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João Paulo Rodrigues: "Programa de governo de Lula é mais importante que aliança com Alckmin"

Dirigente nacional do MST explica que frente ampla será importante na derrota de Bolsonaro e na luta contra o fascismo

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O dirigente nacional do MST, João Paulo Rodrigues é o convidado desta semana no BDF Entrevista
O dirigente nacional do MST, João Paulo Rodrigues é o convidado desta semana no BDF Entrevista - Foto: Guilherme Santos/Sul21
O programa [de governo] é o que decide e o que vai influenciar como vai ser o governo

Apesar da ampla vantagem do ex-presidente Lula nas pesquisas eleitorais para as eleições presidenciais deste ano, que colocam o petista na liderança com 43% das intenções de voto, contra 25% do atual presidente, Jair Bolsonaro (PL), não há clima para já ganhou. Essa é a avaliação de João Paulo Rodrigues, que integra a direção nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).

Segundo Rodrigues, a batalha não é apenas “contra o bolsonarismo, mas uma luta contra o golpe”, refazendo uma linha direta entre a ascensão do conservadorismo e a derrubada da presidenta Dilma Rousseff, em 2016. 

Para garantir que a vitória de candidatos progressistas nas urnas não se transforme em mais uma tentativa de sabotagem, Rodrigues afirma que é necessário “fazer uma aliança ampla”. Há a expectativa de que o ex-presidente Lula tenha como vice, na chapa das eleições deste ano, o ex-governador de São Paulo Geraldo Alckmin. A decisão atrai atenções do mundo político e é motivo de críticas e elogios no campo progressista. 

“Eu não tenho nenhuma preocupação com isso. Porém, eu acho que nós temos que ser muito cautelosos no programa. E o programa é o que decide e que vai influenciar como vai ser o governo”, explica Rodrigues.

Convidado desta semana do BDF Entrevista, o dirigente sem terra aponta que o ex-presidente Lula “não pode deixar de falar à sociedade e a quem quer estar nesse palanque, do tema da soberania nacional, da importância do papel do estado no combate à fome e à miséria, que ele vai avançar para além da distribuição de renda, a distribuição de riqueza. Se isso não estiver claro, as alianças ficam confusas”.
 

Na entrevista, João Paulo Rodrigues também faz uma análise de conjuntura sobre o cenário político nacional, os conflitos no campo -- que, no ano passado, segundo a Comissão Pastoral da Terra, deixaram 103 mortos, sendo 101 deles indígenas -- e sobre a estratégia do MST de recuar das ocupações de terra, desde a eleição de Bolsonaro à presidência, em 2018.

“As famílias vão para uma ocupação de terra, ou o MST incentiva o avanço na ocupação de terra, quando tem uma perspectiva de que tenha um processo de assentamento, de regularização fundiária. Nós não queremos ir para terra só porque achamos bonito acampar”, explica.

“Com essa diminuição, o que nós priorizamos, ao longo desses últimos anos, foi primeiro garantir que as famílias acampadas, mesmo não tendo terra, não sofressem despejo, e isso foi muito importante”.

Confira a entrevista na íntegra.

Brasil de Fato: Nos últimos anos, ou pelo menos desde a eleição de 2018, o MST deixou de ocupar terras para a reforma agrária. Qual a estratégia do movimento ao evitar esse tipo de ação? Tem muito a ver com o aumento da violência no campo? 

João Paulo Rodrigues: Olha, é importante que todos que estão acompanhando saibam que nós, do movimento sem terra, temos como principal objetivo a luta pela terra, pela reforma agrária, por desenvolvimento no campo e transformações sociais. E, ao longo dos últimos dez anos, mais ou menos, houve uma diminuição significativa no número de assentamentos. 

Isso aconteceu no segundo mandato da presidente Dilma [Rousseff], depois no próprio mandato do governo [Michel] Temer golpista e acabou, literalmente, o assentamento de famílias no governo do Bolsonaro. 

De modo geral, as famílias vão para uma ocupação de terra, ou o MST incentiva o avanço na ocupação de terra, quando tem uma perspectiva de que tenha um processo de assentamento, de regularização fundiária e algum programa do gênero, para que a gente possa avançar. 

Nós não queremos ir para a terra só porque achamos bonito acampar, nós queremos ir para a terra porque temos a possibilidade de pressionar os governos, pressionar o Congresso Nacional e, ao mesmo tempo, avançar na reforma agrária. 

