmanos relataram terem sido impedidos de embarcar em trens para sair do país, um jogador de futebol brasileiro teve que pagar para conseguir cruzar a fronteira e assim se seguem relatos cruéis das consequência concreta dessa divisão entre seres humanos e  sub-humanos.
A hipocrisia vai se desenhando no sorriso nervoso dos analistas convidados para tribunas midiáticas, desde 2014 a região de Donbass é bombardeada, não havia comoção internacional. Durante a segunda semana do conflito, regiões da Síria, do Iêmen e da Palestina foram bombardeadas, sem grande cobertura. O Brasil amarga 650 mil mortos em decorrência da epidemia do coronavírus, mas algo nos diz que o conflito europeu é mais importante. Na semana do carnaval inclusive, o jornal britânico Daily Mail criticou brasileiros: “A festa continua no Rio! Milhares inundam as ruas do centro no Brasil para celebrações não oficiais do carnaval, enquanto o resto do mundo protesta em solidariedade pela invasão da Ucrânia pela Rússia”.
O que eles querem dizer com o resto do mundo? Veja, eu sei que é uma questão complicada, mas os protestos em solidariedade foram feitos em campos de futebol e lugares turísticos como a Torre Eiffel e o Parlamento Inglês, por outro lado, a China e vários países africanos se abstiveram de adotar sanções contra Rússia, o que há em curso é uma guerra estratégica, uma disputa de territórios e de capitais.
Já desisti de regular meu sono afetado por uma explosão diária de contradições, de notícias ruins e de falta de perspectiva generalizada agora materializada pelo medo de Putin utilizar armas nucleares, me pergunto, está completa a receita para a desorientação e para a barbárie coletiva?
Voltemos ao início, quanto vale a vida humana?
Estamos no ponto crítico em que os bens naturais e minerais como petróleo, água,  a soberania dos povos e a fraternidade são bens explorados em função do lucro e da dominação do mercado financeiro. A humanidade está precificada pela divisão internacional do trabalho, traduzida no valor da hora trabalhada, que custa muito menos em regiões periféricas ou de conflito.
Em crise e com sérios problemas de convivência, a humanidade precisa recalcular sua rota, ou caminharemos para o pior momento possível, o momento em que o ser humano não valerá nada.
Para buscar alguma sensatez nesse mar de disputa precisaremos com toda certeza nos posicionar contra a Guerra, defendendo a paz e a fraternidade entre os povos. Mas não sejamos ingênuos para isso é preciso também se opor a política de expansão da OTAN, a política de bloqueios econômicos como meio de dominação, lutar contra qualquer tipo de discriminação social, racista e xenofóbica, combater qualquer forma de retorno do nazifascismo, por fim, é preciso ter objetividade na defesa e no apoio da construção de um mundo multipolar, sem concentração de poder e sem armas nucleares.
Se estes são desafios coletivos demais para sanar nossa angústia individual, sugiro que você não fuja, não procure simplificar essa questão, nem se deixe levar por opiniões comerciais demais, aquelas que tem cara e cheiro de produto e que geralmente são repetidas muitas vezes pela mídia dominante, eu sei que a realidade dói, mas não podemos nos esconder dentro da caverna para sempre.
Teremos que reivindicar a humanidade, do fundo de nossas existências, passando por cada relação que estabelecemos sem nos perdermos no caminho para que possamos forjar no tempo que grita pela necessidade de povos humanos e diversos.
A humanidade ainda está sendo formada, e só será plena quando não houver mais nenhum ser humano ameaçado pela fome, pela pobreza e pela injustiça social.

Edição: Pedro Carrano