Com essa diminuição, o que nós priorizamos, ao longo desses últimos anos, foi primeiro garantir que as famílias acampadas, mesmo não tendo terra, que não sofressem despejo, e isso foi muito importante. Nós temos mais de 230 áreas com mandado de reintegração de posse, dos mais diferentes pedidos, e nós temos conseguido contornar junto ao Judiciário, junto aos próprios fazendeiros, junto aos governos de estado, para que não despeje as famílias.

Não tem aumentado a ocupação de novos latifúndios, mas as famílias continuam lá, produzindo, cuidando da escola e assim por diante. A segunda medida do MST foi, ao longo desse período Bolsonaro, não cair nas provocações do latifúndio, que está doido para matar um sem-terra, doido para fazer qualquer tipo de ação mais violenta contra o nosso movimento e, ao mesmo tempo, aumentar a criminalização do MST. 

Então nós evitamos fazer esses tipos de ocupações, só grandes ações foram feitas no primeiro ano [do governo Bolsonaro] e, logo depois, tivemos a pandemia. Com a pandemia, o MST parou como um todo. Por fim, nós jogamos toda a prioridade política e ideológica do nosso movimento para fazer o trabalho de organização da produção, garantir que o nosso pessoal tivesse uma produção para a subsistência e para a venda dos seus produtos, mesmo durante a pandemia. 

E ainda tem uma sobra importante para a gente fazer uma política de solidariedade no país como um todo. Então essas foram as prioridades do movimento ao longo desses últimos anos. 

E foi, inclusive, uma campanha muito forte, muito importante de doação de alimentos do MST por todo o Brasil. Vocês ainda continuam com essas campanhas, elas têm alcançado grandes êxitos?

Olha, é impressionante o quanto nós temos visto a população brasileira passar por uma fome, pela miséria. Você pega o interior do país, muitos problemas de fome e aqui na capital também. Então, diante disso, o nosso movimento organizou essa campanha de solidariedade. 

Nós distribuímos mais de 6.000 toneladas de produtos no país inteiro. Produtos bons, agroecológicos, arroz orgânico, comida de ótima qualidade e isso foi importante, não só para as pessoas que receberam os produtos, mas foi mais importante ainda, Zé, para as pessoas que doaram, elevou o nível de consciência e deu uma importância política histórica para o papel da reforma agrária, que é produzir comida para alimentar o povo brasileiro.

O Brasil de Fato publicou recentemente um levantamento apontando um aumento de 228% no número de armas importadas para o Brasil desde a eleição do presidente Jair Bolsonaro. Muitas dessas armas foram para o campo, e isso tem sido uma bandeira do presidente. Como o movimento tem lidado com essa questão da violência no campo?

Olha, nós temos que ter um certo cuidado ao falar desse assunto, porque houve um aumento significativo do número de pessoas armadas no campo. Eu vi uma fala do próprio presidente Bolsonaro essa semana, que ele disse que está distribuindo e autorizando 1.000 portes de armas por dia, então significa que ao final deste ano nós vamos ter ao menos 360.000 armas liberadas.

Isso é o que nós estamos vendo no país como um todo. Parte desse armamento está indo para a classe média urbana, que é quem tem quantidade de dinheiro para pagar pelos clubes de tiro, é quem consegue pagar essas armas e ficar com elas. Cada arma dessa custa acima de R$ 10.000. 

A segunda situação que nós estamos vendo é que o povo do campo, em especial os fazendeiros, estão se armando, mas eles não conseguem armar o peão da fazenda dele, o capataz. O fazendeiro, que tem a posse da arma, continua morando aqui em São Paulo, e os trabalhadores dele, o jagunço, etc, não podem usar essa arma do fazendeiro. 

Então, o que eles estão fazendo? Há um processo de contrabando dessas armas, sem regulamentação, sem nenhum tipo de acompanhamento por parte dos órgãos fiscalizadores, que chega na mão dessas milícias para fazer ataque aos índios, ataque ao Sem Terra e assim por diante. 

Agora, volto a dizer que, por enquanto, não houve um aumento de assassinatos ou de ofensiva contra as famílias acampadas por esse motivo que eu falo, o MST não caiu na provocação. 

Infelizmente, o que tem acontecido é um aumento de violência, fruto dessa quantidade de armas nas comunidades indígenas, nas aldeias, onde tem aumentado significativamente os ataques, em especial de lobos solitários, como nós chamamos que são bolsonaristas muito covardes que, sozinhos, vão lá e atiram, fazem coisas do gênero. 

Agora eles sabem que, na medida que mude a correlação de forças, o bolsonarismo começa a ficar isolado. Há uma perspectiva de mudança de governo e eles começam a ter a preocupação de não sair dando tiro a torto e a direito. Não significa que nós não devemos nos cuidar. 

O que eu quero chamar atenção é que nós devemos continuar denunciando essa quantidade de armas que se utiliza no campo e a forma de resolver conflito é com terra, com reforma agrária e não com mais armas. 

Estamos em ano eleitoral, o ex-presidente Lula lidera todas as pesquisas de opinião na corrida eleitoral pelo Palácio do Planalto. Queria saber qual a leitura que o MST está fazendo da eleição e qual é o papel do MST nessa conjuntura. Em caso de vitória, o MST vai vir aqui para Brasília para garantir a posse do Lula, pensando que o Bolsonaro e seus apoiadores podem, inclusive, tentar fazer algo similar ao que ocorreu nos Estados Unidos, no Capitólio, uma espécie de Capitólio brasileiro?

O MST está convencido que nós temos que derrotar o Bolsonaro. Nós estamos certos de que o Lula é o nosso melhor candidato e temos certeza que nós vamos ter que brigar muito para ganhar essas eleições. Nós não somos daqueles que estão acreditando que a eleição está dada. 

Na esquerda, tem três vertentes sobre isso. A vertente número um, que acha que a eleição já ganhou, que a gente tem que se cuidar em casa e deixar chegar outubro. Há uma vertente que acha que nós estamos com o inimigo muito perigoso e tem que fazer aliança com tudo o que é de direita, de centro.

E tem nós, que achamos que é nem ficar em casa e nem se entregar para a direita, que nós temos que ir com o nosso candidato e temos duas batalhas que tem que ser feita. Uma da organização popular, aproveitar a eleição para fazer um grande trabalho de base com a sociedade e, uma segunda tarefa, que é a disputa ideológica. 

Porque nós temos que ganhar, mas nós temos que governar. É possível isso ser feito se nós avançarmos em ter uma maioria na sociedade, que queira o governo, e nós temos que ter uma maioria contra o Bolsonaro e uma segunda maioria que defende o governo Lula, para poder governar. 

Eu sou da tese, viu Paulo, que os bolsonaristas estão muito covardes para querer fazer qualquer ação parecida com o que foi os Estados Unidos. Minha preocupação maior não é a pós-eleição. Eu até acho que eles vão fugir tudo para os Estados Unidos, como foi feito com os outros ministros. 

Eu acho que a nossa preocupação maior é agora na pré-campanha, na distribuição de fake news, que eles são treinados nisso, nas ações que eles vão fazer com distribuição de cargo e muita grana, porque eles estão com o governo e ao mesmo tempo a aliança que eles podem vir a fazer, tanto com o centrão, para a distribuição de mais emenda parlamentar e assim por diante, e os aumentos que eles vão dar, de regalias, para a área militar, tanto no âmbito estadual como federal, e isso confunde o jogo. 

Agora, o MST vai estar nas ruas durante a campanha eleitoral, organizando os comitês populares, disputando voto a voto, disputando as consciências das pessoas. Nós vamos estar na posse do Lula, e nós vamos estar depois no governo, pressionando ele para que atenda as pautas históricas da classe trabalhadora. 

Já houve, inclusive, uma tentativa do Bolsonaro de convencer setores armados a apoiar uma insurreição, como no Sete de Setembro, no ano passado. Você ainda teme isso ou acha que esses setores estão mais tranquilos e vão aguardar democraticamente o processo eleitoral? 

Olha, é muito difícil prever isso, porque tudo vai depender de uma correlação de forças. Se tiver uma disputa muito acirrada com Bolsonaro e com os bolsonaristas, eu acho que ele pode usar de tudo, inclusive da área de segurança, Forças Armadas, assim por diante.

Se tivermos uma situação parecida com o que nós temos hoje, que oLula pode ganhar no primeiro turno, e eu acho que as Forças Armadas e todos os demais órgãos vão se comportar, porque eles sabem do risco que é qualquer aventura deles e depois ter que responder junto à Justiça brasileira, e junto aos demais órgãos que compete o cuidado sobre isso. 

Eles já tentaram de tudo, mas não mostraram, até agora, para o que vieram. Eu, dia desses dei uma entrevista e os bolsonaristas ficaram bravo, que eu dizia que, a depender da bravata dos bolsonaristas, o STF (Supremo Tribunal Federal), na figura do Alexandre de Moraes, cuida deles sozinho, não precisa nem envolver o conjunto da República, nem da sociedade. 

Agora, se não houver uma correlação de forças favorável para nós, aí sim precisamos de uma intervenção maior por parte do estado brasileiro, mas acima de tudo, é das ruas. Nessas eleições, a gente empurrar o fascismo e a extrema direita para o canto ou para o esgoto, é só com o povo na rua, não tem outra alternativa. 

Há, no horizonte, a possibilidade de uma aliança com o ex-governador Geraldo Alckmin, para ser o vice do ex-presidente Lula. Há diversas sinalizações do Lula indicando a escolha de um vice que garanta a governabilidade, caso a chapa dos dois seja vitoriosa em outubro. Como o MST tem analisado essa aliança? 

Olha, eu tenho insistido por aí, Zé, e os demais que estão nos acompanhando, que nós estamos na terceira etapa da luta “Fora Bolsonaro!”, da luta contra o fascismo. E acho que a primeira etapa foi vitoriosa, que foi quando tiramos o Lula da cadeia e conseguimos reconquistar seus direitos políticos. 

A segunda etapa foi durante a pandemia, quando nós conseguimos um avanço importante, pelos direitos da pessoa, de ter sua quarentena e ter um Auxílio Emergencial, todas as lutas que nós fizemos e mais de sete grandes manifestações. Eu acho que isso é relevante, é bastante importante. 

E o terceiro é fronte, o terceiro embate, é agora nas eleições. Por isso que eu não sou dos mais otimistas de que está tudo resolvido, pelo contrário. Nós temos uma batalha e depois que nós cumprirmos essa batalha, que a luta não é só contra o bolsonarismo, mas uma luta contra o Golpe, é que eu acho que nós vamos poder pensar o Brasil diferente da situação que está hoje.

E para essa briga da luta contra o Golpe, contra o bolsonarismo, eu acho que nós vamos ter que fazer uma aliança ampla. Eu não tenho nenhuma preocupação com isso. Porém, eu acho que nós temos que ser muito cautelosos no programa. E o programa é o que decide e que vai influenciar como é que vai ser o governo.

Por exemplo: o Lula não pode deixar de falar à sociedade e a quem quer estar nesse palanque, do tema da soberania nacional, da importância do papel do estado no combate à fome e à miséria, que ele vai avançar para além da distribuição de renda, a distribuição de riqueza.

Que haverá uma política dura de reforma agrária, que vai distribuir terra, que haverá uma política de reforma urbana e que nós vamos ter, sem dúvida nenhuma, um governo que vai respeitar a democracia e que vai radicalizar as políticas públicas. 

Se isso não estiver claro, as alianças ficam confusas. Se estiver claro, não tem nenhum problema que neste palanque tenhamos a coloração de todos que lutaram pelo “Fora Bolsonaro!”. 

E o cenário hoje é de uma correlação de forças em que a direita está muito presente na política brasileira. Agora, obviamente, no período eleitoral, e com o Lula como um dos principais candidatos, a esquerda ressurge, e as alianças ficam mais amplas. É possível, nessa correlação de forças, levar o presidente Lula a se posicionar mais à esquerda do que ao centro?

Eu acho que não há grandes problemas referente a isso, porque o Lula já tem experiência. Eu acho que nem pode se criar uma expectativa que o Lula vai dar cavalo de pau na economia ou mesmo no jeito de governar, nem achar que nós vamos ter um governo mais à direita do que foram os governos do PT. A gente já sabe mais ou menos o tom do que vai ser. 

Vai depender do apoio popular que ele vai ter, e isso ainda não está muito nítido. Apoio popular é diferente de voto. Ou seja, quais são as forças reais da sociedade que vão estar com Lula, independente do que vai acontecer no próximo período? 

Acho que isso é que vai definir o tamanho da força e as possibilidades de mudança. Eu acho que já foi sinalizado algumas áreas. Por exemplo, não deixar privatizar e o que foi privatizado durante esse ano, reestatizar, no caso da Eletrobras. Eu acho que já há sinais de que o presidente Lula terá uma forte política social. 

Há sinais de que ele não vai compactuar com o preço do combustível da forma como está agora. Não acredito que o Lula terá força suficiente para avançar, por exemplo, em projetos de reforma tributária e distribuição de riqueza, à partir das grandes fortunas. Não vejo ainda que tem materialidade na sociedade para ele dar esse salto.

A nossa vontade é essa, que ele possa esticar um pouco a corda em direção a desigualdade social e a distribuição de riqueza e não somente de renda. Para isso, eu acho que nós vamos ter que fazer uma campanha muito dura. 

Essa campanha é mais do que somente eleger o Lula. É uma campanha “Fora Bolsonaro!”, para a gente ter uma vitória política, uma vitória eleitoral e uma vitória ideológica. Nós perdemos o apoio de parte importante da sociedade brasileira durante as eleições de 2018, e nós temos que recuperar isso. É uma tarefa árdua, que será feita por muita gente no país inteiro, mas que ainda precisa de um certo tempo. 

Você comentou sobre a capacidade de mobilização da sociedade nas ruas. A gente teve um período muito interessante, no ano passado, em que as pessoas foram para as ruas, apesar da pandemia. Você acha possível retomar essas manifestações e dar o tom da política no período eleitoral? 

Olha, como está organizado o nosso calendário? Nós vamos ter uma mobilização agora no 8 de março, durante todo o mês de março. Depois nós temos uma luta grande contra os despejos, que é a medida provisória e a decisão do STF que se encerra no dia 31 de março. 

Depois vamos ter um abril com muitas mobilizações, em especial no tema do campo, da questão ambiental e, por fim, o Primeiro de Maio, que é onde a classe trabalhadora virá para a rua dizer que somos contra essa política econômica, que só aumentou fome e o desemprego, mas ao mesmo tempo, essa classe trabalhadora precisa sinalizar o que ela vai querer para o próximo período. 

Eu desconfio que tem três assuntos que virão para o palco. O primeiro, a revogação da reforma trabalhista, que é uma pauta muito importante para a categoria, o segundo é a geração de emprego e renda, e o terceiro, que eu acho que é um assunto muito importante, que é a retomada de um salário mínimo que dê conta de comprar os produtos, de competir, ao menos, com o valor dos alimentos, que hoje está um absurdo. 

Então, são pautas muito boas que virão nesse calendário de luta. Acho muito difícil, em função inclusive da pandemia, nós termos tempo de fazer grandes mobilizações de massa esse ano. E temos que ter muito cuidado para não cair nas provocações da direita. Mas é importante que o povo ocupe a rua de um jeito ou de outro, tem que estar nas ruas, na luta. 

Eu brinco que é um momento de ocupar as ruas, as redes e as roças, ou seja, tem que ter uma presença militante em todos os espaços políticos da sociedade. 

Você acompanhou de perto todo o processo político de 2016, o golpe contra a presidenta Dilma Rousseff. Recentemente, atores políticos relevantes, como o ministro do STF, Luís Roberto Barroso, disse em uma entrevista que o impeachment contra a presidente Dilma Rousseff não tinha nenhum caráter de corrupção, ou seja, foi tão somente um acordo político. Como você vê esse momento de mea culpa, que obviamente não começou agora, mas que ganha ainda mais força nesse período?

Vida dura. Eu acho que há uma mudança importante de correlação de forças na sociedade e vai começar a agora a fase do: “eu avisei”, da autocrítica, “eu acho que fomos enrolados”. Tudo isso vai aparecer. 

Agora, o que é importante é que a sociedade saiba, e o conjunto da esquerda, é que nós temos uma classe média, combinado com uma classe dominante, que é muito vacilona. Eles andam a depender dos interesses de econômicos sociais dela. Não tem nenhum compromisso com o que nós, esquerda, defendemos. 

Se você for ver a fotografia de quando a Dilma foi se defender no Congresso Nacional, no Senado, ou quando a Dilma saiu do Palácio do Alvorada, você vai ver quem estava lá com ela e isso vale para quando o Lula estava preso em Curitiba, quem é que saiu com o Lula, quais eram as bandeiras que estavam lá, com ele, quando o Lula foi preso.

E hoje teve uma mudança, é importante nós valorizarmos essa autocrítica. Acho importante, que antes tarde que nunca, eles reconheçam que erraram e que foram golpistas, que foram fascistas e estão reconhecendo o seu erro. 

Nós temos que ter claro que, em alguma medida, a história vai cobrar caro. Nós não podemos ser vingativos e muito menos não aceitar a autocrítica desse setor. Temos, claro, que trazer sempre para o nosso lado. 

Eu tenho uma imagem do depoimento da Dilma lá em Brasília, que era a presença de uma das únicas figuras do mundo artístico, que é o Chico Buarque. Ele esteve junto na luta contra a ditadura, na luta contra o Fernando Henrique, na luta com o Lula, teve com a Dilma e continua do lado. 

Se você for pegar a CUT (Central Única dos Trabalhadores), ao mesmo tempo, se você for pegar o PT, o MST esteve junto. Houve oscilação e é da vida, nós temos que não tratar isso com o fígado, nós temos que tratar isso como política, como decisão das forças.

Agora, foi golpe, erraram, e a história vai cobrar a fatura alta de quem participou desse golpe. E não tenho dúvida que os que defenderam a prisão do Lula também estavam na mesma situação e possivelmente quero que eles se arrependam e voltem a tempo de eleger o Lula presidente e devolver seu mandato.

Edição: Rodrigo Durão Coelho